html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Coluna CINEMA Extremo
Especial Russ Meyer

Por Marcelo Carrard

Faster, Pussycat! Kill! Kill!
Direção: Russ Meyer
EUA, 1965.

Existe uma filmografia obscura nos Estados Unidos que é fruto dos mecanismos da Censura e da desigual concorrência com os grandes estúdios de Hollywood. Não se trata dos popularmente denominados FILMES B, mas sim de uma série de filmes ainda mais obscuros e extremos, feitos por autores absolutamente malditos, marginais e incompreendidos, como: Herschel Gordon Lewis e o genial RUSS MEYER. Meyer faleceu recentemente, em 2004, e não teve nenhuma homenagem ou grande lançamento mundial de seus filmes em edições especiais em DVD, sendo ignorado até hoje por boa parte de nossos snobes críticos que nunca reconheceram seus grandes talentos autorais, embora o Cinema de Meyer tenha muitos admiradores no Brasil.

Filho de um policial e de uma enfermeira, o jovem Meyer filmou e fotografou flagrantes da Segunda Guerra Mundial e foi um dos primeiros fotógrafos da ainda iniciante Revista Playboy. A violência e as Pin Ups foram suas primeiras imagens a serem trabalhadas artisticamente e foram representadas com maestria em sua filmografia de clássicos marginais, “feios, sujos e malvados”. Ele realizou em 1959 o primeiro filme com cenas de nudez nos EUA a conquistar uma bilheteria expressiva: THE IMMORAL MR TEAS. Assim como Tinto Brass, Joe D’Amato e Walter Hugo Khouri, RUSS MEYER sabia filmar as mulheres de maneira muito particular e emblemática. Exageradas, selvagens e extremamente peitudas, as mulheres dos filmes de Meyer são únicas e mitológicas. “Anti-Pin Ups” por excelência. Pin Ups de couro preto, mal comportadas e com muita atitude.

Dos muitos clássicos de Meyer podemos destacar os impagáveis MONDO TOPLESS, citado no filme MAMÃE É DE MORTE, BENEATH THE VALLEY OF THE ULTRAVIXENS, delirante produção do final dos anos 70 que levou a platéia da Sessão Comodoro ao delírio quando foi exibido e seu maior Clássico e mais popular filme: FASTER PUSSYCAT KILL KILL, lançado nos EUA em 1965. Bom, para se começar a falar sobre FASTER PUSSYCAT KILL KILL, é preciso tentar compreender o que seria sua protagonista: um ser, uma criatura, uma coisa que atende pelo nome de TURA SATANA. Já aos 13 anos essa jovem beldade infernal nascida no Japão, era dançarina exótica e aos poucos fez pequenos papéis na TV e praticou artes marciais. Sua personagem VARLA é uma força destruídora da natureza, com seu rosto quase transfigurado na figura de um travesti, peitos enormes, roupas pretas e cabelos longos da mesma cor. Brutal, violenta, selvagem, VARLA é um interessante arquétipo Pré-Feminista, com suas dominadoras atitudes masculinas onde participa de rachas de automóveis e cobre os machões de porrada.

Varla surge como a líder de uma gangue de mulheres selvagens e motorizadas. Mulheres dominando a direção de automóveis nos rachas que aparecem no filme são uma subversão para a época, colocando no Gênero Feminino um domínio de um signo idolatrado na América: o automóvel, difundido sempre como um elemento fetichista do Gênero Masculino. Ao espancar o homem no deserto, Varla, sem usar armas, subverte mostrando uma figura feminina destruindo com as próprias mãos um representante do poder masculino, algo totalmente inesperado para os padrões comportamentais da época. As representações femininas do filme são totalmente inversas ao padrão de beleza e fragilidade das estrelas de Hollywood difundido mundialmente como um modelo a ser seguido por todas as mulheres, ainda mais em uma época em que a televisão ainda não tinha a mesma influência que o Cinema. As locações no deserto auxiliam na construção de uma atmosfera hostil e tensa, acentuada pela fotografia em Preto e Branco. Os enquadramentos espertos e inspirados criam grandes composições onde essas mulheres infernais se destacam com grande intensidade.

As figuras masculinas do filme são emblemáticas. Temos o velho na cadeira de rodas com seu discurso político opressor, seu filho musculoso sexualmente reprimido e seu irmão mais velho que parece ser mais um observador daquele encontro entre o mundo fechado e sisudo do velho com aquelas mulheres de sexualidade intensa e de espírito subversivo e marginal. A questão dos jogos de sedução, os enfrentamentos entre homens e mulheres e a repressão da sexualidade encaminham a trama para uma ciranda de destruição e morte. Meyer mostra um retrato da sociedade norte-americana mais tradicional e profunda com um olhar muitas vezes niilista e em outras vezes com ácida ironia. O enfrentamento entre homem e máquina, a tentativa de estupro, a cena da faca extremamente bem composta, fazem do filme muito mais do que um deleite Trash como afirmam alguns, Meyer sabe o que está querendo dizer em cada cena. Os figurinos das mulheres são de vital importância, principalmente para os efeitos da fotografia. Tura Satana, a mulher de preto, com seu rosto inesquecível erguendo a mão como uma fera selvagem na cena final é um dos momentos mais emblemáticos da Obra de Meyer, uma imagem perturbadora e inesquecível.

Adorado pelas teóricas feministas de Cinema, idolatrado por uma legião de fãs ao redor do mundo: FASTER PUSSY CAT KILL KILL é um Clássico extremo que sempre merece uma revisão. A abertura do filme é muito interessante com uma voz masculina em Of falando ao espectador que eles estão sendo bem vindos ao mundo da violência, ao mundo onde as mulheres estão se transformando de maneira perigosa e inesperada e que essas mulheres podem ser desde suas vizinhas, a recepcionista de seu médico e até strippers. Linhas verticais aparecem na tela durante esse Of para em seguida vermos as selvagens strippers dançando com seus biquinis ousadíssimos para a época. Suas corridas de automóvel, suas vidas livres nas estradas me remeteram diretamente ás mulheres geniais de DEATH PROOF de Quentin Tarantino. Em FASTER PUSSYCAT KILL KILL, as mulheres realmente dão um show no volante de seus carrões envenenados. Grande filme !!! Grande Russ Meyer !!!



<< Capa