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Os Anjos Exterminadores

Por Gabriel Carneiro

Os Anjos Exterminadores
Direção: Jean-Claude Brisseau
Les Anges Exterminateurs, França, 2006.

Em Os Anjos Exterminadores, François é uma mera figura alegórica para o estudo comportamental de Brisseau sobre o sexo. A personagem de cineasta em projeto experimental é apenas uma convenção para que o verdadeiro retratista se imponha naquele ambiente de maneira mais natural; é o espectro da narração. Quando François faz as entrevistas e expõe suas idéias, Brisseau nos introduz a uma questão maior: o prazer do desconhecido. Para isso, claro, não deixa de manipular certos aspectos iniciais, como a situação que o levou a isso. Compreensível, pois é um artifício para não desgastar a imagética do que viria a ser tratado.

O prazer do desconhecido vem personificado no sexo, mas poderia ser qualquer outro objeto de análise. O que vale é o poder do voyerismo. O poder da observação, da câmera. O sexo vem com o ideal transgressor, de filmar o tabu e falar do tabu e tentar entender os seus efeitos. Porque, justamente, não é um filme sobre o voyerismo em si, mesmo que o efeito voyer aqui seja o mesmo que em, por exemplo, Janela Indiscreta, de Hitchcock. Ambos são observadores, e ambos possuem o controle da situação. Mais. Ambos exercem grande influência no que ocorrerá. Se François está fisicamente presente na cena, sugerindo; L.B. Jeffries está controlando tudo de sua janela, ao seguir cada passo de uma suspeita. Janela Indiscreta é um filme sobre voyerismo, só não é um filme de tabus.

Ao brincar com os tabus do sexo, Jean-Claude nos instiga a questionar nossas próprias atitudes perante o sexo. A beleza do filme está na descoberta paralela e simultânea à projeção. A câmera vai descobrindo assim como nós, passeando pelos corpos e faces, passeando pelos olhos do observador e do observado. Simples, quase amador em alguns momentos, o filme busca velar as imagens de um estudo. Na cena de sexo em que as três garotas participam, há um momento em que a câmera de Brisseau pára. Ele retrata, através de um plano geral, as três, ao centro, masturbando-se. Carícias se sucedem, e a câmera permanece estática. Nós as estamos olhando, estamos vendo, absortos, tal momento enigmático, aparentemente despropositado. E o que vemos, além de belas garotas se tocando? Estamos estáticos, porque estamos perplexos. E nisso que se observa os detalhes, talvez não importantes. Por exemplo, porque duas garotas parecem muito mais envolvidas entre si, e não com a terceira? E mais, dentro do que ocorre, somos invisíveis. François também. Ou não? Sua presença é ignorada pelas mulheres, mas não indiferente. E quais as conseqüências? Brisseau também quer saber.

O que vai diferir Jean-Claude de François é que enquanto o primeiro se interessa na questão como um todo, na vastidão comportamental fora da relação sexual em si, François se importa apenas com o que ocorre durante o ato. Nesse ponto, François é a cobaia do real cineasta. É a suprema da metalingüística.

A originalidade do filme está por tratar do voyerismo de maneira analítica. A câmera e François estão inseridos, mas funcionam como objetos cênicos. Aspecto que remete a A Tortura do Medo, de Michael Powell, com a diferença é que neste, o objeto tomará vida. Mas em ambos filmes, a câmera proporciona diferentes reações no que se é filmado. Em Os Anjos Exterminadores, feito em tempos ditos liberais, o sexo é uma prazer não omitido, por mais que ainda seja desconhecido.


E quem são os anjos do título? Os anjos funcionam como o âmago de François, sua consciência talvez - ou seria sua sedução? Elas controlam o que a ele vai acontecer, elas que propulsionam seu filme e que induzem as atrizes. São forças misteriosas. São os dedos de Brisseau.

A conclusão? No minimalismo dos anjos caídos, o que se vê é o deslumbramento pelo inconseqüente, pelo desconhecido, pelo hedonismo - e viva o hedonismo e o sexo, dirão -; mas o que fica é a inconsistência do ser humano, seu conservadorismo e sua hipocrisia. Brisseau brincou com o sexo e descobriu nele a essência do ser.




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