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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Agonia e Êxtase
Direção: Carol Reed
The Agony and the Ecstasy, EUA, 1965.

Um dos mais célebres papéis de Charlton Heston foi seu Michelangelo, o pintor e escultor renascentista, nascido em Florença, Itália. O artista plástico ficou conhecido, entre outras obras, pelas suas esculturas David e Pietà, e pela representação da Bíblia no teto a Capela Sistina. Agonia e Êxtase retrata a vida de Michelangelo, do papa Julius II, interpretado por Rex Harrison, e do árduo trabalho na Capela.

É-se muito dito por Michelangelo, ao longo do filme, que ele não é pintor, e sim escultor. O prólogo é uma tomada ao longo de suas obras, uma espécie de guia para conhecê-lo melhor, e dizem: “Michelangelo era o pintor que não queria pintar”. Contratado pelo Papa para fazer o teto, o escultor não teve como recusar um ‘pedido’ papal. Essa é sua agonia: não quer fazer algo que julgue medíocre, que não lhe dê prazer, e que o faça sofrer tanto fisicamente – a estrutura abobadada do local, a vários metros de altura.

Agonia e Êxtase acompanha os quatro anos em que Michelangelo pintou o teto da Capela Sistina. As desistências e desilusões, o diletantismo de ambos, a inveja, a corrupção, a destruição, as doenças... Nesse percurso, vemos dois heróis, dois homens que criaram algo maior que eles, maior que seu símbolo, maior que a própria Igreja. Em um momento do filme, o Papa Julius II fala ”artistas não precisam provar sua fé”. Essa é a derradeira conclusão, a obra de arte é muito maior que o seu contexto e seu autor – é essencial, porém, o conhecimento de ambos para um melhor entendimento do objeto de análise -, ela sobrevive a tudo isso. O que importa e fascina nas artes é seu subjetivismo, sua fascinação, seu olhar. O filme de Carol Reed faz isso, uma homenagem a uma das mais belas pinturas que o mundo conhece, por toda sua representação estética, por instigar tanto de quem olha.

Nesse viés, entra a importância da dupla central de atores. Charlton Heston é o homem por trás da obra, que enfrentou a todos e soube ser homem de si mesmo. Abandonou o amor platônico pela mulher e pela vida, para dedicar-se à sua arte, à sua visão de mundo, à sua visão de um Deus tranqüilo e de um homem puro - corrompido por si mesmo e por sua raça. Ele soube fazer como poucos atores a encarnação perfeita do herói épico, e do herói religioso, do homem que não teve medo de ser bravo e de se superar. Heston é o paradigma da aventura divina: não se abstém perante as dificuldades, é heróico, e mesmo assim extremamente humano, como já desenhava a mitologia grega. Rex Harrison é a “mulher por trás do homem”, ele, como Papa, é quem instiga a façanha, insiste, briga, espanca, porque vê que Michelangelo pode fazer mais e melhor. Sua ironia e fraqueza física se contrapõem ao quase divino artista, aquele que criou a vida eterna.

Dentro do filme, a religião assume um lugar de suplício diante da obra. Por mais que a contrarie ou a destrua, ou mesmo, que a patrocine e a instigue, ela se submete. Muito se diz sobre a importância da religião, que dominou toda e qualquer forma de expressão subjetiva. A religião, ou como preferirem, a Igreja, não é representada como realmente agia, por mais que tente não fugir muito do protótipo. Parece que se faz o filme para responder à grandeza de monumentos seculares, como subalternos da arte. Por mais que tenha sido a Igreja que tenha construído a Basílica de São Pedro, a Capela Sistina, e muitas outras obras, ela é isso, somente quem permitiu. O teto da Capela Sistina é hoje muito maior do que Michelangelo ou que o Papa Julius II, e mesmo que a Igreja, assim como o David agigantado.

Não é à toa que o épico religioso sobre a obra renascentista funcione como metáfora para nossos tempos e seus filmes. É claro que são obras autorais, e que podem, muitas vezes, definir quem a criou, mas sua importância extravasa o fato de Agonia e Êxtase ser dirigido pelo Carol Reed, um importante cineasta do cinema clássico americano. Ou mesmo de ter no elenco dois grandes atores do período, dos maiores, representado dois homens que também eram gigantes. Seja como recriação de um período histórico, como adoração, ou como reflexão da obra de arte, o filme se encontra, forçando-nos a observar.

Somos insignificantes. Nós pereceremos, mas não o que fizemos.




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