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RUÍDO
MÚSICA DE VERDADE.

Nelson Gonçalves - Nós e a Seresta (RCA Victor, 1962)


Por Matheus Trunk

A seresta parece atualmente um gênero musical morto. Isso se explica aos jabás megalomaníacos pagos a rádios FM que tocam e dão espaço a pagodeiros e sertanejos de última categoria. Quem não faz música porca no nosso país, está quase que oficialmente fora dos grandes meios de comunicação. Um desses excluídos e que pouco se fala atualmente é uma lenda chamada Nelson Gonçalves.

O “metralha” gravou sambas-canções, sambas tradicionais, marchas, tangos, boleros, samboleros, valsas e também serestas. A RCA Victor, sua gravadora exigiu dele no início dos anos 60 um long-playing recheado somente deste último gênero sentimental. Claro, Nelsão não negou fogo e falou com Adelino Moreira, seu grande parceiro musical. Juntos fizeram este belíssimo “Nós e a Seresta” nunca relançado em CD.

O disco se abre no lado A com uma brincadeira com a Bossa Novo, a quem NG era grande crítico. Para o boêmio, João Gilberto não passava de “Fim de Noite” e Tom Jobim era um chato. “Lua Indiscreta” dá o caráter romântico da primeira metade do álbum que prossegue em grandes momentos como “Última Seresta” e “Pra Teu Castigo”.

No lado B, destacam-se composições como a belíssima “Serenata”, a singela “Silêncio” e mesmo “Deixa-me Partir”. Os músicos excelentes em arranjos de alto nível ressaltando instrumentos não sempre convencionais em nossa música popular como o bandolim. Os solos de flauta (provavelmente de Altamiro Carrilho) dão um charme especial ao disco.

A poesia autodidata e cotidiana de Adelino Moreira é riquíssima e nesse disco se dá de forma plena. Altamente recomendável para os fãns de Nelson Gonçalves em todo o Brasil e pra quem quer conhecer melhor o homem que mais gravou discos no Brasil.

“Pra teu castigo
Na minha angústia louca
O mais quero, o meu grande desejo
É que tu sempre que beijares outra boca
Sinta na boca o gosto do meu beijo
(trecho de “Pra Teu Castigo”)

“Tua janela é meu altar
Esta valsa uma prece de amor
Meu verso triste vem escutar
Na voz do teu trovador”
(trecho de “Serenata”)

Meu amigo:
Se você estiver lendo este bilhete, creio que duas razões o levaram a isto. Você deve ser admirador de Nelson Gonçalves, ou então, de serestas.
Quem sabe mesmo, de ambos ?
Uma coisa é certa, todos nós ainda trazemos uma dose de saudades das coisas boas de ontem, como as serestas por exemplo. Toda esta agitação da vida moderna, todos os fatores que influenciam, cada dia mais, que nos afastemos da saudade, ainda que conseguiram nos tirar de todo aquele restinho em boêmia que é nato em todos nós.
Luar,
Vulto na janela,
Violões,
Dedos nos cordões,
Tristes melodias....
Letras singelas,
A luz amarela
De um lampião,
E amor no coração
Mas, entre algumas das boas vantagens que a vida moderna nos propicia é a possibilidade, de, a qualquer momento que desejarmos poder ouvir em nossa casa uma autêntica seresta na voz do mais autêntico dos nossos cantores- Nelson Gonçalves. Faltará o ambiente, mas este ficará a cargo de sua imaginação e de seu coração.

Adelino Moreira
(contracapa do LP “Nós e a Seresta”)



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