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Dossiê Jodorowsky
ALEJANDRO JODOROWSKY: Conferência sobre Quadrinhos
CCBB, São Paulo, 04/12/2007
Transcrição de Daniel Salomão Roque

JODOROWSKY – (apontando para o curador Joel Pizzini) Apresento a vocês o cineasta Alejandro Jodorowsky, (agora apontando para o tradutor) e este aqui, que é seu irmão! (risos).

JOEL PIZZINI – Boa noite. Queremos agradecer a presença de todos, especialmente a do Alejandro Jodorowsky, que num ato de generosidade veio até o Brasil pela primeira vez, devido a um projeto que foi resultado de um grande multirão dos três CCBBs. A gente quer agradecer aqui de São Paulo especialmente o Wagner Vasconcellos e todo o pessoal da produção... espero que vocês desfrutem desse encontro, que tenho certeza que será transformador na vida de vocês.

JODOROWSKY – Vamos fazer um ensaio para testar o tradutor. (pausa e risos). Para mim, sempre que eu chego a uma cidade, eu me sinto obrigado a falar bem da cidade. Então, sempre falo que o lugar é maravilhoso: eu disse que o Rio de Janeiro era maravilhoso, que Brasília era maravilhosa, e agora digo que São Paulo é maravilhosa! Porém, há algo de muito peculiar com São Paulo. No Chile, eu pertencia a um grupo de poetas. A única coisa que a gente gostava de fazer era poesia. Tínhamos 20 anos. Admirávamos não a Neruda, Pablo Neruda, conhecem? Tínhamos agregado ao nome dele uma letra “B”, nós o chamávamos de Pablo “Nerbuda”, porque era tão grande, e tão importante... A mim, me chamava mais a atenção um poeta muito mais simpático e agradável, chamado Nicanor Parra, que tinha uma irmã chamada Violeta Parra, aquela da canção “Gracias a la Vida” (cantarola um trecho). Nós íamos a um café no centro da cidade que se chamava São Paulo. Lá haviam reuniões, líamos poemas, conquistávamos garotas, os homossexuais conquistavam garotos, e por aí vai. E então, vi algo extraordinário. Além do balcão onde eu estava, tinham umas mesinhas, e lá estava sentada a Violeta Parra, junto com um jornalista que falava, falava, falava e falava. Ela estava muito incomodada, e subitamente ela levantou a saia e mijou no jornalista. Isso me impressionou muito, e foi aí que eu realmente aprendi o que era um happening! Então, por causa disso tudo, sempre achei que São Paulo era uma cidade brasileira mágica onde passei a minha juventude de poeta. Precisamente, tenho um amigo desenhista que trabalhou muito com comics, cujo pai morreu há pouco tempo, que me disse: “É estranho, antes meu pai estava fora, agora só está dentro. E me dou conta de que todas as pessoas que estão com a gente estão mais dentro do que fora”. E parece que, para cada um de vocês, cada cidade é diferente das outras. Jorge Luis Borges escreveu um poema, “Oh, Buenos Aires, viajei por todo o mundo e nunca saí de ti”. Agora, se falamos da solidão, quando você está acompanhado de alguém, também está acompanhado da sua solidão. Cada pessoa te dá uma companhia e uma solidão diferente. Cada cidade te dá uma existência e um entretenimento, mas também uma sensação de solidão diferente. A solidão de Brasília não tem nada a ver com a solidão de São Paulo; Brasília é quase-nada, é vazio... aqui em São Paulo é cheio, cheio... muito cheio!!! Essa solidão me lembra um verso de um poema de Neruda: “A maior solidão é a solidão da festa”.

[neste momento, Jodorowsky interrompe seu discurso e chama ao palco sua atual esposa, uma japonesa cerca de 40 anos mais nova]

JODOROWSKY – Esta é minha esposa, notem que não sou oriental! Eu escrevi um poema para ela, que nunca falei pra ninguém, porque é um tanto quanto terrível: “Amo as duas, a ti e a tua morte”.

[Jodorowsky beija sua esposa e é aplaudido pelo público]

