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Dossiê Guilherme de Almeida Prado

Perfume de Gardênia
Direção: Guilherme de Almeida Prado
Brasil, 1992.

Por Marcelo Carrard

Duas figuras mitológicas estão onipresentes no filme Perfume de Gardênia, de Guilherme de Almeida Prado: Ody Fraga e O Bandido da Luz Vermelha. Com muitos elementos pulp característicos do cinema de gênero, o Diretor conta com muita propriedade sua “fábula” sobre o universo rico da Boca do Lixo paulistana, seus artistas e seus filmes. A base da trama está no casal de protagonistas: um motorista de táxi, interpretado por José Mayer, e a dona de casa suburbana, mãe de seu único filho, interpretada por Cristiane Torloni. Inicialmente o papel da dona de casa era para ser de Vera Fischer, mas acabou sendo substituída.

Aos poucos, vemos o universo desse núcleo familiar sendo invadido pela força transformadora do Cinema, quando a personagem de Torloni é convidada para fazer uma figuração em uma produção da Boca do Lixo que estava sendo rodada em seu bairro. Fascinada por aquele mundo novo que surgia diante dela, como possibilidade de sair daquela condição submissa de esposa e mãe, ela resolve embarcar naquele sonho, e acaba se tornando uma estrela da Boca - pagando um preço alto por isso: abandonar o marido e o filho pequeno. A seqüência da noite de estréia do filme é genial - o ciúmes do marido desencadeia o processo de separação. Em cena, atrizes do calibre de Betty Faria, como uma das atrizes do filme, e a participação de Caio Fernando Abreu em uma ponta. O próprio Caio viria a ser o autor do roteiro que depois virou livro: Onde Andará Dulce Veiga?, recentemente adaptado para o Cinema pelo próprio Guilherme de Almeida Prado.

É muito interessante a cena em que a personagem de José Mayer está no cinema vendo um filme protagonizado pela ex-mulher, intitulado: A Vampira do Sexo. Como um admirador solitário, ele vive um cotidiano de adoração secreta por aquela mulher que o abandonou, precisando sempre ir a uma sala de cinema para poder ver a ex-mulher. Temos nesse momento uma das rupturas da trama, muito bem realizada com o corte da seqüência em que ela o abandona na estréia do filme, e em seguida vemos a seqüência de abertura de A Vampira do Sexo. Além das referências explícitas ao clássico do Cinema Marginal: O Bandido da Luz Vermelha, aparece a figura do Diretor Ody, interpretado por José Lewgoy, em uma referência explícita ao Mestre da Boca do Lixo: Ody Fraga. O filme trabalha com elementos da fábula quando cita a popular história do “menino que gritava lobo”. Muitas locações noturnas no centro de São Paulo reforçam o clima policialesco da trama que trabalha também com elementos do travestismo. O filho crescido do casal de protagonistas parte em uma busca pela figura materna e essa busca acrescenta ao roteiro elementos de tragédia que irão se configurar em seu desfecho. O cotidiano das delegacias e as manchetes policiais aparecem em cena reforçando o lado marginal da trama como representação do mundo em que suas personagens estão envolvidas.

O clima noir vai pelo caminho inverso do utilizado em A Dama do Cine Shanghai. As tensões cromáticas em Perfume de Gardênia são mais intensas e em alguns momentos são propositadamente kitsch. O encontro entre mãe e filho tem a densidade dramática certa, não extrapola para uma recriação do melodrama típica de autores como Pedro Almodóvar. Feito em condições no mínimo tensas, em pleno período de implosão da Embrafilme pelo governo Collor, Perfume de Gardênia é uma homenagem muito pessoal de um diretor que nasceu dentro do esquema de produção da Boca do Lixo, para o universo que ele conheceu como poucos. Na vasta produção que utilizou o elemento metalingüístico de contar uma história sobre filmes, Perfume de Gardênia é um exemplar singular e cheio de grandes momentos, que merece uma revisão das novíssimas gerações que não o conhecem ainda.



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