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JOE D’AMATO
O POETA DO CINEMA EXTREMO

Por Marcelo Carrard

As imagens em movimento possuem um poder de absoluto fascínio quando projetadas em uma grande tela branca de cinema. Dos inúmeros artistas que contribuiram com belos exemplares de filmes que transformaram radicalmente o mundo a partir do início do Séx XX. Muitos fascinaram o público através da imediata poesia do Belo como categoria estética. Outros, pelo contrário assombraram as platéias com imagens de intensa fealdade, de densos desdobramentos psicológicos e um outro grande grupo de diretores ainda proporcionou ao público apenas um saudável divertimento, uma catarse de risos, sustos e lágrimas. Com o passar do tempo a estética fílmica foi ganhando diversidade e limites começaram a ser testados. As perturbadoras imagens que exploravam a violência e a sexualidade mais subterrânea foram jogadas para o Lado B do Cinema. Alguns diretores nem nesse lado B eram bem aceitos e ganharam o incômodo rótulo de Malditos, artistas incômodos e desprezados pela Crítica mais acadêmica. Entre esses diretores surgem nomes expressivos como Jesus Franco e seu colega italiano com quase 200 filmes no curriculum e uma relação espinhosa com a censura e o público: JOE D’AMATO, que já foi chamado de “The Evil Ed Wood”, mas que na verdade se tornaria o maior Poeta do Cinema Extremo.
Seu nome verdadeiro era ARISTIDE MASSACCESI. Ele nasceu em Roma, no dia 15 de dezembro de 1936. Trabalhou com o pai, um técnico eletricista aos 14 anos, mas logo conseguiu um emprego muito interessante. Após a escola, no periodo da tarde, ele operava câmeras em estúdios de cinema romanos, o que foi muito importante para iniciar suas funções como Diretor de Fotografia, função que nunca abandonou assinando a maioria das direções de seus filmes com o nome de Joe D’Amato e a fotografia com seu nome real de Aristide Massaccesi. Esse trabalho como operador de câmera em estúdio foi exercido por D’Amato de 1953 até 1957. Posteriormente ele prosseguiu sua jornada pelo mundo do cinema exercendo funções técnicas e aos poucos foi aprendendo o ofício de Diretor, mas com o olhar de quem passou, humildemente, por todas as funções técnicas de um Set de filmagem.

De 1959 até 74 D’Amato foi Diretor de Fotografia e Assistente de Direção em vários filmes. Sua primeira Direção usando o pseudônimo Dick Spitfire, aconteceu em 1972, em uma produção de baixo orçamento intitulada: Scansati...aTrinitá Arriva Eldorado, onde dividiu as funções de Diretor com Diego Spataro. O filme é um western, gênero que D’Amato repetiria em seguida dirigindo Fra’ Tazio de Velletri, em 1973. Em meio ao trabalho de fotógrafo e assistente de outros cineastas, D’Amato, nessas suas primeiras experiências como Diretor acabou criando seu primeiro filme de Horror: LA MORTE HA SORRISO ALL’ASSASSINO, também de 1973. O filme tem no elenco a mitológica presença do ator KLAUS KINSKI, em uma trama sobre ocultismo e assassinatos vingativos. Nesse periodo em que D’Amato fez a Direção de Fotografia para outros cineastas, temos uma de suas mais expressivas colaborações nas belas e atmosféricas imagens do Giallo Clássico CHE COSA AVETE FATO A SOLANGE? aka WHAT HAVE THEY DONE TO SOLANGE?, 1971, dirigido por Massimo Dallamano, além do clássico do Horror-Trash L’ANTICRISTO, de Alberto De Martino. Muitos diretores italianos, como Ruggero Deodato, por exemplo, falam com muito respeito do talento de D’Amato como fotógrafo e operador de câmera, sempre se referindo a ele pelo nome verdadeiro: Aristide Massaccesi. Seu filho, Danieli, herdou o talento do pai sendo um famoso operador de cãmera e fotógrafo, chegando a colaborar com filmes recentes de sucesso como SILENT HILL e MUNICH de Steven Spielberg.

