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Coluna CINEMA Extremo
ONDE O CINEMA PODE SER VIOLENTO...
Por Marcelo Carrard

Buio Omega
Direção: Joe D’Amato
Itália, 1979.

Com o efeito mágico de um eclipse, todo clima sensual e ensolarado do Caribe se transfigura em uma abóbada de trevas abissais, dignas das melhores narrativas góticas. Depois de observarmos algumas pérolas da “Fase Caribenha” de D’Amato, nos encontramos agora em um cenário sombrio, entre as gélidas montanhas austríacas. O filme em questão é BUIO OMEGA aka IN TO THE DARKNESS, BLUE HOLOCAUST, BURIED ALIVE entre outros. Após os deslimites estéticos de Emanuelle in America e Emanuelle and The Last Cannibals, o Mestre do Cinema Extremo se sentiu muito confortável para produzir mais uma Obra chocante e que novamente criaria uma lenda em torno de detalhes mórbidos da realização do filme.

O Cinema de Gênero Italiano algumas vezes mostrou um certo fascínio pelas paisagens sublimes da Áustria. Como exemplos clássicos temos o Giallo de Sergio Martino: LO STRANO VIZIO DELLA SIGNORA WARDH e BARON BLOOD, de Mario Bava, ambos produzidos no início da década de 70. As intenções de D’Amato ao filmar nas locações singulares de bosques e montanhas misturam um desejo de flertar com o universo ambíguo dos Contos de Fadas e ao mesmo tempo recriar os elementos estruturais das narrativas góticas de uma maneira diferenciada dos clássicos italianos dos anos 60 como: Black Sunday e Danza Macabra, dirigidos respectivamente por Mario Bava e Antonio Margueriti.

O tema Gótico clássico da necrofilia é o elemento central de BUIO OMEGA. O que será explicitamente mostrado ao longo do filme é o desejo obsessivo de um homem pela preservação eterna de sua amada. Como todo herói de histórias góticas/românticas o protagonista Frank Wyler, interpretado por Kieran Canter, ama desesperadamente uma mulher morta. Como conseqüência desse amor envolto pelo crepúsculo, veremos sua inevitável queda em direção ao mais profundo dos abismos. Na abertura do filme descobrimos que nosso herói tem uma atividade muito peculiar: é um Taxidermista, um homem que conhece a arte de empalhar seres vivos tornando-os “imortalizados”, como corpos sem vida em suspensão. A trilha sonora excelente do Grupo Goblin sublinha muito bem as atmosferas mórbidas que virão em seguida, com um forte acento eletrônico de sonoridades muito modernas para a época.

A grande presença feminina de BUIO OMEGA é sem dúvida a da atriz Franca Stoppi, que interpreta Íris, a governanta da mansão de Frank. O rosto de grande expressividade da atriz é muito bem aproveitado em vários close-ups que conseguem captar a essência maligna de sua personagem, que nas primeiras cenas do filme pratica um ritual de Magia Negra com a intenção de matar a amada de Frank: Anna, interpretada pela bela Cinzia Monreale, em um papel duplo. Franca Stoppi é figura conhecida em produções exploitation italianas e Cinzia Monreale colaborou como atriz em filmes dirigidos por Lucio Fulci. Duas mulheres, uma viva e outra morta. A morte de Anna desencadeada pela magia negra é retratada em uma sequência dramática com inspirada trilha ao fundo, trilha essa que posteriormente foi usada em Hell of The Living Dead, de Bruno Mattei. A morte de Anna é a fonte, o grande elemento para a ritualística e inacreditável cena de autópsia e embalsamamento que será mostrada em seguida.

O homem desencavando a tumba de sua amada durante a noite. Imagem clássica e perturbadora que D’Amato recria com muito estilo. O transporte do corpo para a mansão quase é testemunhado por uma inesperada presença feminina: Jan, uma caronista interpretada por Lucia D’Elia. Essa personagem terá uma importância grande posteriormente, por agora vamos para a gélida mesa de autópsias. Na época de lançamento do filme D’Amato foi acusado de ter usado um cadáver verdadeiro para essa sequência, o que nunca aconteceu, mas a lenda permanece até hoje, talvez pelo realismo hipnótico das cenas de extração de órgãos e fluídos corporais da imóvel Anna, mostrando o talento paciente da atriz em permanecer imobilizada durante toda a filmagem dessa polêmica sequência. O detalhe mais interessante de todos é o ato de que Franl, ao segurar, literalmente, o coração da sua amada, o devora-lo, como se naquele momento aquele órgão fizesse parte não só de seu corpo, mas de sua alma. Até hoje essa sequência permanece absolutamente perturbadora, mesmo após a Obra-prima de Nacho Cerda: Aftermath, onde a autópsia ganha contornos fetichistas e explicitamente necrófilos.

