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Coluna do Biáfora

CASANOVA DE FELLINI

Por Rubem Biáfora, artigo selecionado por Sergio Andrade

Chega-nos enfim o celebrado “Casanova” que Fellini iniciou em julho de 1975, orçado em nove milhões de dólares e com um prazo de filmagem previsto para nove meses. Mas houve atrasos, estouro de orçamento e até um roubo de negativos já impressionados. Nenhuma dessas catástrofes parece que foram tão nocivas ao filme quanto as cópias que aqui lhe foram impostas e os prudentes e “respeitosos” cortes e reduções que aqui sofreu (e até temos vontade de dizer que mais do que a censura, tais estragos precisariam ser imputados ao mau tipo de predomínio “intelectual” e “aprés moi le deluge” de que cronicamente padecemos, do que a qualquer outra causa mais oficialmente cerceadora). A verdade é que ninguém quer nada com nada e só a própria pele e bolso é que contam. Em todo o caso, o filme aí está, muitos meses depois de seu lançamento no Rio. E é bem a visão, talvez desconversadora, talvez auto-flageladora (embora inconsciente) que o narcísico e complexo-complexado cineasta com confessada (ou astuciosamente propalada) má vontade fez da exaustiva e nada “gratificante” vida do mitificado hiper-amante veneziano. “O personagem me desgosta”, a todo momento proclamava Fellini. E talvez por isso mesmo, ao invés de um galã “comme il fault” à Robert Redford, um “machão” italiano como Gian Maria Volonté ou um similar internacional (que tanto pode parecer italiano, como árabe, inglês ou guarda-florestal franco-canadense, alemão ou mexicano) como Oliver Reed, o escolhido foi Donald Sutherland, por “ter um rosto apagado, vago, aquático, que faz lembrar Veneza”, como diz Fellini. Ou uma “cadavereus person”, conforme observou o crítico John Pyn no “Monthly Film Bulletin” de agosto de 77. O fato é que o “Casanova” de Fellini é um ser desgostoso, desgastado, abúlico, fora “fora de seu próprio contexto”, para usarmos de uma imagem cretina muito em voga. Mas de qualquer maneira é um filme de Fellini, com toda a sua imaginação delirante, suas fixações, seu egocentrismo e – por que não? – sua capacidade de impor seu cinema como ele só. E um filme ao qual não faltou nenhum tipo de apoio prévio, incondicional e internacional que, queiram ou não, é capital na obtenção de nível e no atrevimento a quaisquer promocionais audácias para qualquer obra de arte. Examinemo-lo pois.

* Publicado originalmente no “O Estado de São Paulo” de 08 de abril de 1979



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