JODOROWSKY – Bem, mas vamos falar sobre quadrinhos! Bom, tenho certeza que vocês nunca leram meus quadrinhos. Vocês conhecem algum? Parece estranho, porque fiz teatro, fiz poemas, fiz romances, fiz filmes, mas há algo muito inusitado nos comics. Para mim, os quadrinhos são uma arte tão grande quanto o teatro, a literatura ou o cinema. Eu fazia cinema na época em que comecei com os quadrinhos, e na França eu obtive um enorme sucesso com o filme “A Montanha Sagrada”, através do qual eu passei a ser considerado um verdadeiro autor, um cineasta cult, e então passei a escrever o roteiro de um filme que seria uma enorme produção, seria produzido por um cara muito rico: “Duna”, baseado no livro de Frank Herbert. [se dirigindo ao tradutor, que havia se confundido um pouco] Está traduzindo muito bem, bravo! Não se preocupe, hein? Percebo que está muito nervoso, relaxe! Por isso faço frases curtas! Mas, voltando ao assunto, naquela época um dos poucos exemplares do bom cinema de ficção científica que conhecíamos era “2001: Uma Odisséia no Espaço”, que era perfeito, era ciência, nesse filme as naves espaciais pareciam geladeiras, máquinas industriais, tudo claro, como os edifícios de Brasília, tudo claro demais! Por outro lado, aqui em São Paulo os edifícios são todos sujos! Outro dia li um livro de um escritor japonês, “O Elogio da Penumbra”. A penumbra é mesmo muito bonita, e nas cidades acho muito belos os edifícios sujos, ao lado das maravilhas da arquitetura, é claro. Porque quando as maravilhas estão sozinhas, aí está a morte. O ser humano desaparece. Porque os seres humanos, não importa se são homens ou mulheres, todos os dias cagam. Todos nós temos algo extraordinário, o consciente, e algo nem tanto, um inconsciente escuro. As cidades não devem ter apenas um consciente, mas um inconsciente também. Mas não sei porque estou falando disso... onde estávamos? Ah, sim, a gente estava fazendo esse filme, e eu pensei: “vou fazer uma fita de ficção científica que seja grande, quente, com naves que parecem insetos gigantes, com aventura, misticismo, com alma, uma odisséia romântica, etc”. Então fiz uma equipe e reuni grandes desenhistas como Moebius, H.R. Giger, que pouco tempo depois desenvolveu o monstro de “Alien”, e Dan O'Bannon, que depois trabalhou em muitos outros filmes comerciais. Porque vocês sabem, Hollywood se aproveitou de toda a minha equipe para fazer seus filmes. E consegui alguns atores fantásticos que chegaram a assinar contrato. Salvador Dalí interpretaria o imperador louco do universo, Orson Welles [apontando mais uma vez para o tradutor], que na época estava mais gordo do que ele, Gloria Swanson iria fazer a bruxa velha, e havia também o personagem do conde cinquentão que seria interpretado pelo David Carradine, que há pouco tempo foi ressuscitado pelo Tarantino no “Kill Bill”. A música seria do Pink Floyd... ah, seria uma maravilha esse filme, o roteiro era longo, tinha três mil desenhos, e o produtor levou esse material para todos os grandes estúdios de Hollywood, a gente achava que eles poderiam fazer, foi mais ou menos na época do “Guerra nas Estrelas”. E então dissemos que precisaríamos de duas mil salas para recuperar o dinheiro, mas nos deram só dez. Então concluímos: “Não podemos fazer, vamos arquivar o projeto”. O grupo que estava comigo ficou muito decepcionado. Giger desenhou e me mandou de presente uma carta de tarot, “O Diabo”, que eu colei na minha parede ao contrário, de tão terrível que era! O'Bannon passou dois anos numa clínica psiquiátrica, e saiu de lá com o roteiro de “Alien”. Então é isso, todas as minhas idéias foram roubadas pelo cinemão americano. Moebius me disse: “Que terrível fracassar!”. E eu lhe disse: “O fracasso não existe, é só uma mudança de caminho”. O que não pudemos fazer em “Duna”, vamos fazer em quadrinhos. E comecei a fazer “O Incal”, que agora vocês podem ler. N'”O Incal”, coloquei todos os meus sonhos, todos os meus delírios, tudo o que passava pela minha cabeça eu coloquei ali. Os quadrinhos são uma arte formidável porque nela você pode fazer o que quiser. No cinema, cada imagem que inventar, custará dinheiro. E ainda por cima, não podemos fazer filmes longos, porque os produtores querem que dure apenas uma hora e meia. Pra piorar, o meu plano para “Duna” é que o filme duraria dezesseis horas. Besteira, eu era o pioneiro, porque depois fizeram “O Senhor dos Anéis”, que é uma obra enorme dividida em três partes. Mas nessa época, não passava pela cabeça de ninguém que se poderia dividir um filme longo em partes. Nos quadrinhos você pode fazer naves, monstros, o que você quiser, porque isso não vai custar mais dinheiro, não há censura. Porque os produtores de cinema sempre são os bancos, ou a televisão... o banco quer recuperar o dinheiro, e a televisão sempre diz algo como: “Isso você não pode mostrar, porque quando for transmitido as pessoas estarão comendo”. Por Deus, é muito desagradável ser um autor gastronômico e ficar todo o tempo tomando cuidado para que as pessoas não vomitem! Nos quadrinhos, não há nada disso. Quando comecei nas HQs, elas estavam infectadas pelos tais Supermans, os super-heróis. Ou então, o Mickey Mouse. Esse maldito bandido imperialista que é o Mickey Mouse! E aquele cretino do Pato Donald! E o pior de todos os banqueiros, o seu tio! Ops...! Há um ditado chileno que diz: “Não se fala de corda em casa de enforcado”. Aqui, poderíamos adaptar para “Não se fala de negócios dentro de um banco”. Então... do que falávamos? Ah, sim... comecei a fazer minha série de HQs, com muito êxito. Com quadrinhos, se você tiver paciência, pode ter um público maior do que teria no cinema. Em muitos países, “O Incal” foi lido por cerca de quatro milhões de pessoas. Aliás, ele já foi traduzido para diversos idiomas, até mesmo o turco! É uma grande arte. Quando cheguei aos comics, haviam os super-heróis ou os heróis negativos, aqueles caras que não valem nada... violentos, assassinos, James Bond, “permissão para matar”, etc. Bem, antigamente, os poetas tinham que ser malditos, porque o mundo estava muito certinho e organizado. Então os poetas eram terríveis, negativos, auto-destrutivos... Baudelaire, Rimbaud, o ódio contra a sociedade, “me dê a cocaína, me dê a heroína, me dê a morfina, me dê o absinto, uma puta gigantesca para trepar”, etc. Acontece que atualmente toda a sociedade está assim, então a função do poeta é ser bendito, não maldito. Porque o artista tem sempre que mirar o contrário, romper com o vigente na sua sociedade. Hoje, a revolução é ser otimista. Feliz, são, positivo. Dar