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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Deliciosamente saboroso. Saborosamente delicioso.

Sabrina
Direção: Billy Wilder
EUA, 1954.

Billy Wilder é um diretor ímpar. Seus filmes podem ser divididos em duas classes: os dramas fascinantes e angustiantes, e os adoráveis romances ou comédias. Enquanto no primeiro tipo, há uma grande carga emocional e sombria, usando-se muito da arte melodramática; no segundo, há um respeito tão grande à harmonia, aos gestos e olhares, que é impossível não se sentir renovado após a sessão. É quase um trunfo, pois, sendo assim, jamais se torna um diretor cansativo. Pode-se passar um dia assistindo a seus filmes sem se tornar mais do mesmo. Sabrina é do segundo tipo.

Sabrina é uma jovem garota, filha do chofer de uma família rica americana, que é apaixonada pelo filho mais novo do patrão. Após anos sendo ignorada, o pai faz um grande esforço e a manda para Paris para aprender gastronomia. Ao voltar, é uma nova pessoa. Adquiriu requintes, etiqueta, classe. Ao voltar, passa a ser notada. Só que ele está noivo, um noivado por razões econômicas, e seu irmão mais velho começa a passar mais tempo com ela. O futuro assim lhe parece incerto.

Dramático, não? Porém ao retratar a vida dessa garota, coloca-se uma aura em sua personagem. Ela sempre fora bela, só não chique. Muito mais, esse garbo e elegância vêm de uma nova maturidade. Ela ainda gosta de David Larrabee, e é algo tão platônico, como uma desculpa para continuar estudando e se tornar alguém da alta sociedade, mas a convivência e a nova experiência de vida lhe dão um novo suplanto. Ela torna-se capaz de ver além da idealização, de ver através de uma agradável noite. O mundo a seu redor parece adquirir novo significado, a ponto de ela ponderar as incertezas. Do outro lado, vemos dois irmãos: o centrado e mais velho, e o jovem inconseqüente. Um crê que jamais poderá casar, pois a trairia com o trabalho – e não há traição pior -, o outro já casou três, é mulherengo e nunca sabe ao certo o que fazer.

De novo: dramático, não? Mas Wilder sabe contar causos que poderiam ser melancólicos de maneira tão leve, tão despreocupada, pois sabe, assim como nós, que tudo vai dar certo ao final. De uma maneira ou de outra, ela terminaria feliz, seja com um, com outro, ou sozinha. Nem era essa a questão. Para Wilder, o final é um anexo apenas, não é ele que determina a razão de ser do longa, e sim o convívio dúbio da Sabrina: a relação com os dois irmãos. E é tão belo, pois mesmo na competição, há uma grande cumplicidade entre eles. O resultado não importa para ambos também, assim como Wilder, vislumbram apenas a felicidade da moça. Caminhando em passos curtos e despojados, a película imprime um subterfúgio digno da indiferença, mas nos olhos da câmera percebe-se um prazer quase voyeur em mostrar essa ascendente dama.

Cabe aqui uma comparação com um dos grandes filmes de François Truffaut. Jules e Jim – Uma Mulher para Dois é a versão moderna de Sabrina. Em ambas as histórias, a mulher, alçada a uma posição de clara superioridade, fica na incerteza de dois amores. O que muda é a maneira com que se constrói a história. No francês, o mundo é boêmio e bucólico, a vida cheia de prazeres obscuros a se descobrirem. São os tempos modernos. No americano, a sociedade é a tradicional empresarial americana, que alterna entre o insipiente e a magnânima. Porém a fluência e liberdade com que ambos tratam o tema colocam tais mulheres como algo a ser compreendido e alcançado, sem se tornarem esteriotipos.

Ao término, compreende-se: a vida pode ser melhor. Billy Wilder, Audrey Hepburn, Humphrey Bogart e William Holden fazem isso no monumento a um dos mais doces clássicos romances cinematográficos, um filme sobre uma meiga garota chamada Sabrina e seus dois amantes inveterados.


*agradeço a José Augusto Dias por ceder gentilmente a cópia do filme.




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