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Coluna CINEMA Extremo
Especial Russ Meyer
Por Marcelo Carrard

Beneath The Valley of The Ultra Vixens
Direção: Russ Meyer
EUA, 1979.

Uma das grandes obsessões estéticas de Russ Meyer sempre foram os peitos femininos. Grandes, monstruosamente grandes. Essa fixação gerou o clássico de 1966: MONDO TOPLESS. Com o passar do tempo Meyer foi depurando o seu estilo e desnudando suas musas robustas. A cada filme ele subverte as Pin Ups transformando-as em algo que transpõe gêneros. Além de agressivas e com muita atitude, as mulheres de Meyer possuem extremos que as tornam mais intensas que as figuras dos travestis. Nada de rostinhos de beleza óbvia, na verdade a crueza de sua sexualidade exposta na tela busca uma singular dicotomia entre a fealdade e o mitológico.

O cenário de sua produção de 1979: BENEATH THE VALLEY OF THE ULTRA VIXENS, é o da pequena cidade norte-americana. No filme ele experimenta e fragmenta sua trama quase radiofônica em seus ruídos sonoros e estéticos. O grupo de mulheres em sua fúria transgressora do desejo é mostrada com uma mistura interessante de linguagens. Vemos suas mulheres de peitos exagerados e rostos quase disformes, negando a beleza desses rostos que sempre foram uma marca do cinema norte-americano e suas imortais estrelas. Meyer nega essa representação do rosto belo e marcante, pelo contrário, mostra as "estrelas"” pelo seu avesso.

Um flerte com o cinema transgressor que chafurda o lixo de diretores como John Watters, aparece em cenas de ambientação em cenários devastados, de depósitos, de ferros-velhos. Em outros momentos busca a recriação do HQ erótico clássico como na cena de sexo onde vemos detalhes elaborados como a luz passando pelas frestas da janela sendo projetadas na parede, com a nudez libertária e safada de uma mulher, beirando o sexo hardcore. É muito interessante um fragmento de sequência onde uma mulher de enormes seios sai nua da água, se movendo como um ser selvagem, inserido na natureza. Essas mulheres de libido desenfreada são um pesadelo para os homens, que sempre foram coadjuvantes nos filmes de Meyer. Poucos diretores representaram a mulher no cinema com a singularidade de Meyer. Pode até se fazer uma leitura feminista dessas representações do gênero feminino. Em uma época e em um país como o do diretor, onde a sexualidade é reprimida por culpas puritanas, seus filmes surgem como um grito marginal contra a caretice norte-americana. Tanto nesse, como em outros filmes do diretor, as mulheres buscam o desejo e encarnam uma atitude de revolta contra o mundo masculino. Elas surgem em cena, com seus peitões e atacam os homens sem dó nem piedade.

Quando esse filme foi exibido em uma histórica Sessão Comodoro me lembro claramente da reação do público dividido entre o impacto desagradável dos ruídos e a forte carga erótica do filme. BENEATH THE VALLEY OF THE ULTRA VIXENS é uma obra repleta de côr, fúria e anarquia. Essa anarquia está em toda a estrutura do filme, sem a linearidade de outros filmes como FASTER PUSSYCAT KILL KILL. Por se tratar de uma Obra do final dos anos 70, já se percebe uma ousadia maior, um desnudamento explícito dos corpos. O conjunto dos fragmentos ordenados cria um filme de grande liberdade criativa, de despudor, de deslimites. Com o poder de encantar e ao mesmo tempo causar o desconforto do espectador, BENEATH THE VALLEY OF THE ULTRA VIXENS é sem dúvida o mais autoral filme de Russ Meyer e tem encantos que merecem ser descobertos, mesmo com os comentários lamentáveis de muitos críticos caretas que nunca reconheceram o talento desse diretor genial.



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