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Especial Augustas
Augustas: Off record

Por Gabriel Carneiro


Colocando a câmera nos trilho do carro

Dia 20 de abril era o último dia de filmagem da estréia de Francisco César Filho, o Chiquinho, nos longas-metragens. A assessora de imprensa, Valéria Blanco, informou-me que o plano inicial era começar às 22h30, na própria Rua Augusta, tradicional rua paulistana, que apresenta a dicotomia entre a riqueza e o corrompido. Às 12h23 do dia 20, recebo um e-mail com informações mais detalhadas. Tudo começaria às 23h30, no Las Jegas. Mas, como ela mesma disse, em cinema, o “plano pode mudar”. E mudou. Quando cheguei lá, às 23h30, no Las Jegas, na Rua Augusta, o movimento já havia começado. Havia um burburinho. Chiquinho e sua equipe olhavam na tela o que acabava de ser filmado. Corre para lá, corre para cá. Do outro lado da rua, a técnica armava as luzes, a fiação, a câmera... Mais uma cena seria rodada. Dessa vez, estaria lá.

Não sei precisar em que momento estaria aquela cena, a cena de um beijo, mas, provavelmente, no final do filme. Foi uma tomada rápida, de alguns minutos. A câmera acompanhava o beijo, e depois escorregava num começo de panorâmica da rua. Claro, como qualquer filmagem em São Paulo, há um bando de curiosos, e todos que passavam olhavam, ou simplesmente paravam. A cena teve de ser repetida. Afinal, quando a câmera desliza, todos permaneceram de olhos nela. Eu era um deles. Logo procurei falar com alguém da equipe. Meu primeiro contato foi com a assistente de direção, Gabriela Ribeiro. Fui concentrado com o resto da equipe. Eu era a única pessoa da imprensa naquele dia, isso é, se eu puder ser considerado imprensa. Conversei com a outra assistente de direção, Tarsila Araújo, muito simpática.

Pouco após minha chegada, às 23h50, a equipe foi liberada para uma hora de jantar, que era servido na sede da produção, na Rua Dona Antônia de Queiros, travessa da Augusta. Ao término da cena do beijo, já havia mais de 5 horas de filmagem naquele dia.

Após o jantar, seriam feitas as filmagens no Gurgel, um carro de feições estranhas. Dentro dele, Milhem Cortaz, Mário Bortolotto e Ziza Brizola, percorrendo a cidade, confabulando, e mostrando o cenário essencialmente paulistano. Bortolotto é o ator principal da trama, interpretando Alex Antunes. A preparação do veículo foi longa, começando por volta da 1h. Gurgel, o carro, estava ligado a uma caminhonete, por um espécie de guincho. A equipe em número reduzida era levada na caçamba da caminhonete, comandando as cenas. No Gurgel, foi adaptado um maquinário, um trilho, que permitia a acomodação e movimentação da câmera. Demorou-se muito para isolar o carro, as saídas e conexões das janelas, além do trilho em si e da instalação da câmera.

Comentava-se que usar dois carros era muito fácil, e que deviam ter feito aquilo antes. O esquema anterior era Milhem dirigindo o carro, e não fingindo que o fazia. Isso deixava o ator e o carro cansados, pois era desprendido um excesso de energia para aquilo que não era necessário.


Acima e ao lado: arrumando o Gurgel

A técnica é muito concentrada naquilo que faz. Foi mais de uma hora de preparação do carro. Enquanto isso, Bortolotto fica na espera, ao som de seu iPod – que só desliga na ambientação da cena -; Chiquinho repassa o roteiro, imaginando possíveis mudanças nas falas – algumas lhe desagradavam -; Milhem Cortaz fazia piadas, conversava com todos que estavam ali, brincava – ele passava o espírito descontraído do set, mesmo que, segundo ele, seu bom humor só funcionasse “antes da 0h, e depois das 5h” -; o pessoal da equipe técnica que por ali estava para suporte falava de futebol, das coisas estranhas da filmagem, contavam causos de amigos dos amigos, e interagiam bastante com os atores. Quem instalava a câmera comentava que seria necessário parar para trocar os rolos de negativo. Pretendiam usar 30 metros, ou seja, 3 rolos de 10 metros cada, porém só era possível acoplar na câmera 20.


