html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
A ROSA PÚRPURA DO CAIRO (THE PURPLE ROSE OF CAIRO)

Por Carlos Motta
Seleção e transcrição: Sergio Andrade

“Não o melhor, mas certamente o mais complexo filme de Woody Allen, que levanta uma série de questões até mesmo filosóficas, metafísicas e sociológicas envolvendo a arte chamada a Sétima. “Complexidade num filme de Woody Allen? Mas ele não faz só comédias?”, indagariam aqueles para quem comédia não é uma coisa séria. “Complexo como, se Cinema não é Arte e sim um divertimento”, diriam aqueles que desprezam o Cinema como manifestação artística. “Alienação!”, gritarão os realistas empedernidos, que sempre detestaram o lado mau de Hollywood sem se dar conta de sua face mais positiva. E que encontrariam munição perfeita para suas armas ao verificarem que o filme tem como protagonista uma garçonete incompetente e malcasada que compensa a desagradável realidade de seu cotidiano comparecendo diariamente às sessões do único cinema de sua cidade, Nova Jersey (N.Y.), nos anos da Depressão econômica. Ela vem assistindo diversas vezes ao mesmo (fictício) filme ora em cartaz, precisamente “A Rosa Púrpura do Cairo”. Um dia, para sua surpresa e da platéia, o personagem sai da tela para declarar que a ama. E sai com ela para a rua, descobrindo que a vida real não é como o cinema. E o que significa, que ilações podemos tirar do filme de Allen? Nada existe no cinema com vida própria, tudo é manipulado ao bel-prazer do autor. Que a ficção é incomparavelmente mais fascinante que a realidade. Ou que não é mais atraente que a realidade e sim que a realidade é muito mais sórdida do que qualquer ficção. Como arte, o cinema deve exprimir uma verdade para o espectador, mas, por força mesmo de sua natureza, toda a verdade, no cinema, parte de uma ficção. Para o crítico Edmar Pereira, o “filme é uma forma de expressar delicadamente o amor ao cinema”. A jornalista Cecília Thompson diz que “mostra a realização daquele desejo mais secreto de todo mundo, que já sonhou ver o ator ou atriz de seus sonhos aparecer à sua frente”. Para o diretor Guilherme de Almeida Prado, “a ficção pode ser tão real a ponto de adquirir vida própria”. Para Póla Vartuk, “entre outras questões mais profundas que o tratamento a elas dispensado no filme, está a do personagem em busca de um autor: e o autor é Deus, pois é quem decide o destino dos personagens”. E, segundo o próprio Allen, “mostra a diferença entre realidade e fantasia; como a fantasia é sedutora e como, infelizmente, temos de conviver com a realidade, e como ela pode ser penosa”. Seja como for e apesar de o filme nos ter deixado um tanto desapontados, num ponto todos devemos concordar: Mia Farrow está simplesmente extraordinária.”

*Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 06/10/85.



<< Capa