A década de 70 marcou a vida de D’Amato por grandes encontros e muitos filmes, produzidos muitas vezes ao mesmo tempo, no mesmo método de trabalho de colegas como Jesus Franco e Bruno Mattei, que faziam dois filmes, ao mesmo tempo, na mesma locação e muitas vezes com o mesmo elenco. Nesse periodo D’Amato conheceu Laura Gemser, aquela que seria sua grande Musa em dois clássicos absolutos de sua filmografia: EMANUELLE IN AMERICA e EMANUELLE AND THE LAST CANNIBALS. Nesse periodo ele filmou muito com o amigo e colaborador Luigi Montefiori, que encarnaria o bizarro serial killer antropófago Nikos na dobradinha extrema Antropophagus – The Beast e Antropophagus 2 aka Rosso Sangue. Montefiori usou muitas vezes o pseudônimo de George Eastmana e colaborou muito como roteirista ao lado de D’Amato. Essa parceria aparece também na estréia de um pupilo de D’Amato: Michelle Soavi, no filme AQUARIUS. Soavi participou como ator em uma ponta não creditada de Antropophagus 2. O próprio D’Amato tinha o hábito de aparecer em seus filmes em figurações rápidas nunca creditadas, mania famosa do Mestre do Suspense Alfred Hitchcock. Podemos dividir a longa filmografia de Joe D’Amato em Fases: Temos a Fase dos Filmes de Horror Extremo, a Fase Caribenha, onde as tramas foram ambientadas no Caribe, boa parte na República Dominicana, e os filmes eróticos com Laura Gemser e a personagem Black Emanuelle e seus desdobramentos.

Existe a fase dos filmes de Ação B com títulos como DURO A MORIRE aka TOUGH TO KILL e ENDGAME e a fase final onde o diretor enveredou pela pornografia extrema feita diretamente para o mercado de vídeo onde permaneceu até sua morte no dia 23 de janeiro de 1999, em Roma, sua cidade natal. A pornografia já fazia parte eventualmente da Obra de D’Amato, em filmes como PORNO HOLOCAUST e EROTIC NIGHTS OF THE LIVING DEAD, feitos simultaneamente durante a “Fase Caribenha” do diretor. Nesses filmes, assim como em EMANUELLE IN AMERICA, a estética hardcore se mescla ao Horror Extremo. Mas na fase final de D’Amato a dedicação a produção pornográfica se torna integral. Nessas produções D’Amato chega a inserir elementos de outros gêneros cinematográficos e cria uma escola seguida por muitos fãs e diretores como a Produtora Salieri.

De sua vasta filmografia podemos achar pérolas obscuras como o filme de tubarões: SANGUE NELLE ABISSI aka DEEP BLOOD, além de muitas produções de época explorando o erotismo e pegando carona em produções famosas como suas “versões” da história de Calígula, além de passear por subgêneros clássicos do Cinema Exploitaion como no Nunexploitation: CONVENT OF SINNERS, sem esquecer de seu clássico e um dos mais belos filmes eróticos de sua carreira: L’ALCOVA, com participação antológica de Laura Gemser. Ela também participou de uma produção de D’Amato inserida no mundo fantástico dos lendários lutadores mágicos e suas espadas e elementos afins da fábula, intitulado ATOR L’INVINCIBILE de 1982, que ganharia uma sequência posteriormente. Seu volume de produção chegou a absurdos 10 filmes em menos de dois anos, de 1980 até 1982. De extremos como Antropophagus – The Beast até a sutileza de filmes explícitos como IL CALDO PROFUMO DI VERGINE (O Perfume Quente das Virgens), poucos diretores conseguiram tal feito na História do Cinema. Poucos diretores também conseguiram impactar tanto o público e sofrer acusações de uso de cadáveres reais em cena e uso de filmes Snuff como Joe D’Amato na trinca EMANUELLE IN AMERICA, BUIO OMEGA e ANTROPOPHAGUS – THE BEAST. Parece que Joe D’Amato passou praticamente toda sua vida observando o mundo através das lentes de uma câmera de cinema. Suas imagens não nos deixam indiferentes, nunca. Sua Poesia dos Extremos está impregnada da mais sincera e radical paixão pelo Cinema, digna sim dos grandes Mestres. Para enxergar essa Poesia basta abrir os olhos e deixar os preconceitos de lado. Grandes surpresas podem surgir diante de nossos olhos, com certeza...



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