uma arte que engrandeça a consciência e que nos permita viver melhor. Encontrar-se, ser o que você é, e não que a sociedade ou a sua família querem. Isso é que é arte, e foi assim que entrei nos comics. Criei um herói que se chama John Difool, um louco, inspirada pela carta homônima do tarot. Um detetive tonto, lamentável, o mais lamentável de todos, que não entende de nada. E pouco a pouco, conforme a trama se desenvolve, ele se faz mais e mais consciente, mais e mais importante para os demais, até que termina encontrando o próprio Deus. Eu imaginei esta série como um tríptico. “O Incal”, “Antes do Incal” e “Depois do Incal”. Cada tomo demora um ano para ser feito, então quando vocês lêem o Incal estão diante de 12 anos de trabalho. E agora, estou lançando “Depois do Incal”. Minha idéia seria convidar um desenhista diferente para cada parte. Porque do contrário seria muito cansativo, não concordam? Claro que os quadrinhos são uma arte industrial, como o cinema. É um trabalho árduo para o desenhista, porque ele precisa desenhar por vários meses, sustentar sua família, viver disso, são cerda de seis horas de trabalho por dia. Enfim, é uma arte cara. E claro, a tiragem aqui é pequena porque não há muito conhecimento desta arte. Mas na França é enorme, no Japão maior ainda... na Europa, quando lanço um novo volume, são 70 mil exemplares só na primeira edição. Nos quadrinhos, ocupo o quarto lugar dentre os mais catalogados. O primeiro é a coleção do Asterix; o segundo é Jean Van Hamme; outro é um desenhista lá, que faz uns gibis para crianças; depois sou eu. É isso, faço o que quero. Existem muitos livros que, para mim, são novelas gráficas. “Os Metabarões”, “O Incal”, “Bórgia”, este último desenhado por Milo Manara, que considero um dos maiores artistas que já passaram por este mundo... Para mim, é um prazer fazer quadrinhos, porque eles me deixam tranquilo, não me sinto pressionado como no cinema. Mas neste ano que vem, 2008, voltarei ao cinema. Por que? Porque eu fiquei com vontade de fazer um filme de aventura, como o “El Topo”, então eu escrevi uma HQ de muito sucesso chamada “Bouncer”, protagonizada por um herói que não tem um dos braços. Ele trabalha como guardião, como leão-de-chácara num bar chamado Inferno. Gostaria muito de produzir uma adaptação de “Bouncer”, e aí negociamos com Hollywood, eles exigiram estrelas, falamos com os produtores, todos esses tontos, esse bando de tontos, tontos comerciantes que ganham muito dinheiro, milionários, mas emocionalmente tontos. Eles não podem sequer andar pelas ruas, pois o ego lhes pesa tanto que eles acabam ficando corcundas. Nós evidentemente não temos o ego tão grande, estamos todos tranquilos e felizes aqui, não tenho nada a demonstrar. Não preciso provar nada a ninguém, estou aqui porque gosto, não estou vendendo nada. Outro projeto para o cinema foi escrito por mim, e estou negociando com quatro produtores: um espanhol, um húngaro, um francês e um canadense. Por que? Porque hoje em dia, é quase impossível fazer cinema autoral. Talvez você consiga em Hollywood, em menos de uma hora, 200 milhões de dólares para uma película. Eu, para conseguir apenas 5 milhões, tenho que trabalhar uns quatro anos. É quase impossível, porque a indústria não quer mais filmes de autor. Hoje a moda são essas séries americanas de televisão... Sex in the City, Lost, Desperate Housewifes, cada capítulo possui um diretor, os roteristas são 20 ou 30... são grupos industriais que desenvolvem essas coisas, e não um indivíduo poeta que cria seu mundo particular. Quando eu faço meus filmes, dirijo, escrevo, faço o figurino, direção de arte, trilha sonora, tudo. Isso é um cinema de autor. Agora farei um filme que se chama “Psicomagia”. Alguns de vocês devem saber, eu desenvolvi uma terapia que se chama Psicomagia, muito conhecida na Europa porque o livro homônimo vendeu muito bem. Dou conselhos para curar problemas. Vou filmar isso, tenho uma conta poupança na qual, durante anos, economizei o dinheiro necessário. Então, irei anunciar, ao contrário dos blockbusters americanos, que propagam: “Maravilhoso, arrecadou tantos milhões de dólares”, como se tivessem mais valor só por terem feito mais dinheiro, vou propagar: “Psicomagia – Um Filme para Perder Dinheiro”. Vou disponibilizá-lo grátis na Internet. Vou perder todo o meu dinheiro. E com um enorme prazer! E vai ser magnífico, uma obra-prima, não pensem que vou fazer qualquer porcaria, será uma obra de arte! Ando cansado, fatigado, porque hoje em dia os próprios artistas só pensam em dinheiro. Agora, são os bancos quem promovem a cultura! Que cultura pode ser promovida por um banco?!? Vejam só, de novo eu falando de bancos... tenho que tomar cuidado, se não vão me botar pra fora! Uma vez, me colocaram pra fora da Escola de Arquitetura do México, porque disse: “Uma vaca sabe mais de arquitetura que todos os professores daqui”. Então, cerca de dois mil alunos se reuniram no teatro da Universidade, e eu cheguei lá com a vaca. E tive que dar alguma coisa para dopar o animal, senão ela ficaria louca. Coloquei a vaca de costas para o público. E então, analisei o seu traseiro como se fosse uma catedral gótica. Sabe, acho a arquitetura gótica um exemplar do que há de mais formidável na arquitetura, ao contrário dessa arquitetura moderna onde só há retas, retas, retas, retas, enfim, só linhas retas, quando na verdade o cérebro não é reto, o cérebro é orgânico. Ainda que a gente não queira, a todo momento a arquitetura imita nosso cérebro. A arquitetura faz parte da alma. A alma é orgânica. Vivemos estreitos, já acostumados a morar em caixões. Mas um dia, não viveremos mais assim, e em todos esses edifícios faremos buracos. Imaginem uma pessoa de cem anos, como isso é possível? E um edifício sem buracos, como é possível? Só linhas retas, isso é improvável. Desse modo, vamos terminar produzindo um monte de loucos. E claro, isso muito me convém, porque criei uma nova terapia... quanto mais loucos, mais dinheiro! Acho que é por isso que existem tantos bancos! É... não quero falar mais! É, isso aqui está muito bom, mas já não sei mais. Já falamos de arte, de quadrinhos, de cinema, de tudo o mais, vamos mudar o foco. Vamos falar sobre símbolos. Tudo é símbolo. Tudo se pode interpretar. Esta máquina, este logotipo, estas cores... tudo é passível de ser interpretado, vamos tomar como exemplo o escudo de São Paulo. Eu estava passando de carro e num viaduto me chamou a atenção o escudo da cidade, nele tinha uma frase em latim, algo como “Pago quando Posso”...

