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Michelangelo Antonioni: Uma Pausa para os Olhares

Por Filipe Chamy

Michelangelo Antonio foi o cineasta das pausas constrangedoras, dos medos de comunicação, das falhas de interceptação de olhares. Dos amantes inconsistentes, do silêncio eloqüente, do tédio amoroso, da incompreensão constante. Em seus filmes, quase nada é mostrado verbalmente, as imagens constroem uma narrativa que nada diz e no entanto é bastante eficiente: personagens que vivem vidas dificilmente deslocadas, que não se enxergam nem em si mesmos. Antonioni, o diretor da incomunicabilidade, sabia conduzir com maestria esses interlúdios humanos tão delicadamente fragilizados.

Antonioni começou como roteirista, ainda bastante influenciado pelo neo-realista — chegou a roteirizar filmes de Fellini, um de seus colegas de O amor na cidade. Os maiores clássicos dessa sua fase são, talvez, O grito e As amigas. Mas a consagração viria apenas alguns anos depois, quando convocou sua musa Monica Vitti (com quem teve um caso) para protagonizar alguns de seus mais famosos trabalhos — e apesar de muitos (como Ingmar Bergman) criticarem o desempenho da moça, não há que se negar que ela funcionava muito bem e era deveras atraente e interessante. O nome de Michelangelo Antonioni, assim, ganha uma potência inesperada e suas fitas recebem grandes elogios e muitos prêmios. A noite é uma passagem pela vida atormentada de um casal (Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau — Monica Vitti é coadjuvante aqui), um filme de angulações tensas, fotografia triste e desempenhos memoráveis do elenco. A famosa Trilogia da Incomunicabilidade é completada ainda por A aventura, um “conto moral” sem solução (e o que é solucionado na vida?) e com belíssimas cenas em praias — os inimigos de Antonioni devem achar Monica Vitti de maiô a única cena bonita que ele filmou —, e O eclipse, drama romântico co-estrelado por Alain Delon, um relacionamento repleto de ausências e falhas de ambos os lados. Bocas tremem, mãos hesitam, olhos se controlam — é tudo uma imensa conjuntura de problemas e empecilhos não só para o amor como para o envolvimento entre dois humanos.

Em 1964, Antonioni traz às telas O deserto vermelho, fábula pessimista e de difícil assimilação, que conta com construções impactantes e a clausura de uma mulher (novamente Monica) em meio às atribulações do mundo moderno. Antonioni parece dizer que o moderno deve ser aceito, sim, mas antes deve-se compreender o que já havia.

O ciclo Monica Vitti está oficialmente encerrado. A loura de expressão vaga e nariz bem delineado dá lugar ao quase-astro David Hemmings, que estrela o melhor filme do cineasta: Blowup, ridiculamente chamado de Depois daquele beijo por estas bandas. É um tratado sobre a incoerência de ideais fúteis, uma ode à beleza plástica da imagem em detrimento de um roteiro linear e lógico. Com participação especial dos Yardbirds (com direito a Jimmy Page e a um Jeff Beck quebrando tudo, literalmente), o filme foi um grande sucesso e ganhou muitos prêmios, incluindo a palma dourada de Cannes. Mesmo com Zabriskie Point, de 1970, tendo causado polêmica e certa sensação (até por ter Pink Floyd estranhamente assinando parte da trilha sonora), o cineasta só conseguiria repetir o êxito artístico de Blowup com seu impressionante O passageiro: profissão repórter, obra consideravelmente política e que possui uma absurda competência no manejar das câmeras: seu plano-seqüência final não só é lindo como é um mistério a sua feitura.

