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Coluna do Biáfora

CINEMA JAPONÊS

Por Rubem Biáfora, artigo selecionado por Sergio Andrade

Cinema japonês. Um dos maiores do mundo e, durante certo tempo, certamente o número um. E, mesmo assim, tão discriminado e tão maltratado por este nosso dito “democrático” mercado exibidor e, mais ainda, pelo absoluto desprezo e desrespeito às minorias, aos inalienáveis direitos sentimentais e culturais das colônias que ajudaram a formar o País. Esse desprezo e essa visão obscurantista que lhe votaram os nossos voracíssimos postulantes a cineastas de arraial e, no entanto, pretenciosos e falantes, que praticamente mandam na Embrafilme e no Concine (sem falar na crítica que lhes é subsidiária, porque um dia sonha estar no ou com o lugar deles) e, através deste terceto sinistro, praticamente também ditam suas normas ao Ministério da Educação e ao próprio governo. E tanto que propugnam, gritam, exigem, ordenam e fazem o que fazem, e mesmo assim são ouvidos, promovidos e financiados no que e como querem. E assim tudo fizeram, sem o menor resquício de nada, para alijar o cinema nipônico de seus próprios, limitados e naturais redutos, que eram a preferência ou o parcial interesse de seu público: os pioneiros imigrantes e seus filhos e netos, que ainda restam e permanecem no bairro da Liberdade e parte em Pinheiros e em algumas cidades do interior paulista e paranaense, onde labutam maiormente na agricultura, substituindo os antigos escravos e os anteriores imigrantes portugueses, italianos, alemães, espanhóis, poloneses, etc. do século ou séculos anteriores.

É uma lei natural. Há tempos tratando do problema que o “preocupava”, indagava “indignado” um desses nossos “vorazes”: “Por que nossos filmes não são exibidos em igual escala no Japão? Temos que obrigar, que criar represálias”. Acontece que no Japão não existe colônia brasileira. Existiu há três ou cinco séculos um pioneirismo evangélico católico e investidas comerciais de navegantes portugueses que, inclusive, foram até mártires, além de contribuir com lusitanismos para o vocabulário japonês.

Nos EUA, ao tempo que seu cinema era o mais expressivo, o majoritário e o mais popular do globo, jamais filme de todas as procedências deixaram de ter livre entrada e exibição nos redutos onde houvessem colônias ou grupos étnicos que desejassem a assistir aos filmes de seus próprios países. Claro, só os grandes êxitos internacionais poderiam penetrar em circuitos normais, mas cinemas e redutos especializados para fitas húngaras, russas, judias, árabes, indianas, japonesas, italianas, nórdicas, espanholas, latino-americanas, etc. nunca faltaram, jamais foram proibidos ou perseguidos. O interesse e a bilheteria é que decidiam as normas.

Aqui não. Aqui é o interesse de um pequeno e discutível grupo que quer aparecer, que quer realizar seu “sonho” de um dia também ter em Hollywood uma casa cor-de-rosa, com piscina em forma de coração como a da malograda Jayne Mansfield. Na falta disso, por enquanto, os flats pernósticos na Vieira Souto ou mansões noveau riches na Barra da Tijuca vão servindo para o gasto, a frustração e o exibicionismo.

Pois não fosse por esse cinema japonês e nesta semana que abre 1982 não teríamos sequer uma fita nova em nossas salas. Teremos, no entanto, duas, porque serão lançadas justamente dia 1º nos dois últimos cinemas que restaram (ou resistiram...), dos quatro ou cinco que antes tínhamos. As salas são o Niterói e o Shochiku, e os novos filmes “Port Arthur” e a 24ª época de “É triste ser Homem”.

* Publicado originalmente em “O Estado de São Paulo” em 27 de dezembro de 1981



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