html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
A Mulher Infiel

Por Filipe Chamy

A mulher infiel
Direção: Claude Chabrol
La Femme Infidèle, França/Itália, 1969.

Ainda não se descobriu a fórmula para um casamento bem sucedido. Há casais que estão juntos há anos, por puro acaso ou hábito. A maioria pretende se conhecer muito bem antes de qualquer avanço oficializado. Mesmo entre esses, a estabilidade não é garantia; traições, decepções, mentiras e enganos são constantes. É clichê falar, mas não é incorreto: para toda relação sentimental, é necessário haver confiança. Se não, a parceria está fadada ao fracasso. Com ou sem amor.

Claude Chabrol, outro diretor cinéfilo fiel discípulo de Hitchcock, entende a essência desse drama cotidiano e feroz, o da infidelidade. Sabe que uma mulher (Stéphane Audran, então sua senhora) pode procurar outro homem por alguma razão qualquer, sem ser exatamente uma esposa omissa ou cínica, e que um homem (Michel Bouquet) pode ter sua vida devassada por conta dessa desconfiança que cresce e se apodera de seu controle e de seu estado sempre tão manso e pacífico.

O filme é inteligente, sobretudo, porque não condena os personagens por falhas que não são devidas a eles, mas a todo o contexto em que estão envolvidos. Em outras palavras, Chabrol não é estúpido, nunca deixa a mulher parecer uma bruxa, saída fácil e cômoda, mas sim a retrata como uma mulher que ama o filho e trata muito bem o marido. Se seu sentimento pelo esposo é verdadeiro, não cabe a ninguém julgar. Até porque as circunstâncias grotescas da história não permitem a ninguém analisar com facilidade os caracteres das pessoas e situações. O marido também apresenta esses desvios que não são tão contornáveis como pensamos. Até chegar ao extremo de matar um homem.

O homem mata a conseqüência (o amante), não a causa (a mulher infiel), pois acredita que assim estará conservando sua vida perfeita. Mas esquece do psicológico de sua companheira, e, portanto, daí nascerá o problema. A dificuldade de se livrar do corpo (e não de assassinar o alvo, como ocorria na Cortina rasgada hitchcockiana) e acabar com qualquer vestígio de crime — numa lição de metáfora e cinema, o diretor faz sua criação limpar o sangue derramado —, não faz a ação desaparecer, nem tampouco seus efeitos, mas o impulso irrefreável de matar o amante é que acaba por acionar essa cadeia de acontecimentos íntimos, em que os personagens não podem se comunicar, e um deles (o marido) é o possuidor da chave do mistério, e o outro (a mulher) é a vítima inocente, mas nem tanto. Porque a mulher não sabe que o marido descobriu suas aventuras extraconjugais, apenas vê sua segunda existência, a secreta, desabando pouco a pouco, e deixando pistas que poderão complicar sua primeira existência, a oficial.

O mais curioso talvez seja o choque surreal de valores, com o amante totalmente relaxado ante o marido, acreditando estar numa conversa franca com um amigo, mesmo após a revelação de sua identidade. Chega até a mostrar a cama onde consumava o ato sexual com a mulher do outro homem! Tudo isso é muito forte ao espectador, e não há espaço para falsos moralismos. A direção do filme faz o público aclamar o homicídio (pois um sujeito que recebe da amante presentes que ela recebia do marido certamente não parece coisa boa) e se inquietar pela sorte do sobrevivente do duelo, que age com certa razão.

Ocorre que isso tudo acaba com a harmonia do casal casado. Lógico, pois a comédia encenada pelos dois é desmontada, até pela própria covardia e insegurança dos dois. As mentiras se acumulam, mas a polícia precisa de culpados, e após algumas investigações descobrem toda a farsa. E as convenções não punem a traição moral, só o crime “real”. De qualquer modo, os dois são igualmente culpados. E igualmente inocentes, pois agem nas sombras e se amam na culpa.




<< Capa