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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal
Direção: Steven Spielberg
Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, EUA, 2008.

Alguns leitores ficarão com um pé atrás quando olharem o filme da coluna do mês. Afinal, faz pouco mais de duas semanas que o filme teve sua estréia mundial, e ainda não houve nenhum distanciamento histórico para essa nova aventura de Henry Jones Jr, que agora vai atrás do mito da cidade de El Dorado, e das Caveiras de Cristal. O seu diretor, Steven Spielberg, é um dos que, atualmente, melhor sabem combinar elementos do cinema clássico e do cinema moderno. Porém, Indiana Jones em todos seus segmentos é exemplo do cinema clássico hoje. Inspirado nas cinesséries, de guerreiros bravos, que se indispunham com a natureza e com a História, a personagem de Harrison Ford hoje é um mito da união da sabedoria e da brutalidade.

Feito 19 anos após o brilhante – e melhor episódio – Indiana Jones e a Última Cruzada, passando-se exatamente 19 anos depois. Não estamos mais em 1938, momentos antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Os vilões não são mais os nazistas. Estamos no território do grande medo americano, estamos na Guerra Fria. Os soviéticos são os malvados. Spielberg e George Lucas já estavam vivos nesse período. Muito do universo formador da geração da década de 70 é desse meandro dos anos 50. Diante do pavor do ataque soviético, do medo da guerra nuclear e da falta de confiança no próximo, diversos filmes de baixa produção foram feitos. Com o teste da bomba atômica no atol de Bikini e com o incidente de Roswell, em 1947, o encantamento por um passado onírico se desgastou, e surgem a invasão alienígena, os agentes infiltrados, e a mescla de dois universos: o da fantasia e o da paranóia.

O tratamento dado ao contexto, somado às usuais intrigas da série resultam num delicioso exemplo de cinema comercial elaborado. Longe de ser preguiçoso, ou apenas mais do mesmo. É mais do mesmo, mas é condizente com o mito e com o contexto. Indiana Jones foi atualizado, sem perder a identidade. Entre os elementos, está o conceito de agente duplo – e de traição -, de perseguição aos possíveis comunistas, de seres extraterrestres... Esse novo mundo é somado ao tradicional de seus filmes dos anos 80: lugares perdidos, lendas, objetos arqueológicos míticos e escondidos, situações extraordinárias, insetos gigantes...

Spielberg e Lucas sempre tiveram um fascínio pelo mundo intergalático, é só rever seus principais filmes. Em 1977, Steven dirigiu Contatos Imediatos de Terceiro Grau, que talvez seja a maior ode ao mistério desses seres. Ele foi um dos precursores em mostrar o alienígena num plano de igualdade, e de estranheza, sem representar necessariamente uma ameaça. Na nova aventura de Indy, o caráter alienígena só será revelado no final. O que se sabe é que tudo indica que as Caveiras de Cristal, crânios de cristal brilhantes e com alto grau de magnetismo, de formato ovalado, sejam resquícios de civilizações não terráqueas. A isso, une as selvas amazônicas, as civilizações incas e maias, insetos – a cena com as formigas gigantes é um deleite para os fãs -, e a lenda da cidade do tesouro. Muito já foi dito - especulações, claro - sobre o legado dos impérios indígenas latino-americanos: seriam criações de seres interplanetários, assim como as pirâmides do Egito.

Indiana agora com está com mais de 60 anos – realmente o fato de a personagem envelhecer com o hiato da série foi uma grande sacada. Menos ágil, mais frágil, mais melancólico, mais incerto em relação ao mundo. Ele assumiu o papel de Sean Connery no terceiro filme da série, mostrando, com humor, as conseqüências da idade. Para isso, ele é contraposto ao jovem Mutt, um garoto rebelde que largou a escola. Essa nova aventura é como um resquício do passado, uma tentativa de reviver a glória, de sentir o gosto do perigo pela cultura. A artimanha da dupla produtora foi eficiente. Indiana Jones faz diversas tiradas com sua idade ao longo do filme – e não há nada melhor do que alguém que não se leva a sério.

Ao passo que conhecemos os personagens centrais da trama – Indy, seu antigo amor, seu antigo companheiro de CIA, Mutt, Irina Spalko (a vilã) e Ox (em hilária performance de John Hurt) -, vamos desvendando a trajetória da personagem central, o que ocorreu com ele nesses 19 anos.

A retomada da mítica de aventura de antigos heróis – como Tarzan, que teve muitas aventuras durante a década de 50 – facilita a entrada no universo de Roswell e de suas lendas.

Claro, não esperem realismo. A verossimilhança está lá, mas quem se importa com o fato de México, Peru, Bolívia ou Brasil serem tudo a mesma coisa no fabuloso destino de Indiana Jones?

Spielberg volta a ser criança – e não é a ‘síndrome de Peter Pan’ -, fazendo as referências dos dias de drive-in, e um de seus temas preferidos: o estranho. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal é para ser visto num drive-in, numa noite de diversão, sem grandes preocupações. Para isso, a equipe de efeitos especiais evitou, entre outras coisas, vomitar efeitos digitais de alta tecnologia, e na sobriedade, fizeram um filme mais rústico, preservando o estilo dos filmes anteriores. Indiana Jones envelheceu: seja da década de 30 para a de 50, seja da de 80 para os dias de hoje, ele continua na mesma forma, e agora com um charme a mais – kitsch está na moda.




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