Descontração e integração entre técnica e atores

A marcação dos atores durou 30 minutos. Entraram no carro, testaram o som, a imagem... Milhem brinca com a câmera, todos riem. Tudo funciona de maneira muito tranqüila. A comunicação está em sintonia. Não apenas através das escutas que carregavam, mas pelos olhares trocados. Era 2h30 da manhã quando finalmente partiram para rodarem as cenas. Infelizmente, não foi possível acompanhar.


Chiquinho e Raulino checam o Gurgel

Paralelamente à preparação e à filmagem, parte da equipe já festejava o término das noites mal dormidas, do trabalho duro, mas recompensador, dos dias de Augustas. Depois do dia 20, apenas a pós-produção trabalharia. A atriz Georgina Castro – que terminara sua última cena poucas horas antes – aglomerava-se com a equipe num boteco da Augusta que permanecia aberto. Era 3 horas quando cheguei. Muito bradavam gritos orgulhosos, cantavam, comemoravam, regados de muita cerveja. Ao fundo, colocavam Roberto Carlos cantando Jesus Cristo. O álcool contagiou a multidão de mais de 20 pessoas que ocupavam todo espaço do local – era mais da metade da equipe, composta de 42 pessoas, mais os motoristas -, e, em seguida, Sidney Magal canta potentemente seu hit O Meu Sangue Ferve por Você. Os transeuntes da rua, muitos bêbados, paravam ali para entender o que ocorria e por ali ficavam. O fotógrafo de still, Tuca Vieira, aproveitava – melhor, continuava a trabalhar -, capturando várias imagens da festa. Os que não mais trabalhariam, não mediam esforços em engolir garrafas de cerveja Skol, enquanto outros que sabiam que ainda trabalhariam, bebiam moderadamente.

Uma dessas pessoas que viravam timidamente um copo de cerveja era a estagiária de direção Lígia Roca, que me introduziu ao mundo de Augustas. Às 3h45, eu, ela e mais três pessoas abandonamos o bar, entramos na van de figurino, e fomos para a Rua Conselheiro Ramalho, travessa da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. As filmagens se encerrariam ali, com a captação da fachada da casa em que ocorriam os rituais xamânicos. A preparação do cenário durou mais de 1h30 e terminou às 5h15. O microfonista escalava o prédio para melhor posicionar seu instrumento, o diretor de fotografia Aloysio Raulino fazia caras e bocas para encontrar o enquadramento e a luz, os figurantes movimentavam-se de acordo com o requisitado...


Ensaio.
Em cima: Ziza Brizola, Bortolotto e Milhem saem do Gurgel
Em baixo: Gabriela Ribeiro, Maíra Chasseraux, Chiquinho e Selma Egrei.

Primeiramente vieram os ensaios, o pessoal sai do Gurgel para encontrar MaRuth na porta, a personagem de Selma Egrei. É nessa cena que a esposa de Alex Antunes, o original, faz uma ponta. Antunes sempre acompanhou o que se fazia. Com o amanhecer, vieram os ônibus e seus barulhos de motores; os carros que insistiam em atravessar aquela ruela; as viaturas policiais que vigiavam, e ao mesmo tempo, pareciam querem aparecer no filme; as pessoas atravessando o meio do cenário, voltando de baladas, e falando “não me filma, não”, “não quero aparecer”, e mesmo assim fazendo questão de passar em frente à câmera. Isso tudo causou um pequeno atraso: se o sol viesse antes do término daquele último suspiro de filmagem, teria de ser refeito no dia seguinte. Naqueles dias outonais, o sol nascia às 6h22, brincava o pessoal da direção.


Preparação para as filmagens

Não foi preciso mais um dia, porém. Assim como planejado, às 6h, estouraram a champagne. As filmagens terminaram, e agora, outra correria começaria, para o primeiro corte chegar em setembro, e o filme ser submetido a festivais nacionais e internacionais, para as primeiras cópias estarem prontas em novembro, e para o filme ser lançado no primeiro semestre de 2009.



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