JOEL PIZZINI – Não, esta aí é a leitura do motorista... como é que era mesmo a frase?

UM SENHOR DA PLATÉIA – A frase é: “Não conduzido, conduzo”.

JODOROWSKY – Que interessante. No escudo, tinha uma coroa de quatro pontas, essa coroa também se encontra no tarot, é o símbolo do imperador, que domina o fogo, a terra, a água e o ar. O intelecto, o emocional, o sexual, o corporal, enfim, é o domínio total do ser. E tem também uma mão direita, que segura uma bandeira. E isso é muito forte, porque a mão direita é a mão da ação, enquanto a mão esquerda é a mão da recepção. Por que uma bandeira? Porque a bandeira só é válida quando é balançada pelo vento. É uma mistura, um híbrido entre o ser e o vento misterioso. A bandeira aceita o vento, e na Bíblia Sagrada há um trecho que diz: “Eu aceito o vento, porque o vento é a vontade divina”. Então, isso tudo diz basicamente que eu aceito a vontade de Deus. Caso contrário, eu seria um mau imperador, um tirano, alguém que só pensa na minha vontade, quando na verdade tenho que obedecer a uma vontade cósmica. E a frase, como era mesmo? “Não conduzido, conduzo?”. Isso não foi um indivíduo quem disse, mas toda uma raça. O ser humano enquanto raça possui toda uma série de projetos, tentativas, sonhos para o futuro, que deseja realizar. E não foi um tirano que disse: “Não, não me deixe ser conduzido, eu conduzo”, isso é um escudo iniciático. Compreende? Enfim, talvez não tenha ficado muito clara a minha interpretação, mas a verdade é que tudo se pode interpretar, até mesmo as piadas. (apontando para o curador) Este é um intelectual formidável, sabe muitas piadas... ele me contou uma... ahnnn, ah, eu quero interpretar alguma piada! Me contaram algumas piadas que são um prato cheio para psicanalistas, envolvem mulheres, desejos obscuros, o inconsciente, coisas que rendem análises riquíssimas! Vamos, não se acanhem, contem piadas. Quero ouvir piadas!

