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O Signo do Leão

Por Filipe Chamy

O Signo do Leão
Direção: Eric Rohmer
Le Signe du Lion, França, 1959

O signo do leão
é um filme de antecipação. Não a antecipação da Nouvelle Vague, já que em 1959 ela já estava não só iniciada como muito bem pensada por seus teóricos e cineastas. Mas é antecipatório no sentido de definir uma parcela da mentalidade dessa nova geração de artistas franceses — talvez não intencionalmente, mas o que fica é o testemunho honesto e crível de alguém que já era de algum modo um veterano.

É o primeiro longa-metragem de Eric Rohmer — ele já havia dirigido e/ou roteirizado curtas não apenas para ele mas para amigos como Jean-Luc Godard, além de ser ativo cinéfilo e prolífico escritor da Cahiers du Cinéma. Aliás, este é outro aspecto de O signo do leão: a camaradagem dos anos iniciais nouvelle vaguistas. O filme foi produzido pelo cineasta (e colega de Rohmer) Claude Chabrol, e Jean-Luc Godard faz uma participação especial em um papel completamente mudo.

A inteligência de Eric Rohmer está em capturar a angústia essencial e tangível de um homem que se vê entregue ao destino e anda, sem rumo e expectativa, destruído pela incerteza e possibilidade de fracasso: pois esse era o pensamento dos jovens cineastas franceses da época, essa falta de ânimo motivada pelo aparente desprezo da sociedade. No filme, Pierre (Jess Hahn) é a própria anti-imagem que os diretores neófitos temiam: a corpulência que desaba covarde e fatalmente nas ruas repletas de indiferença e escárnio. Paris é bela para quem sabe aproveitá-la, mas não há espaço para todos. Pierre é músico, e é ao som de música que ele cairá no ridículo. É cruel, é forte, é uma mensagem de medo.

O signo do leão é também uma amarga reflexão sobre os valores da arte. É possível viver disso? Pode a música comprar alimento? E o cinema, a sinfonia de imagens, o balé de torturas lindamente fotografadas e orquestradas a que Rohmer submete o desafortunado Pierre? Não é possível afirmar com propriedade, mas chega-se a tal ponto de questionamento, que o artista furta e é exposto à comiseração pública e ao ódio particular. Vender intuição, aprendizado e sabedoria por um punhado de moedas talvez seja entendido por prostituição. O sonho do músico foi interrompido no meio, e é provavelmente esta a maior lição de Rohmer, antes de sua incursão por contos morais: a arte não deve ser barrada. Talvez quantificada monetariamente, talvez ignorada ou até subestimada. As dúvidas ficam no ar, mas a deterioração física e espiritual de Pierre é iminente. O leão encontrou na vida um rival digno e mais feroz. É sobre esse terreno inseguro que assentamos nossos pés.

Nessa busca por uma identidade (outra marca de visionário), é preciso entender que, para sobreviver, uma pessoa deve abandonar seus ideais. Se não todos, pelo menos aqueles que a tornam diferente do padrão de sua comunidade. É um rito doloroso e do qual muitos se negam a tomar parte; e isso pode tanto dar certo como levar a uma situação de desespero comparável ou maior que a de Pierre. Acreditando que havia herdado posses e dinheiro de sua tia morta, a inconseqüência venceu sua constituição flexível e, na hora da queda, nenhum amigo parece disponível, uma coincidência tão assustadora quanto reveladora.

Ao fim do filme, surge uma figura felliniana — um mendigo metido a intérprete —, e nisso podemos ver que há, afinal, um pouco de humor no infortúnio. Pois se no começo de O signo do leão o close dava o tom e depois Pierre acaba esmagado ante o peso do cenário, é porque é tudo assim, ciclo de voltas e acontecimentos, círculo instável e que para ser benéfico só nos falta uma melhor compreensão. E Eric Rohmer, grande cineasta de dramas íntimos, tem esse olho extra que permite ver além do explícito e superficial, um dom dos talentosos, a que a arte redime, como no fim deste filme.




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