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Charlton Heston - uma semi-crônica

Por Gabriel Carneiro

Heston morreu no dia 5 de abril de 2008, e desde sua data de morte, aos 84 anos, muito foi publicado, falando basicamente duas coisas: como o ator hoje em dia era lembrado pela polêmica aparição no documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine; e como isso era uma injustiça, não só pela captura sensacionalista da câmera Moore, como por ter sido ativista ‘democrata’ no passado. Isso somado à menção de alguns de seus títulos mais importantes.

Acho um tanto hipócrita. Só porque ele morreu, todos resolveram redimi-lo. Assim, como quando Tiros em Columbine foi lançado, resolveram crucificá-lo. Acho tristíssimo que a memória de um ator tão bom e tão importante se relegue a três minutos de manipulação. Pior, no ano do filme, já tinha sido divulgado publicamente sua debilidade, seu problema com o Mal de Alzheimer. Há tanto para se falar dele, e discutem justamente o passado ao lado de Kennedy e Luther King, e o ‘presente’ como recente ex-presidente da Associação Nacional do Rifle (National Rifle Association). Charlton Heston é importante pelos seus filmes, e não pela sua vida pessoal e política. Parece que ele foi importante por ter figurado na coluna social como polemista. Fosse liberal, fosse conservador, foi um ator inigualável, que estrelou filmes belíssimos e importantíssimos.

Conheci Charlton Heston através de Ben-Hur, filme de 1959, dirigido por William Wyler. Até hoje, dos que vi, é o que mais gosto, um de meus filmes preferidos. Gosto muito de filmes épicos, em especial dessa época. É impressionante o efeito de austeridade e benevolência do filme, que conjuga magnificamente a religião – a cena em que supostamente Cristo dá água a Ben-Hur é uma das mais belas construções do cinema – com a aventura. Nesse filme, Heston ganhou o Oscar de Melhor Ator, merecidamente.

John Charles Carton nasceu dia 4 de outubro de 1923, em Evanston, Illinois, EUA. O primeiro papel do ator foi no filme amador Peer Gynt, de David Bradley, em 1941. Em 1944, alistou-se para a Segunda Guerra Mundial. E em 1950 sua carreira de fato começaria. Nessa nova fase, o filme em que se iniciaria seria Cidade Negra, um filme noir de William Dieterle.

Faria filmes importantes com diretores renomados, como O Maior Espetáculo da Terra, de Cecil B. DeMille, em que mostra todo o esplendor do circo, e A Fúria do Desejo, de King Vidor, em que se aborda a veracidade de um crime. Além de filmes comerciais, de puro entretenimento, como A Selva Nua e O Segredo dos Incas. Mas só teria seu nome alardeado no papel de Moisés, em Os Dez Mandamentos, em 1956, de DeMille.

Esse filme merece um parágrafo à parte, não só pela importância na carreira de Heston, que equilibra o poder e a humildade do hebreu de criação egípcia, como pelo marco que é o filme em si. Refilmagem do filme do próprio Cecil B. DeMille, a obra apresenta efeitos visuais inovadores, e um caráter épico fantástico – sabia ser grande, sem cair na redundância. É um filme, que assim como Ben-Hur, definiu minha cinefilia.

Em 1958, trabalharia com Orson Welles, em seu A Marca da Maldade. Considerado um dos melhores trabalhos de Welles. E faria a primeira parceria com Wyler, em Da Terra Nascem os Homens. Com o furor que foi Ben-Hur, passaria a fazer mais épicos, até sua carreira cair num semi-ostracismo. Seriam três espetaculares, dois de Anthony Mann, El Cid e 55 Dias em Peking, e um de Carol Reed, Agonia e Êxtase, em que interpreta Michelângelo. Fez também A Maior História de Todos os Tempos, de George Stevens, e O Senhor da Guerra, de Franklin J. Shaffner. Porém, foi com uma ficção científica que Heston mudaria sua carreira, quebrando o cada vez menor número de papéis: O Planeta dos Macacos, de Shaffner, filme marco, em que coloca a civilização dominada por primatas. O filme até hoje é lembrado pelos amantes do gênero, e deu um novo prospecto para o ator, que na década seguinte passaria a fazer ficções científicas e filmes catástrofes, como Aeroporto 75 e Terremoto.

Infelizmente, sua carreira praticamente acabou aí. Nas duas décadas que se seguiram, fez um enorme número de bobagens, de filmes menores e sem importância. É trágico pensar que entre seus últimos filmes está Como Cães e Gatos e Ricos, Bonitos e Infiéis. O único que resolveu lhe prestar uma homenagem foi Tim Burton, que adora revitalizar seus astros preferidos, chamando para um pequeno papel em O Planeta dos Macacos, de 2001.

Heston, no cinema, ficou marcado por papéis heróicos, de típico bom mocinho: bravo, íntegro, austero, sensato, passional, e que tem clara em sua mente as percepções morais. Porém, por mais que pudesse parecer um almofadinha, metido e, além de tudo, chato pelo excesso de pieguismo, o ator fez um novo personagem a cada interpretação, mesmo que com tais características básicas.

Charlton Heston foi muito mais do que a trágica imagem de Tiros em Columbine, e muito mais do que o homem que lutou pelos direitos civis, na década de 60, foi o homem que contemplou o cinema, e com ele aprendeu que um bom ator e uma boa atuação são fundamentais para o cinema, já que são a personificação de uma história, muitas vezes grandiloqüente. Foi com Heston, e outros nomes desse cinema clássico americano, que despertei para essa arte. Não tem como julgá-lo, senão como um grande homem, por toda sua contribuição ao cinema.



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