JOEL PIZZINI – Já que estamos falando de quadrinhos, vou contar uma piada que envolve a Mulher-Maravilha. É assim: o Superman estava fazendo um passeio sideral com sua capa poderosa, até que passou por Copacabana num vôo razante e avistou a Mulher-Maravilha, nua, deitada na praia. Obviamente, ficou muito excitado, e resolveu pousar em cima da Mulher-Maravilha. Aí ele calculou, baixou, mergulhou para pousar e de repente teve um tremendo choque, se machucou todo e surgiram aquelas onomatopéias de quadrinhos, aí ele caiu, perdeu a consciência por alguns segundos, e quando ele despertou, virou-se para o lado e disse: “Me desculpe, Homem Invisível, eu não sabia que você estava aí!”.

JODOROWSKY – Quer dizer então que ele se chocou com o Homem Invisível, é? Hmmmm, é muito profunda esta piada! Ela fala da psicologia feminina. Na infância, nós temos algumas pulsões, que muitas vezes são incestuosas, sexuais, aquela coisa das relações edipianas. A grande maioria das meninas, quando têm o pai presente, sonham em ser noivas ou namoradas do seu papai. Às vezes, dizem que vão ter um filhinho com seu papai, brincam disso com suas bonecas, e amam o seu papai. Isso tudo permanece na alma feminina, e quando o homem realmente deseja encontrar-se com uma mulher....

[Jodorowsky faz uma pausa e se dirige a Gurcius Gewdner, maluco de Palmitos e companheiro de Petter Baiestorf, que neste exato momento levanta escandalosamente da cadeira para ir ao banheiro]

JODOROWSKY – [risos] Bem, peço perdão, eu não tenho culpa nenhuma disso! Mas então, o fato é que se o homem quiser verdadeiramente conquistar uma mulher, deve tirar de cima dela os fantasmas do pai ou de qualquer outro sujeito que ela tenha conhecido e identificado, sem se dar conta, com seu pai. Eu ministrei diversos cursos de meditação... bem, vocês são adultos, então eu posso falar. Eu sempre dizia para a pessoa sentir seu próprio corpo, e para as mulheres eu dizia para entrar no próprio sexo e sentir o interior da própria vagina. E eu recebi respostas maravilhosas, extraordinárias, estranhas, raras! “Sinto que lá dentro há um caixão com um homem morto”, “Sinto que existe um muro entre meus ovários”, etc. Na verdade, todas essas imagens que formavam a respeito de suas próprias vaginas estão relacionadas com as tais pulsões infantis. Então, o Superman representa o homem orgulhoso, que vai chegar com seu super-falo, e que imediatamente vai deixar ela louca! Mas então surge uma dificuldade, além é claro de todos os fantasmas que precisa colocar para fora. No caso da Mulher-Maravilha, ela deve ter todo um clâ familiar brincando e jogando cartas no interior de sua vagina! Eu também fiz homens entrarem dentro de seu próprio sexo, até chegarem no interior de seu próprio esperma. E eu lhes pergunto: “O que sente?”. Fiquei muito surpreso, porque me disseram coisas como: “Sinto que estou mergulhado em excremento”, “Sinto que estou muito sujo”, “Sinto que sou uma pessoa feia, asquerosa”, etc. É surpreendente, porque o esperma é a matéria onde se localiza a vida eterna, a divindade, a continuação do ser humano, tudo isso! Então resulta que, quando o pai está ausente, a mãe se converte numa invasora e passa a odiar o homens. “Meu marido é um porco, um chauvinista, um sedutor de mulheres!”. Se a mãe é muito católica, então é um terror! O menino está feliz com a sua mamãe, ele gosta de sua mãe, e aí se dá conta de que, quando se tornar adulto, vai perder este amor, pois aí sera um homem, e sua mãe odeia os homens. A consequência é que ele entra num dilema terrível, pensa que carrega algo negativo dentro de seus testículos. Agora darei um conselho psicomágico. Talvez o seu esperma tenha sido maldito por sua mãe, e nada é mais poderoso que sua mãe, exceto uma virgem sagrada, por exemplo a Virgem Maria, ou alguma outra virgem sagrada na qual você acredite. Então, meu conselho é que você pegue um desses copinhos vermelhos, que colocam ao lado das imagens da Virgem sob uma vela, tire seu conteúdo, masturbe-se com o copinho e coloque seu esperma nele. Então, você recoloca a vela sobre ele. Finalmente, coloque no altar, ao lado da imagem da Virgem e deixe ali como uma homenagem. Desse modo, seu esperma será bendito por alguem mais poderoso que a sua mãe, e terá de volta a sua dignidade. [aplausos fervorosos da platéia]. Isso tudo é pura psicomagia. Outro exemplo, quando as mulheres se sentem desvalorizadas, por causa de um pai que diz: “Seria ótimo se você fosse menino, seria um grande jogador de futebol, mas veja só, você nasceu menina!”... claro, óbvio que a mulher vai se sentir desvalorizada. Então aconselho a ela lavar sua vagina com água benta, e que depois introduza dentro dela cinco moedinhas de ouro embrulhadas num pedacinho de gaze. Feito isso, ela deve vir à minha conferência, ou então visitar o papai, sair com os amigos, cantar, dançar, trazendo dentro de si este segredo. E assim, ela vai se sentir muito forte e economizará dois anos de psicanálise. Ao homem que não se sente forte sexualmente, recomendo que juntem dinheiro, muito dinheiro, quanto mais dinheiro conseguir. E depois enrolem, façam um rolinho. Em seguida, arrumem duas pequenas bolas de ferro, grude o rolo de dinheiro entre elas, vista uma sunga, coloque esse negócio ali dentro, e passeie pelo clube, entre as pessoas. Vai sentir um poder incrível, tens um falo poderoso! Em Veneza, dei este conselho a um cara e três meses depois ele arrumou uma linda mulher, e juntos tiveram um filho. Mas por que estou falando disso? Ah, sim, estávamos falando de piadas, alguem mais tem uma piada para me contar? [se dirigindo a um rapaz na platéia] Você? Quer me contar uma piada? Então, vamos lá!

