Dossiê Jodorowsky
Coluna CINEMA Extremo
ONDE O CINEMA PODE SER VIOLENTO...
Por Marcelo Carrard
Santa Sangre
Direção: Alejandro Jodorowsky
México/Itália, 1989.
O Produtor de Cinema Italiano Claudio Argento, irmão do Mestre Dario, no final dos anos 80 resolveu convidar outro Mestre: Alejandro Jodorowsky, para fazer um filme. Esse encontro cinematográfico gerou uma Obra-Prima do Cinema Extremo intitulada: SANTA SANGRE. Mais ou menos assim podemos resumir o que foi esse encontro. Claudio, após colaborar com o famoso irmão em diversas produções quis experimentar uma aventura saborosa ao produzir um filme para um dos maiores artistas do Séc XX. Inicialmente a idéia era a de fazer um filme de horror, sobre um Serial Killer, um Giallo por excelência. Jodorowsky pegou a idéia central e fez uma de suas obras mais pessoais e perturbadoras, recriando além do universo clássico do Cinema de Horror, algumas de suas paixões: o Surrealismo e o Universo Circense de Fellini.
O Cinema de Jodorowsky é “enciclopédico”. Ele parece ter o desejo feroz de colocar em cena o máximo de informação, de nuances, de filigramas, criando um universo único, uma constelação. Na abertura do filme vemos o filho do Diretor: Axel, paralisado sobre um tronco em um quarto, após vermos a imagem de um pássaro. Essa imagem da ave irá percorrer o filme sob diversas formas de representação. Fênix, a personagem de Axel, recorda seu passado. Vemos o vôo do pássaro nos transportando nessa viagem. Sua família circense é composta por uma mãe histérica e de um doentio fanatismo religioso. Ela lidera um grupo onde a maioria é composto por cegos onde todos vestem um manto vermelho, com dois “X” no peito. Sua seita ameaçada de destruição pela Igreja Católica e pela Polícia adora uma Santa que em seu martírio verteu sangue que segundo a crença encheu uma piscina no interior de seu templo. Temos então a Santa Sangre do título e o início de uma elaboradíssima Direção de Fotografia do italiano Danieli Nannuzzi, trabalhando com maestria os tons vermelhos que irão se desdobrar em uma cartela de cores de forte contraste como o azul, o laranja e o amarelo até o final do filme, em composições de imagens inesquecíveis onde Jodorowsky consegue transportar para a tela sua grande paixão pela pintura em toda sua complexidade.
O ataque do Templo nos remete ao genocídio da Igreja Católica como representante máxima dos colonizadores espanhóis no México. Em seu transe religioso a mãe de Fênix luta de maneira quixotesca contra o poder do Estado. Quando somos transportados definitivamente para o universo do Circo, vemos uma série de composições muito fortes. A menina de rosto pintado andando sobre a corda em chamas é uma das mais belas imagens da História do Cinema em sua poesia surrealista encantadora. O pai de Fênix, o Atirador de Facas, tem uma mórbida e fetichista relação com sua partner, uma mulher tatuada de formas voluptuosas que a fazem parecer uma daquelas mulheres boazudas das Histórias em Quadrinhos para adultos. As tatuagens de seu corpo contém imagens que representam os quatro elementos. O ciúme da mãe de Fênix com relação ao marido e a mulher tatuada é doentio e terá desdobramentos trágicos. Logo nessas sequências de apresentação do universo circense e seus personagens característicos: anões, palhaços e outros artistas, vemos a inacreditável sequência do Enterro do Elefante. O cortejo com figuras surreais, o caixão gigantesco e os desdobramentos grotescos que imprimem na tela uma carnavalizada cerimônia coletiva, não tem precedentes na História do Cinema. O Horror, segundo Jodorowsky, foi o Gênero criado para a quebra dos limites estéticos.
Direção: Alejandro Jodorowsky
México/Itália, 1989.
O Produtor de Cinema Italiano Claudio Argento, irmão do Mestre Dario, no final dos anos 80 resolveu convidar outro Mestre: Alejandro Jodorowsky, para fazer um filme. Esse encontro cinematográfico gerou uma Obra-Prima do Cinema Extremo intitulada: SANTA SANGRE. Mais ou menos assim podemos resumir o que foi esse encontro. Claudio, após colaborar com o famoso irmão em diversas produções quis experimentar uma aventura saborosa ao produzir um filme para um dos maiores artistas do Séc XX. Inicialmente a idéia era a de fazer um filme de horror, sobre um Serial Killer, um Giallo por excelência. Jodorowsky pegou a idéia central e fez uma de suas obras mais pessoais e perturbadoras, recriando além do universo clássico do Cinema de Horror, algumas de suas paixões: o Surrealismo e o Universo Circense de Fellini.
