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Dossiê Jodorosky
Alejandro Jodorowsky – Fazendo cinema com os cojones

Por Filipe Chamy

Polêmico, controverso, inquestionavelmente criativo e ousado. Há muitos atributos para se definir Alejandro Jodorowsky, mas é difícil classificar sua arte e seu cinema.

Desde jovem, durante sua infância em Tocopilla, pequeno vilarejo no Chile, o jovem Alejandro desenvolveu atenção e talento próprios para a expressão artística. Via muitos filmes, se interessava por poesia, teatro. Após estudar em Santiago, Jodorowsky se interessou cada vez mais por duas mídias que seriam constantes em sua carreira: mímica e circo. Através da pantomima, conheceu Marcel Marceau, o grande mestre da linguagem física francês. Na França, por sinal, realizou seu primeiro filme, A gravata, divertida fábula surreal sobre troca de cabeças, baseada numa história de Thomas Mann.

A grande virada de sua vida deu-se em 1962, quando, junto com os colegas e amigos surrealistas Fernando Arrabal e Roland Topor, criou o movimento Pânico (em homenagem ao deus grego Pan). O grupo causou certa sensação ao propor uma renovação (ou inovação) da linguagem, e fizeram trabalhos que iam de peças teatrais a poemas. Em 1968, Jodorowsky adapta para o cinema uma peça de Arrabal (que havia dirigido no teatro), Fando y Lis. Este ficou sendo seu começo “real”, seu “primeiro” filme. Uma narrativa pesada e onírica, que chocou o México e ocasionou protestos e ameaças de morte ao provocador Jodorowsky. Até hoje o filme permanece uma experiência única e intensa. Mas o sucesso e aclamação internacional vieram com sua próxima película, El Topo. Por um feliz acaso, a obra chegou ao conhecimento de John Lennon, que, extremamente empolgado com o que descobrira, não só divulgou o filme de Jodorowsky no mundo inteiro como financiou seu próximo projeto. El Topo é mesmo tudo isso. Um faroeste simbólico, religioso, violento, forte, profundo, místico, divertido, com música, atuação, roteiro e direção de Jodorowsky. Algo que nunca se vira antes. Apesar de “difícil” para certas audiências, fez sucesso com a crítica, após um certo estranhamento inicial, e o público também respondeu à altura.

Em 1973, a talvez obra máxima de Jodorowsky vinha à luz. A montanha sagrada era um experimento esotérico em cinema, uma tentativa de fazer um filme sagrado como um livro-código de alguma crença. Repleto de imagens delirantes, idéias originais e discussões sérias e complexas, o filme causou perplexidade e até hoje é subestimado. Mas foi aqui que a genialidade de Jodorowsky mais se desenvolveu, com uma visão cinematográfica abstrata e precisa, com ironia e senso de perspicácia, com maestria e total recusa do convencionalismo, ao realizar um filme sem trama-base, sem gênero definido e cenas tanto grotescas como poéticas.

Após essa explosão de brilhantismo, Jodorowsky tinha planos de filmar o romance Duna, de Frank Herbert. O filme teria mais de dez horas, trilha sonora de Pink Floyd, Salvador Dalí como vilão e participações de Orson Welles, Gloria Swanson e Lillian Gish, além de contar com a colaboração artística de Moebius — com quem Jodorowsky trabalhou magnificamente em Incal, espécie de compensação em quadrinhos pelo filme perdido —, H. R. Giger e Dan O’Bannon. Logicamente isso afastou os covardes produtores, que viam apenas possibilidade de fracasso e prejuízo. O filme acabou parando nas mãos de David Lynch, que conseguiu fazer o pior filme de toda a sua carreira.

O próximo parto cinematográfico de Jodorowsky foi o medíocre Tusk, batida ode à liberdade nos anos do imperialismo inglês na Índia. Filme totalmente aquém de sua capacidade, não merece mais comentários (o próprio diretor o renega). Redimiu-se com Santa Sangre, de 1989, conto de inspiração felliniana, lotado de cores fortes e passagens não menos impactantes, rico em detalhes, homenagens e referências, que permanece o filme favorito de seu realizador. Após essa obra-prima, Jodorowsky dirigiu apenas mais um trabalho, O ladrão do arco-íris, em que sua fúria criadora foi a todo custo contida pelos produtores, resultando num filme irregular e que também é abaixo de sua potência, apesar de interessante — e contar com algumas de suas marcas, como o misticismo.

Jodorowsky segue nos presenteando com incríveis quadrinhos — como Antes do Incal, Depois do Incal, Bórgia e Os olhos do gato —, romances e livros vários — como Quando Teresa brigou com Deus —, ocasionais atuações, peças de teatro, sem contar a sua paixão pelo tarô e outros assuntos. Desenvolveu a psicomagia, espécie de cura de transtornos familiares ou psicológicos. Além dela, a psicogenealogia, a salvação pela pesquisa nas raízes da família. Em sua visita ao Brasil, no final de 2007, mostrou aos seus fãs tupiniquins algumas dessas técnicas inventadas por ele, contou bastidores de seus filmes e demais obras, debateu sobre técnicas de trabalho, assuntos pessoais, seus gostos e predileções. Mas o diretor chileno ainda não tem certeza de poder fazer outros filmes, pois todas as oportunidades são negadas aos cineastas que não se sujeitam a regras. Esperamos que o tempo de espera seja o menor possível.



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