RAPAZ DA PLATÉIA – Prazer, meu nome é Bernardo, e eu achei muito curiosa essa sua relação do sexo, que surgiu da piada envolvendo o Superman...

JODOROWSKY – Você quer saber mais sobre o sexo do Superman? Tem que saber, pois é muito importante! Porque quando o Super-Homem transa com uma mulher e atinge o orgasmo, os espermatozóides são tão fortes que atravessam os ovários dela, sobem pelo tronco, passam pela crânio e destróem o seu rosto. É muito perigoso!

RAPAZ DA PLATÉIA – Mas então, não sei se o senhor sabe, mas aqui no Brasil, os gibis mais populares são os de uns personagens que são A Turma da Mônica, que é uma turma de crianças, cujo personagem principal é uma menina, a Mônica...

JODOROWSKY – E a piada? Não estou entendendo, isso não faz sentido....

RAPAZ DA PLATÉIA - E ela bate nos meninos que tentam roubar o seu coelho de pelúcia. E ela é a menina mais forte do mundo, mais forte que o próprio Superman.

TRADUTOR – Viu, eu não sei se você entendeu, mas o Alejandro Jodorowsky está te pedindo para você lhe contar uma piada.

RAPAZ DA PLATÉIA – Me desculpe, mas eu não tenho nenhuma piada para contar.

JODOROWSKY – Eu vou contar uma piada infame com crianças. Vem uma criança, muito triste, e se encontra com outra criança. Uma pergunta para outra: “O que aconteceu?”. “Me levaram ali no canto e me vacinaram!”. “Contra o quê?” “Contra a minha vontade!”. Ah, até que não foi tão ruim, não? Mas bem, eu não conheço essa história em quadrinhos da menina forte, então não posso analisar, mas posso dizer de antemão que o coelho é o animal mais sexual da história da psicanálise. Alguma outra piada?

SENHOR DA PLATÉIA – Eu tenho 64 anos, e quando era menino, eu curtia o Zorro... então, o Zorro está na planície junto com o seu amigo índio, o Tonto, e de repente percebe que está sendo perseguido por índios. Aí ele grita: “Tonto, estamos cercados por índios!” E o Tonto responde: “Não estamos cercados, VOCÊ é que está cercado, cara pálida!”. Compreende?

JODOROWSKY – Sim, claro que compreendo! E esta também é uma piada muito profunda! Há uma tradição desta piada em todo o oriente, na forma de uma pequena parábola iniciática. Há um barqueiro, e ele está junto com um sábio, um catedrático. E o sábio pergunta: “Você sabe ler?”. O barqueiro responde: “Não”. O sábio: “Então você perdeu metade da sua vida”. De repente, ocorre uma tempestade. O barco vira e os dois vão parar na água. O barqueiro pergunta: “E nadar, você sabe nadar?”. E o sábio: “Não”. Então o barqueiro lhe diz: “Então você perdeu TODA a sua vida”. Então, acho que podemos fazer uma relação. O Zorro é o sábio, no sentido de que conhece muita coisa, tem muitas informações na cabeça, etc. E o Tonto é o homem simples, mas vivido. O Zorro é como o intelecto, aquele intelecto que vive fora desse mundo e não conhece a realidade. Mas o homem simples, a conhece. Então, quando chegam todos aqueles índios, que são a sua realidade, ele não se dá conta. Mas o Tonto, que é o homem simples, tem plena noção do que acontece. Nessas ocasiões, sempre me vem em mente o exemplo do iceberg... o iceberg aparece no oceano com uma enorme ponta, que é só o que você vê, e embaixo há um imenso pedaço de gelo, que é o corpo oculto. O que se vê, é o racional. O Zorro nesta piada equivale ao catedrático na parábola. O que está abaixo, é o inconsciente, a força oculta que todos temos. Se na sua vida, você só conhece a parte superficial, é um catedrático intelectual fora da realidade. Mas se você só conhece o que está abaixo, é um barqueiro, um primitivo, sempre a serviço dos outros. Mas se você sente a parte iluminada, a parte interior e a exterior ao mesmo tempo, a sua racionalidade e o seu inconsciente se tornam aliados, já não é mais um primitivo, tampouco um catedrático. Você acaba de abrir uma porta de comunicação com seus valores mais profundos. Mas bem, façam mais algumas perguntas que as responderei com muita satisfação.