Depois dessa pérola, estrelada por Jack Nicholson e Maria Schneider, Antonioni descansa um pouco e produz películas em tempos irregulares e incertos. Em 1985, sofre um infarto (que o deixou em um lastimável estado semi-vegetativo até a sua morte). Por motivos óbvios, afasta-se do cinema e dedica-se a uma nova paixão: a pintura. Seus quadros, pinturas e gravuras chegaram a ser expostos em museus. Sem projetos de grande destaque na sétima arte, em 1995 co-dirige, junto com seu admirador Win Wenders o lírico e estranho Além das nuvens, em que demonstrava sinais de vitalidade apesar de suas condições precárias. Mas seus três únicos filmes após esse não confirmaram a promessa de ressurreição. Seu episódio em Eros desapontou a maior parte do público, Sicilia e seu outro curta, sobre seu xará Michelangelo (o Buonarroti), foi pouquíssimo visto.

Antonioni faleceu no mesmo dia que Ingmar Bergman, 30 de julho, aos noventa e quatro anos. Sua partida não foi uma grande surpresa, pois todos os seus espectadores esperavam que sua jornada na Terra se encerrasse do mesmo modo que a maior parte dos relacionamentos dos seus personagens: em silêncio, sem dor, apenas como uma interrupção. Os seguidores de Michelangelo Antonioni tentarão prosseguir o diálogo mudo.

FILMOGRAFIA DE MICHELANGELO ANTONIONI (como diretor):

Gente del Po (A gente do Pó, 1943)
Roma-Montevideo (1948)
Oltre l'oblio (1948)
Nettezza urbana (Limpeza urbana, 1948)
L'amorosa menzogna (1949)
Sette cani e un vestito (1949)
Bomarzo (1949)
Ragazze in bianco (1949)
Superstizione (1949)
La villa dei mostri (The house of monsters, 1950)
Cronaca di un amore (Crimes da alma, 1950)
La funivia del Faloria (1950)
I vinti (Os vencidos, 1952)
La signora senza camelie (A dama sem camélias, 1953)
Tentato suicido (Tentativa de suicídio - episódio de L’amore in città [Amor na cidade, 1953])
Le amiche (As amigas, 1955)
Il grido (O grito, 1957)
Nel segno di Roma (1959)
L'avventura (A aventura, 1960)
La notte (A noite, 1961)
L'eclisse (O eclipse, 1962)
Il deserto rosso (O deserto vermelho, 1964)
Il provino [episódio in I tre volti (As três faces de uma mulher, 1965)]
Blowup (Depois daquele beijo, 1966)
Zabriskie Point (1970)
Chung Kuo - Cina (China, 1972)
Professione: reporter (O passageiro: profissão repórter, 1975)
Il mistero di Oberwald (O mistério de Oberwald, 1980)
Identificazione di una donna (Identificação de uma mulher, 1982)
Ritorno a Lisca Bianca (1983)
Inserto girato a Lisca Bianca (1984) (TV)
Kumbha Mela (1989)
12 registi per 12 città (1989) [segmento Roma]
Volcanoes and Carnival (1992)
Al di là delle nuvole (Além das nuvens [co-dirigido por Wim Wenders], 1995)
Eros (2004) [episódio Il filo pericoloso delle cose]
Lo sguardo di Michelangelo (2004)

FILMOGRAFIA DE MICHELANGELO ANTONIONI (como roteirista [títulos originais]):

Lo sguardo di Michelangelo (2004)
Al di là delle nuvole (1995) [também o livro That bowling alley on the Tiber river]
Ritorno a Lisca Bianca (1983)
Identificazione di una donna (1982)
Il mistero di Oberwald (1981)
Professione: reporter (1975)
Chung Kuo - Cina (1972)
Zabriskie Point (1970)
Blowup (1966)
Il deserto rosso (1964)
L’eclisse (1962)
La notte (1961)
L’avventura' (1960)
Il grido (1957)
Le amiche (1955)
L’amore in città (1953) [segmento Tentato suicidio]
I vinti (1953)
La signora senza camelie (1953)
Lo sceicco bianco (1952)
Cronaca di un amore (1950)
La funivia del faloria (1950)
La villa dei mostri (1950)
L’amorosa menzogna (1949)
Sette canne, un vestito (1949)
Superstizione (1949)
Caccia tragica (1947)
Gente del Po (1943)
I due Foscari (1942)
Un pilota ritorna, (1942)



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