O Professor Aloprado
Por Filipe Chamy
O Professor Aloprado
Direção: Jerry Lewis
The Nutty Professor, EUA, 1963.
Exemplo clássico de gênio subestimado, Jerry Lewis, esse grande cineasta, esse exímio e visionário comediante, esse mestre na sua arte, tem em O professor aloprado seu momento de provável clímax de brilhantismo; mas nem os grandes elogios feitos pelos franceses (— Godard chegou a falar que ele é melhor que Keaton e Chaplin somados —) o tiraram dessa espécie de limbo que aprisiona aqueles que fogem do convencional. Em outras palavras, Jerry Lewis segue menosprezado, sendo considerado por muitos como um careteiro sem graça e diretor de filmes reles — teoria auxiliada pelo inócuo fato de as suas obras terem sido incessantemente reprisadas na Sessão da Tarde de outrora.
Aqui Jerry faz o papel de Julius Kelp, professor de química em uma faculdade. Dentes imensos e tortos, cabelo ensopado de gel grudento, postura estabanada, óculos grossos, jaleco branco e uma bela potencialidade para arranjar problemas (de explodir laboratórios a se desentender com o valentão da turma). O tímido químico planeja mudar de vida e ganhar um pouco de massa muscular e respeito: matricula-se numa academia e só não se arrebenta mais porque não teve mais tempo — o ritmo é de desenho animado, onde todo machucado e seqüela some no quadro seguinte; incríveis gags estão presentes nessa passagem, como o boliche humano e os braços esticados “artificialmente”.
Como era de se esperar, tudo isso dá errado e Kelp ainda assim não desiste; pelo contrário, empenha-se ainda mais, da maneira que domina: intelectual. Pesquisa fórmulas, consulta livros, faz cálculos e chega a um resultado que o agrada. Toma a bebida fabricada e, num efeito surreal de pura fábula, vira algo impensável. A próxima aparição já será como Buddy Love, causando um choque muito compensador ao espectador.
Quem é Buddy Love? É o alter-ego de Julius Kelp, o Hyde do Jekyll de Jerry Lewis. As más línguas dizem que o insuportável conquistador, de roupas espalhafatosas e orgulho exacerbado, teria sido inspirado em Dean Martin, amigo e ex-parceiro de Lewis, que sempre negou. O fato é que é um contraste e tanto: da contenção ao oportunismo, do cérebro à futilidade. Stella (Stella Stevens), paixão platônica do professor e alvo preferido de seu monstro interior, pressente que algo está havendo de anormal e nota algumas coincidências entre os dois caracteres tão distintos. Mas não há como desconsiderar totalmente um sujeito que ridiculariza o sisudo chefão da faculdade (Del Moore), incentivando-o a declamar o monólogo de Hamlet nas mais absurdas condições.
Jerry Lewis, com seu grande talento visual, brinca com cores e espaços, enquadrando eficientemente os personagens e suas emoções conforme seus propósitos, quase sempre humorísticos. Mas o drama também está presente, principalmente pouco antes do fim, em que a metamorfose é desconstruída publicamente em uma festa de formatura. Os pais de Kelp, a sua sensacional dança no baile (e ainda vemos que uma manga pode fazer diferença, ao menos se pintada por acaso com um ponche) e até o trabalho com o som (e vozes) restauram as risadas incontroláveis.
E nas pequenas coisas Jerry Lewis também se faz gigante. Nas músicas, ambientes, diálogos, personagens (roteiro dele e de Bill Richmond), sua visão de mundo romântica e otimista vai se insinuando, como um Capra atualizado ao som do jazz-rock sessentista. A ignorância dos convencidos, a empáfia das autoridades, as imperfeições do amor, tudo isso ele nos revela com competência e brilho, inteligente sagacidade cômica e originalidade impressionante. E por ser tão mais fresco que o pavoroso remake estrelado por Eddie Murphy, é de se lamentar ainda mais as grandes injustiças faladas sobre Jerry Lewis — os críticos parecem agir como Buddy Love e cuspir arrogâncias impensadas.