RAPAZ DA PLATÉIA – Há uma história em quadrinhos que o senhor escreveu que eu gosto muito, “Os Olhos do Gato”. Adoraria que você falasse um pouco sobre o processo criativo que envolveu esta obra.

JODOROWSKY – Comecei a trabalhar com Moebius fazendo “Duna”, então lhe propus fazer um comic sem maiores pretensões. A minha idéia era dividir a história em cerca de quarenta ou cinquenta quadros, e cada página seria um quadro inteiro. E assim, eu contaria uma história de quadro a quadro. Moebius vivia a cinquenta quilômetros de Paris. Quando ele terminava uma página, eu pegava o meu carro e dirigia cinquenta quilômetros até a página. Ia e voltava cinquenta quilômetros, todo dia. Então, cada página de “Os Olhos do Gato” equivalem a cem quilômetros, de tão entusiasmado que eu estava. A história fala de um mundo interior que sempre me povoou, aliás todos nós temos um imenso mundo interior, tão existente quanto o mundo exterior. E então, ele foi editado, e era dado como brinde. Se você comprava três ou mais álbuns da editora, levava “Os Olhos do Gato” como brinde. Teve tanto êxito, que depois passaram a cobrar trezentos dólares por esse livrinho! Fizeram até uma cópia pirata para distribuir, de tanto que gostaram. Foi minha primeira verdadeira investida nos quadrinhos.

[nota de Daniel Salomão Roque: alguém na platéia faz uma pergunta que não pude transcrever de forma exata, devido a uns ruídos estranhos que surgiram na gravação, mas se trata basicamente das influências de Jodo ao fazer seus quadrinhos]

JODOROWSKY – Para mim, a grande influência, o maior responsável por meu gosto pelos quadrinhos é o Spirit, de Will Eisner. Vocês devem saber muito bem que os comics começaram como comércio puro, gente muito pobre que desenhava quadrinhos para ganhar a vida e divertir o público que lia os periódicos. E pouco a pouco, Will Eisner vai tomando consciência disso e criando verdadeiras novelas gráficas, enfocando temas profundos, filosóficos, enfim, tenho uma grande admiração por Will Eisner, era um cara muito a frente de seu tempo. Também adoro Hugo Pratt, e tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. O engraçado é que o Hugo Pratt era como o Corto Maltese, só que o Corto Maltese era magro, o Hugo Pratt era um Corto Maltese gordo (risos). E certa vez, uma imobiliária disponibilizou para aluguel um apartamento que anteriormente tinha sido habitado por Hugo Pratt... e a proprietária estava furiosa, porque todas as paredes estavam imundas e sujas de tinta, com diversos desenhos e pinturas! Não há muito o que se dizer, ele era genial... bem, agora terminamos?

RAPAZ DA PLATÉIA – Eu tenho uma pergunta: quem dentre os quadrinhistas atuais, dos contemporâneos, você acredita ter talento, algo especial a comunicar, em resumo, um trabalho relevante?

JODOROWSKY – Eu. Não há muito o que se dizer, não? [risos e aplausos da platéia]. Bem, tem outro que eu respeito muito e que é maravilhoso, não me lembro direito o nome... é alguma-coisa-Moore... ele também fala de temas místicos, magia, creio que eu o influenciei... [diversas pessoas na platéia gritam o nome completo: Alan Moore]. Ah, sim, Alan Moore! Ahá, esse nome vai, hein? Esse é bem famoso e conhecido por aqui, certo? Pois bem, eu tenho uma grande influência sobre ele, já que fui o primeiro na indústria dos quadrinhos a introduzir nas HQs temas cabalísticos, ocultismo, esoterismo, alquimia, magia, etc. Mas gosto muito de Alan Moore, ele é interessantíssimo. Os quadrinhos espanhóis são fantásticos, adoro o trabalho de Juan Giménez, que trabalhou comigo, e também do Carlos Giménez, que fez “Paracuellos”, uma maravilha de comic, uma história autobiográfica sobre sua infância durante o reinado de Franco. Sou apaixonado também pelo Rip Kirby, já leram o Rip Kirby? Aquele, do Alex Raymond? É muito bom, não acham?

MOÇA DA PLATÉIA – Só uma coisa: esse seu interesse pela cabala, pelo esoterismo, surgiu quando?

JODOROWSKY – Me interesso por isso desde que tinha quatro anos, porque um dia um padre me deu de presente uma cruz... e meu pai, que era um ateu recalcado e autoritário como Stálin, aliás até fisicamente era parecido com Stálin, ficou muito nervoso, jogou a cruz na privada e gritou comigo: “Deus não existe! Você morre, apodrece, e tudo acaba!”. E nisso, ele me impregnou com um terror que durou até meus quarenta anos. Por causa disso, me irritei e comecei a pesquisar sobre o mistério da vida, religiões, espiritualidade, sociedades secretas, ocultismo, magia, cabala, tudo, tudo, tudo! [risos]

SENHOR DA PLATÉIA – E por falar nisso, como se explica uma pessoa sonhar com um número de cinco algarismos, comprar um bilhete e ganhar o primeiro prêmio?