O Cinema de Jodorowsky é “enciclopédico”. Ele parece ter o desejo feroz de colocar em cena o máximo de informação, de nuances, de filigramas, criando um universo único, uma constelação. Na abertura do filme vemos o filho do Diretor: Axel, paralisado sobre um tronco em um quarto, após vermos a imagem de um pássaro. Essa imagem da ave irá percorrer o filme sob diversas formas de representação. Fênix, a personagem de Axel, recorda seu passado. Vemos o vôo do pássaro nos transportando nessa viagem. Sua família circense é composta por uma mãe histérica e de um doentio fanatismo religioso. Ela lidera um grupo onde a maioria é composto por cegos onde todos vestem um manto vermelho, com dois “X” no peito. Sua seita ameaçada de destruição pela Igreja Católica e pela Polícia adora uma Santa que em seu martírio verteu sangue que segundo a crença encheu uma piscina no interior de seu templo. Temos então a Santa Sangre do título e o início de uma elaboradíssima Direção de Fotografia do italiano Danieli Nannuzzi, trabalhando com maestria os tons vermelhos que irão se desdobrar em uma cartela de cores de forte contraste como o azul, o laranja e o amarelo até o final do filme, em composições de imagens inesquecíveis onde Jodorowsky consegue transportar para a tela sua grande paixão pela pintura em toda sua complexidade.O ataque do Templo nos remete ao genocídio da Igreja Católica como representante máxima dos colonizadores espanhóis no México. Em seu transe religioso a mãe de Fênix luta de maneira quixotesca contra o poder do Estado. Quando somos transportados definitivamente para o universo do Circo, vemos uma série de composições muito fortes. A menina de rosto pintado andando sobre a corda em chamas é uma das mais belas imagens da História do Cinema em sua poesia surrealista encantadora. O pai de Fênix, o Atirador de Facas, tem uma mórbida e fetichista relação com sua partner, uma mulher tatuada de formas voluptuosas que a fazem parecer uma daquelas mulheres boazudas das Histórias em Quadrinhos para adultos. As tatuagens de seu corpo contém imagens que representam os quatro elementos. O ciúme da mãe de Fênix com relação ao marido e a mulher tatuada é doentio e terá desdobramentos trágicos. Logo nessas sequências de apresentação do universo circense e seus personagens característicos: anões, palhaços e outros artistas, vemos a inacreditável sequência do Enterro do Elefante. O cortejo com figuras surreais, o caixão gigantesco e os desdobramentos grotescos que imprimem na tela uma carnavalizada cerimônia coletiva, não tem precedentes na História do Cinema. O Horror, segundo Jodorowsky, foi o Gênero criado para a quebra dos limites estéticos.
É claro que a presença de Claudio Argento na Produção não passaria impune. Jodrowsky conseguiu satisfazer seu produtor e ao mesmo tempo ser fiel ao seu trabalho, suas idéias e obsessões estéticas. O Circo tem como lona a bandeira dos EUA, num efeito interessante e de crítica bastante sutil. A sequência do ácido em nada perde para os momentos mais inspirados de Mario Bava, Dario Argento e Sergio Martino. Os filmes Gialli, ou “Filmes de Crimen” como diz Jodorowsky, foram grande fonte de inspiração e a Direção de Fotografia nas cenas de homicídio é impecável. Jodorowsky quis imprimir o Belo e o Sublime dentro do Horror, e conseguiu de maneira brilhante. A cena da mãe de Fênix “crucificada” sendo mostrada do alto remete, segundo o próprio Diretor, ao ponto de vista de Deus sobre o Cristo na Cruz. A antiga colaboração de Jodorowsky com o Mímico Marcel Marceau aparece em uma performance inusitada sobre a “Criação do Mundo”.