Anna agora é eterna, como peça de seu amado taxidermista, sua maior Obra. Como estátua “marmorizada” em sua palidez, Anna é a noiva fantasmagórica, a presença eternizada do amor obsessivo de Frank. Mas e a Jan ? Sim, a azarada caronista acaba descobrindo as atividades necrófilas de Frank e precisa ser calada. Antes de mata-la, Frank proporciona aos espectadores mais sádicos uma extrema seqüência de tortura onde as unhas da incauta caronista são arrancadas, uma a uma, em momentos agoniantes sublinhados magistralmente pela trilha do Goblin. Com dois cadáveres de mulheres em sua sala no sub-solo da mansão, Frank recebe a visita de Íris, que agora sabe de seus crimes e se tornará uma eficiente cúmplice.

Não satisfeito em chocar o espectador com a sequência da autópsia, D’Amato ainda nos proporciona uma inacreditável sequência de esquartejamento seguida de corrosão de partes do corpo de Jan em uma banheira de ácido. Depois ainda tem gente que não compreende porque esse filme foi banido em diversos países como por exemplo a Alemanha. Ainda tem muito por vir. O percurso de Frank e Íris é marcado pelo mais absoluto horror e abjeção. Íris é a própria abjeção, a melhor configuração possível do Monstruoso-Feminino, ao lado de “colegas ilustres” como a mãe do menino-monstro de Phenomena, dirigido por Dario Argento em 1985. A frieza assustadora do olhar de íris se revela grandiosa ao ser iluminada pelas chamas do forno crematório em um belo enquadramento de D’Amato, que certamente é um dos mais intensos e antológicos da História do Horror Cinematográfico Italiano. Esses momentos de rara e perturbadora poesia do horror são efeito de enquadramentos diferenciados criados por D’Anato, que também era fotógrafo de seus filmes.

A cena onde Frank leva a jovem corredora para a cama, tem um diálogo direto com o filme de Mario Bava: Lisa e il Diavolo, onde a personagem de Elke Sommer está na cama com seu amante ao lado de um corpo abjeto e mumificado de uma mulher. Em Buio Omega essa sequência mostra Frank deitado sobre o corpo da jovem corredora interpretada por Anna Cardini. Enquanto o clima erótico começa a ser construído, Frank puxa os lençóis que revelam o corpo embalsamado de Anna. O que excita Frank naquele momento é transar com uma mulher viva ao lado de uma mulher morta...

Sequências isoladas de BUIO OMEGA acabam por enfatizar uma das grandes influências do filme. Em um determinado momento vemos um sapato de Jan sendo friamente escondido de um detetive que investiga a Mansão de Frank. Depois vemos as cenas dos fornos, de Íris e Frank observando os corpos sendo consumidos pelo fogo. Essas sequências aliadas a imagem “imortalizada” de Anna que parece uma boneca de assustador realismo, nos remete diretamente ao Clássico de Luis Buñuel: Ensaio de um Crime, onde o obsessivo protagonista manda construir uma boneca igual a figura feminina de uma de suas mórbidas paixões platônicas, boneca essa que é posteriormente derretida em um forno, sob o olhar atento do protagonista.

Quando surge a escuridão anunciando o sangrento duelo final, temos a tradução perfeita da palavra Buio (sombra, Trevas) presente no titulo original. As extremas cenas de mutilação criam um clima de conseqüente delírio até a surpreendente cena final. O que vimos desfilar diante de nós foi uma mistura absurda e genial de elementos grotescos, abjetos embalados como Conto Gótico de Horror Extremo. Necrofilia, canibalismo, sexualidade mórbida, mutilação e escatologia são trabalhados com desenvoltura por D’Amato, como se fossem elementos de seu cotidiano. Temas semelhantes foram trabalhados por ele em um filme anterior: EMANUELLE E FRANÇOISE que será carinhosamente analisado na próxima coluna. Bons Pesadelos a todos...



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