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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Monsieur Verdoux
Direção: Charles Chaplin
EUA, 1947.

Monsieur Verdoux é o primeiro filme que realmente rompe com a maneira Chaplin de fazer comédia. O segundo filme falado desse ícone do cinema se difere inclusive do anterior O Grande Ditador. Desde o fim de Carlitos em Tempos Modernos, Chaplin passou a evocar um estilo mais dramático de se contar uma história, colocando sua comédia em favor do drama humano e não de gags e palhaçadas – o famoso estilo pastelão. E por isso que digo que Monsieur Verdoux é um marco. Em O Grande Ditador as gags ainda estão presentes na personagem do barbeiro judeu. Aliás, o barbeiro é uma adaptação de Carlitos ao mundo da tragédia nazista. Verdoux e o sucessor Luzes da Ribalta quebram com isso, e a comédia não objetiva apenas o fácil riso, mas toda uma construção da narrativa.

Não só o contexto era outro, mas a cabeça do criador mudara. A idade o amadureceu, e Verdoux talvez seja o seu trabalho mais maduro, mais sóbrio, e, porque não, o mais filosófico. Chaplin discute nessa comédia de costumes a questão da moral, da ética. Com o Crack da Bolsa, em 1929, o banqueiro Henri Verdoux é despedido. Arranja, então, um negócio próprio para suprir as necessidades: vira investidor da bolsa. Só que para continuar nesse jogo, dá o golpe em velhas solitárias. Em diversas cidades ao redor da França, ele se compromete com mulheres de pequenas rendas, e se apossa do dinheiro. Para isso, usa diferentes nomes. A questão que ele aborda é: até que ponto o ser humano pode suportar uma vida de infelicidades?, e se o considerado moralmente errado é de fato errado. É-se condenado por uma convenção, não necessariamente uma lei. ‘Devemos questionar isso?’ é a pergunta que fica. Afinal, quem instituiu tais dogmas? Porque ele deve se submeter a eles?

Monsieur Verdoux trata, também, de escrúpulos. O próprio personagem mostra-se contraditório no seu discurso sobre livre-arbítrio e questionamento da moral em determinados casos quando ultrapassa as condições por ele colocadas. A jovem moça que ele ajuda em certa altura do longa de 2 horas é uma mera cobaia. Ele se mostra um “filantropo”, mas na verdade ela é um meio, uma maneira de descobrir se o químico é de fato potente. O encontro dos personagens se sucederá novamente, e sem ter servidão, despreza-a. Henri trabalha por conta própria, e não se importa com nenhum obstáculo. Seria essa uma crítica ao capitalismo? Chaplin foi perseguido na era do Macarthismo, sendo deportado no início da década de 50, por ser um crítico do modelo capitalista em vigor, por ter uma veia comunista. Chaplin nunca o foi. Querer dizer que toda crítica ao governo situacional é de esquerda, comunista, é balela. Os ditos filmes políticos de Chaplin – Tempos Modernos, O Grande Ditador -, vão além da crítica superficial; criticam os efeitos das instituições, criticam a alienação involuntária e o totalitarismo... O filme aqui em questão tem seu lado político, mas em seu tradicional discurso final, ele se reafirma na posição defendida, não recua. Apenas explica, de maneira categórica, aliás, o seu ponto de vista. O que ele faz é mostrar o lado humano do que muitos julgariam um crápula.

Charlie foi um cineasta revolucionário. Não no quesito formal, seus filmes eram sempre o perfeito exemplo do cinema Clássico americano, sem grandes quebras de padrão. Sua revolução está no cerne do seu cinema, na sua construção de verdade, na maneira em que aproximou causas e conseqüências, assuntos sérios ao lúdico. Uma coisa que nunca veremos em Chaplin é o anacronismo de produções críticas, a superficialidade, e a indiferença. O cinema dele é feito para tocar, para atingir o âmago do espectador, seja pela caracterização do mundo alienante e alienado, seja no mais belo romance. O que fez ele ser o único comediante do slapstick do cinema mudo de carreira tão longa foi saber se adaptar e se reinventar no gênero. Para isso amadureceu. Mas a alma de seus filmes sempre esteve presente. Muito além de suas comédias, o que se vê é um homem amargurado de olhos tristes e melancolia pulsante. Essa é uma característica em todos personagens de Chaplin. Muitos não a vêem, mas é só prestar um pouco mais de atenção a ele.

Desde que assumira o cinema sonoro, a freqüência com que Chaplin filmava diminuía. Em 20 anos, faria mais 3 filmes. Sua carreira na tela grande, então, acabaria. No final da vida ainda receberia um Oscar honorário. Ninguém mais queria bancar suas grandes produções. Seu nome não era mais o sucesso de antes. Monsieur Verdoux recebeu severas críticas e um acolhimento morno do público. Infelizmente, até hoje, é um filme apagado em sua carreira, mesmo muita gente o destacando – como os franceses, vide o livro Charlie Chaplin de André Bazin, em que reúne três grandes artigos sobre esse*. Mais triste ainda é sentir que isso não mudará, pois Chaplin é o mito do Carlitos. Só Calvero em Luzes da Ribalta chega perto. Pobre Verdoux..., não!, pobre de quem não o conhecer...


*um é assinado por Jean Renoir.




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