JODOROWSKY – Jung, que era um grande filósofo próximo de Freud, falava muito sobre a sincronicidade. Ele dizia que tudo está unido, e que se, nenhuma pessoa sabe de tudo, o inconsciente coletivo sabe. O inconsciente sabia, e te mandou através de um sonho porque você provavelmente é uma boa pessoa.

SENHOR DA PLATÉIA – Então foi por merecimento?

JODOROWSKY – Sim, provavelmente. [apontando para uma senhora de cadeira de rodas] Esta é sua mulher? O inconsciente provavelmente mandou que ficassem juntos e te mandou os números por ter sido bom para com ela. É o que se chama de milagre cotidiano, estamos todos juntos! É disso que falo no meu livro, “A Dança da Realidade”. Todo mundo vivencia momentos mágicos. Você pensa numa pessoa e essa pessoa te faz uma ligação telefônica. Ou então você pensa nessa pessoa e acaba encontrando com ela na rua. Casualidade? Não é casualidade. E agora te explico resumidamente porque ganhaste na loteria: algo de bom você fez. Bom, estamos chegando ao final desta conferência. Depois dessa vou dar uma sobre cinema e outra sobre tarot. A de tarot é a mais séria de todas. E no tarot eu não leio o futuro, mas vejo o presente... e é uma linguagem artística tão grande e maravilhosa quanto os quadrinhos, o cinema e a poesia. Quem vier assistir entrará em contato com um material visual formidável. Digo isso porque lhes considero amigos, não me pagam, estou aqui porque gosto! Para mim, três pessoas ou cem é a mesma coisa, não ligo para números. Ou três mil, quem se importa? Se um artista encontra uma única pessoa que o compreenda, deveria tomar-se por satisfeito. Um grande artista está condenado a ter pouco público. Quando eu chego numa cidade como São Paulo, enorme, enorme, enorme, não posso pretender que todo mundo me conheça! É uma lição de humildade incrível! Se apenas um de vocês conhecessem o que eu faço, já ficaria muito feliz. Agora acabei, hein? Ah.... bem, a última!

RAPAZ DA PLATÉIA – Deve conhecer Paulo Coelho, não? O que acha dele?

JODOROWSKY – Sim, conheço. Estivemos juntos na feira do livro de Guadalajara, no México. É uma grande feira, e no México eu sou muito conhecido. Naquele país, temos o mesmo editor. Um dia, eu cheguei de manhã na feira e sentei para descansar um pouco, e não me dei conta de que tinha sentado bem em frente à foto do Paulo Coelho! Como nós dois temos barba, as pessoas acreditaram que eu era o Paulo Coelho e só aí que eu reparei estar em frente a uma fila de 700 ou 800 pessoas, então peguei seus livros e comecei a escrever neles: “Coelho, Coelho, Coelho, Coelho, Coelho....”. Ou seja, não posso julgá-lo, porque fiz parte dele! Agora, como vocês são brasileiros e ninguém é profeta de sua terra, devem criticá-lo muito. Mas em outros países, principalmente na Europa, é um best-seller, vende muito, todo o público compra. Claro que os críticos atacam, mas o público adora, há um verdadeiro culto em torno do Paulo Coelho. Eu acho que deve ter algo de grande nele. Se algo cria tamanha histeria coletiva, é porque tem um valor. Eu li “O Alquimista”. E é bastante simples, mas como eu já fiz todas essas coisas e estudo o assunto há muito tempo, não me serviu para nada, mas compreendo perfeitamente que o livro possa ser muito útil para algumas pessoas que nunca haviam pensado nisso. E existem outros escritores muito superiores, como por exemplo Carlos Castaneda, mas lendo seus livros me dei conta de que nunca poderia fazer nada daquilo... não consigo me jogar de um precipício e não morrer, não consigo me transformar num cachorro, nem me comunicar com seres de outra dimensão, nada disso! Nesse sentido, o livro é completamente inútil! Vejam, um livro do Paulo Coelho é mil vezes mais útil que um livro do Castaneda. O do Paulo Coelho é básico, simplório, mas você pode realizar o que está ali. O do Castaneda é maravilhoso, mágico, bem escrito, genial, mas sem nenhuma aplicação no cotidiano... te dão conceitos teóricos, explicações metafísicas e metáforas boas, mas não servem para o dia-a-dia, sem falar que sempre terminam dizendo que somos criações de seres cósmicos extraterrestres e que servimos de gado a eles. Mas por outro lado, o Paulo Coelho é brasileiro; e se não posso falar mal das cidades em que estive, tampouco posso falar mal de um brasileiro! Como é que venho aqui para demolir o escritor brasileiro mais bem sucedido no exterior? Como dizer que ele é um mal-educado? Que é um mero comerciante que quer ser um ente divino? Que em benefício da indústria, explora as crenças populares? Que é super cafona? Não, não posso falar nada disso! [risos]. Bem, gostaria de agradecer a vocês porque isso tudo foi muito divertido. Até a próxima!



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