Direção: Jerry Lewis
The Nutty Professor, EUA, 1963.
Exemplo clássico de gênio subestimado, Jerry Lewis, esse grande cineasta, esse exímio e visionário comediante, esse mestre na sua arte, tem em O professor aloprado seu momento de provável clímax de brilhantismo; mas nem os grandes elogios feitos pelos franceses (— Godard chegou a falar que ele é melhor que Keaton e Chaplin somados —) o tiraram dessa espécie de limbo que aprisiona aqueles que fogem do convencional. Em outras palavras, Jerry Lewis segue menosprezado, sendo considerado por muitos como um careteiro sem graça e diretor de filmes reles — teoria auxiliada pelo inócuo fato de as suas obras terem sido incessantemente reprisadas na Sessão da Tarde de outrora.
Aqui Jerry faz o papel de Julius Kelp, professor de química em uma faculdade. Dentes imensos e tortos, cabelo ensopado de gel grudento, postura estabanada, óculos grossos, jaleco branco e uma bela potencialidade para arranjar problemas (de explodir laboratórios a se desentender com o valentão da turma). O tímido químico planeja mudar de vida e ganhar um pouco de massa muscular e respeito: matricula-se numa academia e só não se arrebenta mais porque não teve mais tempo — o ritmo é de desenho animado, onde todo machucado e seqüela some no quadro seguinte; incríveis gags estão presentes nessa passagem, como o boliche humano e os braços esticados “artificialmente”.
Como era de se esperar, tudo isso dá errado e Kelp ainda assim não desiste; pelo contrário, empenha-se ainda mais, da maneira que domina: intelectual. Pesquisa fórmulas, consulta livros, faz cálculos e chega a um resultado que o agrada. Toma a bebida fabricada e, num efeito surreal de pura fábula, vira algo impensável. A próxima aparição já será como Buddy Love, causando um choque muito compensador ao espectador.
Quem é Buddy Love? É o alter-ego de Julius Kelp, o Hyde do Jekyll de Jerry Lewis. As más línguas dizem que o insuportável conquistador, de roupas espalhafatosas e orgulho exacerbado, teria sido inspirado em Dean Martin, amigo e ex-parceiro de Lewis, que sempre negou. O fato é que é um contraste e tanto: da contenção ao oportunismo, do cérebro à futilidade. Stella (Stella Stevens), paixão platônica do professor e alvo preferido de seu monstro interior, pressente que algo está havendo de anormal e nota algumas coincidências entre os dois caracteres tão distintos. Mas não há como desconsiderar totalmente um sujeito que ridiculariza o sisudo chefão da faculdade (Del Moore), incentivando-o a declamar o monólogo de Hamlet nas mais absurdas condições.
Jerry Lewis, com seu grande talento visual, brinca com cores e espaços, enquadrando eficientemente os personagens e suas emoções conforme seus propósitos, quase sempre humorísticos. Mas o drama também está presente, principalmente pouco antes do fim, em que a metamorfose é desconstruída publicamente em uma festa de formatura. Os pais de Kelp, a sua sensacional dança no baile (e ainda vemos que uma manga pode fazer diferença, ao menos se pintada por acaso com um ponche) e até o trabalho com o som (e vozes) restauram as risadas incontroláveis.
E nas pequenas coisas Jerry Lewis também se faz gigante. Nas músicas, ambientes, diálogos, personagens (roteiro dele e de Bill Richmond), sua visão de mundo romântica e otimista vai se insinuando, como um Capra atualizado ao som do jazz-rock sessentista. A ignorância dos convencidos, a empáfia das autoridades, as imperfeições do amor, tudo isso ele nos revela com competência e brilho, inteligente sagacidade cômica e originalidade impressionante. E por ser tão mais fresco que o pavoroso remake estrelado por Eddie Murphy, é de se lamentar ainda mais as grandes injustiças faladas sobre Jerry Lewis — os críticos parecem agir como Buddy Love e cuspir arrogâncias impensadas.