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Dossiê Guilherme de Almeida Prado

Onde Andará Dulce Veiga?
Direção: Guilherme de Almeida Prado
Brasil, 2007.

Por Stefanie Gaspar

Onde Andará Dulce Veiga?, do cineasta Guilherme de Almeida Prado, conta a história da busca do escritor e jornalista Caio pela cantora desaparecida Dulce Veiga, musa dos anos 1960. Entretanto, a narrativa deixa claro que a verdadeira busca de Caio é interior – Dulce é um reflexo de suas incertezas e símbolo de suas inquietações existenciais.

Caio começa sua busca quando conhece Márcia, líder de uma banda de rock e filha de Dulce Veiga. Ao vê-la pela primeira vez, Caio pensa na mãe, e não na filha, que, mesmo com toda sua rebeldia, parece apenas um reflexo pálido da beleza fulgurante de Dulce Veiga. Guilherme de Almeida Prado faz questão de relacionar a imagem de Dulce com a de uma mulher em decadência – em sua primeira “aparição” (porque, de fato, ela é mais um fantasma do que um personagem real), Dulce está deitada em um sofá, com a mão segurando uma seringa e as paredes cobertas de fotos que reafirmam sua beleza e escondem sua face problemática; naquelas imagens, ela é apenas glória.

O filme trabalha com uma Dulce Veiga simbólica, icônica, diva. Uma mulher maravilhosa, viciada em drogas, problemática, com muitos amantes – enfim, apenas um clichê, uma referência vazia. O título Onde Andará Dulce Veiga?, assim como toda a estruturação da narrativa, levam o espectador a acreditar que, no final da trama, a personalidade e o paradeiro de Dulce serão desmistificados e, portanto, o mistério terminará. Entretanto, quando Caio finalmente encontra Dulce em uma aldeia na Amazônia, todas as expectativas são frustradas: Dulce continua apenas um espectro, uma mulher que nunca se materializa completamente. As respostas não aparecem. Ela continua sendo apenas uma construção, mas dessa vez de uma mulher em paz com a própria decadência, e não sofrendo com ela. Ao desmistificar, apenas dá a Dulce Veiga um rótulo diferente. De rótulo a rótulo, ela não é nada – apenas um fantasma da decadência de uma época há muito superada. De qualquer forma, isso não importa, porque Dulce não é um personagem no sentido literal do termo – seus dilemas, suas desilusões e sua história só são úteis na medida em que explicam a psique confusa e delirante de Caio, o verdadeiro e único protagonista. O perfume embriagante de Dulce Veiga, sua beleza elegante e decadente são ecos das alucinações de Caio, da rebeldia imatura de Márcia e da própria atmosfera delirante do filme.

Essa atmosfera criada ao redor de Dulce Veiga, de tão melodramática, beira o kitsch – e filme que chega nesse extremo corre o risco de tornar-se caricato. Guilherme de Almeida Prado usa e abusa de reviravoltas no roteiro, clichês e estereótipos. Tudo é exagerado, afetado, explosivo. Em um primeiro momento, parece que o tom do filme é, simplesmente, de mau gosto, por não saber usar esses elementos melodramáticos de maneira comedida. Porém, existem várias maneiras de se utilizar o kitsch. Mais do que um elemento símbolo do exagero, em Onde Andará Dulce Veiga? ele simboliza a irreverência. Guilherme de Almeida Prado parece se divertir, e cada construção do filme parece confirmar o fato de que o cineasta é inteligente o suficiente para não se levar muito a sério. O longa proporciona muitos momentos para que o espectador sorria diante do insólito de algumas situações – quando Caio visita a rival de Dulce, interpretada de maneira afetadíssima pela atriz Christiane Torloni, é impossível não rir da atmosfera exagerada da cena. Se o kitsch não for levado a sério, deixa de ser kitsch, tornando-se apenas um estilo irreverente de tratar alguns temas e de exaltar aquilo que Guilherme de Almeida Prado mais parece valorizar: o amor pelo cinema.

Em contrapartida, temos uma atuação de Carolina Dieckmann forçada e artificial, já que a atriz não dá conta de transmitir toda a angústia e rebeldia de Márcia. Entretanto, como a personagem também só se realiza quando contrastada com a presença da mãe, a falta de intensidade da atriz não compromete o resultado final. Guilherme de Almeida Prado faz questão de contrastar Márcia com a figura de Dulce Veiga em todos os momentos: quando Caio vê Márcia pela primeira vez é quando a figura de Dulce se introduz na história, e, em uma tomada posterior, o diretor a mostra em frente a um espelho cantando, e a figura que o espectador vê no reflexo é a de Márcia. Por um momento efêmero, Márcia de fato é Dulce, uma diva, uma mulher de verdade – porque a película acaba sugerindo, em sua idolatria ambígua pela figura de Dulce, que só ela é uma mulher completa. Como se a existência de uma mulher tão maravilhosa como Dulce Veiga tivesse mostrado aqueles que a conheceram que jamais poderia haver outra que personificasse tão bem o protótipo da mulher perfeita.

O principal atrativo de Onde Andará Dulce Veiga?, mais do que a trama, os personagens, as idéias ou a estética, é a sensação que o filme, ao longo de seus 135 minutos, consegue transmitir: a de uma absoluta irreverência em relação à vida e ao cinema. Irreverência; nunca descaso.



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