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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro


Jesse James
Direção: Henry King
EUA, 1939.

Jesse James começa com funcionários da ferroviária extorquindo os fazendeiros da região. Eles não poupam argumentos, desde comentários como “Pagamos pouco, porém pagamos. Se não aceitar, as terras serão confiscadas e vocês não receberão nada”, até métodos nada ortodoxos, tal qual a tortura. Alguns se negam, mas são convencidos. Aparece então a imagem de um jovem, bem apessoado, fazendo seu serviço. O chefe da extorsão fala com ele, e pede diretrizes. Ele quer falar com a mãe do rapaz. Após discussões, o outro filho aparece e se esquiva de agressões físicas. O primeiro jovem retorna à imagem. Eles são os irmãos Frank e Jesse James. E ao conseguirem revidar, tornam-se heróis locais.

A história de Jesse James é a história do mito, a do mito do bandido. Há outras histórias conhecidas nesse cerne: Butch Cassidy, Bonnie & Clyde... Porém, os irmãos James são recorrentes no cinema. As adaptações para as telas são diversas. E a mítica é sempre presente, a mítica de mártires. Há um prazer em contar a história de mártires, mesmo que não o sejam assim. Afinal, heróis não se fazem sozinhos; são feitos pela população. Jesse e Frank foram apenas outros bandoleiros, bandidos, que mesmo assaltando e roubando por um motivo – no início -, estavam roubando e matando.

Nessa versão de 1939, ainda no auge do cinema clássico, o que importava era narrar uma história bem contada. Mais. Foi nesse ano, com Nos Tempos da Diligência, de John Ford, que o faroeste voltou ao primeiro escalão do cinema. E não havia um bom western sem anti-heróis e romances. Em Jesse James, o que motiva a trama é, inicialmente, a vingança, e depois, o desejo de uma vida tranqüila ao lado da paixão de sua vida. Nada mais significativo em mostrar o bandido como mais um ser humano, dotado de sentimentos como qualquer outro, só que corajoso suficientemente para agir. Daí vem o mártir. Ele se revolta com a companhia ferroviária que, além de exploradora, matou a mãe. Quando isso pára de valer, e os assaltos se expandem para outros locais, a entidade família cresce dentro de Jesse e resolve largar essa vida para estabelecer uma nova vida. É notável como dentro dos valores da época, uma coisa exclui a outra. Um homem de família jamais é o bandido.

O aspecto romanceado da trama a torna interessante. Porque Jesse James é um homem incomum, com uma história incomum, e mesmo assim é um ser humano, muito mais humano que a maioria. A invencibilidade e o teor emotivo carregam Tyrone Power em sua performance do lendário caçula James. Não há como não venerar sua audacidade e sua índole, mesmo provando-se fora de rumo. Mas o amor - ah, o amor -, esse sim, salva-o da perdição, querendo fazer com que se assente. A história, por ser tão fascinante e fantástica, foge do realismo, e esse é o ponto. Para que ver um Jesse James realista se a história mítica criada é tão mais fascinante?

Zee é o amor de sua vida, e, por ela, ele retorna. Essa proximidade nos cativa, e nos faz gostar cada vez mais dele. Outro fator é a sagacidade perante a “traição”. Jesse faz um acordo de se render, cumprir alguns anos de pena e ir aos braços da amada. Mas o dono da empresa ferroviária quer sua cabeça. Quando é condenado à morte, o irmão Frank diz que o libertará. Negam-se a crer, até que são invadidos pela trupe foragida. Quando fogem, e cada um vai para seu canto, vê-se a palavra. O que eles fazem é inverter os parâmetros. São homens que prezam a lealdade. Por isso Robert Ford é um covarde, seja nessa versão, em que de fato é um grande covarde, seja na versão de Andrew Dominik, em O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford. Ford é mostrado como um aproveitador. Não há unidade, por isso vem o fracasso. Dominik irá além em mostrar um Ford devastado pela conduta, matar Jesse James é seu fracasso.

Nesse paralelo de obras tão distintas, sobrepõe-se a versão de King, pois dentro da mitologia, o que vale é a história e o símbolo. Andrew faz um sujeito realista, assoberbado pela arrogância, e faz um sujeito desinteressante, chato. Essa desconstrução da personagem alonga o filme. O destaque para a obra de 1939 fica com a lucidez da trajetória, muito mais importante que a morte. Seria essa a identidade do sujeito? A morte sobrepujando sua vida?


O antagonismo do mesmo personagem discute algo essencial para o cinema: o ângulo. Seja qual for a direção, tem que se mostrar coerente. O mundo do fora-da-lei é clássico na imagética do gênero, e um gênero tão americano, que, quando feito fora desse universo, desconstrói-se a mítica, para criar um realismo invertido, um realismo das abnegações do ser humano. Porque o fora-da-lei só é humano e bom nos EUA.

É inegável como Joseph Campbell acerta ao traçar a trajetória do mito do herói. O mito e/ou o herói estão muito além da Antiguidade Clássica, eles estão nos homens que fizeram história, e cujas histórias foram recontadas, cada a seu modo, num mundo paralelo, em que o que se preserva é a imagem, lúgubre talvez, mas muito mais real do que de fato seria.

Ao se escolher a versão a se contar, King, Power e Henry Fonda discutem cinema sem cair nos (pseudo)intelectualismos de uma arte que se encontrava. E é nessa versão romanceada que o cinema clássico se estabeleceu, sendo arte acima de tudo.




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