A clínica em que Fênix vive internado ao lado de pacientes com Síndrome de Dawn é de grande importância para a trama e gerou uma das mais polêmicas cenas do filme onde em um passeio noturno os pacientes cheiram cocaína. Jodorowsky quis na verdade falar sobre a poderosa indústria das Drogas e seu alcance sobre as crianças. Nessa sequência noturna vemos além de Drag Queens e travestis verdadeiros, uma Prostituta Gorda, talvez uma das mais fortes imagens da iconografia de Fellini. A cena do assassinato na casa da Mulher Tatuada é, além de espetacular, de rara e perturbadora beleza, além de ter causado problemas com a censura norte-americana. Quando Fênix ressurge como um Atirador de Facas, revivendo o trabalho do pai, ele veste capa e cartola numa citação explícita da personagem dos quadrinhos: Mandrake. Outra brilhante citação explícita do filme é a do clássico da Universal: O HOMEM INVISÍVEL, de James Whale, na representação do desejo de Fênix em se tornar invisível. A presença da Mãe castradora como delírio edipiano extremo remete a figura mórbida da Sra Bates de PSICOSE, além de remeter também a toda a Galeria de “Mães Monstruosas” presentes na filmografia de Dario Argento. Na sequência do sarcófago no palco vemos também uma citação do clássico expressionista: O GABINETE DO DR CALIGARI.
A sequência das mulheres que saem dos túmulos foi um desejo do Diretor em homenagear A NOITE DOS MORTOS-VIVOS de George Romero, mas Jodorowsky buscou uma recriação de surreal e mórbido erotismo em um dos grandes momentos do filme. SANTA SANGRE é o filme mais “Felliniano” de Jodorowsky. Suas imagens inesquecíveis vão além do Gênero Horror como inicialmente fora pensado. Suas grandes qualidades estéticas, seu roteiro surpreendente e a busca pela representação extrema da Arte fazem dele uma Obra tão importante quanto EL TOPO e HOLY MOUNTAIN. Pessoalmente meu filme favorito de Jodorowsky é SANTA SANGRE. Seu poder de me surpreender a cada revisão é inigualável e a Direção de Fotografia é uma das mais bem elaboradas que eu já vi em toda a minha vida. A menina se equilibrando na corda em chamas... Que imagem sublime !!!
A clínica em que Fênix vive internado ao lado de pacientes com Síndrome de Dawn é de grande importância para a trama e gerou uma das mais polêmicas cenas do filme onde em um passeio noturno os pacientes cheiram cocaína. Jodorowsky quis na verdade falar sobre a poderosa indústria das Drogas e seu alcance sobre as crianças. Nessa sequência noturna vemos além de Drag Queens e travestis verdadeiros, uma Prostituta Gorda, talvez uma das mais fortes imagens da iconografia de Fellini. A cena do assassinato na casa da Mulher Tatuada é, além de espetacular, de rara e perturbadora beleza, além de ter causado problemas com a censura norte-americana. Quando Fênix ressurge como um Atirador de Facas, revivendo o trabalho do pai, ele veste capa e cartola numa citação explícita da personagem dos quadrinhos: Mandrake. Outra brilhante citação explícita do filme é a do clássico da Universal: O HOMEM INVISÍVEL, de James Whale, na representação do desejo de Fênix em se tornar invisível. A presença da Mãe castradora como delírio edipiano extremo remete a figura mórbida da Sra Bates de PSICOSE, além de remeter também a toda a Galeria de “Mães Monstruosas” presentes na filmografia de Dario Argento. Na sequência do sarcófago no palco vemos também uma citação do clássico expressionista: O GABINETE DO DR CALIGARI.
A sequência das mulheres que saem dos túmulos foi um desejo do Diretor em homenagear A NOITE DOS MORTOS-VIVOS de George Romero, mas Jodorowsky buscou uma recriação de surreal e mórbido erotismo em um dos grandes momentos do filme. SANTA SANGRE é o filme mais “Felliniano” de Jodorowsky. Suas imagens inesquecíveis vão além do Gênero Horror como inicialmente fora pensado. Suas grandes qualidades estéticas, seu roteiro surpreendente e a busca pela representação extrema da Arte fazem dele uma Obra tão importante quanto EL TOPO e HOLY MOUNTAIN. Pessoalmente meu filme favorito de Jodorowsky é SANTA SANGRE. Seu poder de me surpreender a cada revisão é inigualável e a Direção de Fotografia é uma das mais bem elaboradas que eu já vi em toda a minha vida. A menina se equilibrando na corda em chamas... Que imagem sublime !!!

