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Dossiê Guilherme de Almeida Prado

A Flor do Desejo
Direção: Guilherme de Almeida Prado
Brasil, 1984.

Por Matheus Trunk

A trajetória do cineasta Guilherme de Almeida Prado teve A Flor do Desejo como importante filme. Na verdade, este longa-metragem sintetiza a passagem da obra do então jovem realizador para o cinema sério. A crítica oficial considerava-o somente um diretor de pornochanchada de “bons toques artísticos”. Com seus dois primeiros filmes, ele provava ser uma das melhores promessas da nova geração de diretores paulistas da Boca do Lixo.

Numa lógica breve e resumida, pode-se dizer que A Flor do Desejo é um Bonnie e Clyde santista, dirigido por um Arthur Penn de Ribeirão Preto. O filme foi inteiramente filmado na região da baixa prostituição do maior porto da América Latina. Esse local foi poucas vezes explorado pelos realizadores do período. O único filme da mesma época, que me recordo, que se passa no porto de Santos é Mulheres do Cais, de José Miziara.

A protagonista da segunda fita de Prado é a doce e intelectual meretriz Sabrina (Imara Reis, hoje mais presente no teatro). O outro personagem da trama é Gato (Caíque Ferreira), um estivador bastante ingênuo e até bobo que vive de pequenos bicos na região do cais. Ao mesmo tempo que leva uma vida praticamente marginal e fora da sociedade, ele admira a beleza das mulheres que tem como ganha-pão diário as boates e prostíbulos próximos ao porto. De certa forma, ele se apaixona por Sabrina, mas não sabe se declarar e não tem qualquer forma de conseguir tê-la somente para ele.

Uma noite qualquer, a moça é quase possuída a força por um policial (Roberto Miranda), mas Gato vem ao socorro dela, matando o gambé na hora. Unidos pelo acaso, os dois se tornam cúmplices e passam a morar juntos, porém sem compartilhar a mesma cama. A relação que se estabelece entre eles no início do filme é somente a cumplicidade nos negócios. Enquanto diversos homens vão se relacionando com Sabrina, o personagem masculino fica embaixo da cama tentando pegar o dinheiro que se encontra nas carteiras dos clientes. Aos poucos, os dois vão melhorando de vida e conseguindo juntar um razoável pé de meia. A colaboração entre eles vai crescendo, até tornar-se paixão.

Mistura dos filmes de Carlos Reichenbach da mesma época, com toques das peças teatrais de Plínio Marcos, A Flor do Desejo consegue ser um drama amoroso sem perder a veia cômica. A trama de pequenos crimes narrados em voice over, são provavelmente inspirados em filmes noir norte-americanos dos anos 40 e 50 que iriam influenciar outros trabalhos do diretor como A Dama do Cine Shangai e Perfume de Gardênia.

O elenco secundário liderados por atores bastante experientes como Mário Benvenutti, Sérgio Hingst e Tâmara Taxman dão um charme especial ao filme. Porém, o personagem do policial corrupto composto fielmente por Roberto Miranda fica na mente do espectador mais acostumado aos trabalhos da Boca paulistana.

Pode-se perceber todo o cuidado que Guilherme teve com a produção do longa, que foi para os cinemas tratado sempre com o preconceituoso nome de pornochanchada. Num período em que as produções da Rua do Triunfo já caminhavam para o sexo explícito, essas características especiais conseguem ajudar a chamar atenção para o realizador de Ribeirão Preto. Desde a trilha sonora até certos detalhes da eficiente fotografia de Toninho Meliande, percebe-se um toque a mais de um cineasta cuidadoso que ia aos poucos ganhando seu espaço entre os grandes nomes da produção nacional.

Mas isso não torna A Flor do Desejo uma obra-prima ou mesmo um trabalho excelente. É um filme bastante agradável de ser visto, mas que decai inexplicavelmente do meio para o final. Certa culpa nisso tem Caíque Ferreira, que nunca foi um grande ator. Ele sempre será mais lembrado por seus trabalhos na televisão. Seu único outro papel no cinema brasileiro foi no filme catástrofe As Aventuras de um Paraíba.

Bastante premiado no festival de Brasília, o segundo longa-metragem de Guilherme de Almeida Prado vale por apontar certas preocupações estéticas e cinematográficas que seu realizador iria aprofundar em seus filmes seguintes.



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