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RUÍDO

OTIS REDDING - THE DOCK OF THE BAY

Por Laís Clemente

The Dock of the bay era para ser um álbum revolucionário. Em 1967, ao escutar o então novo álbum dos Beatles, Sgt. Pepper's lonely heart's club band, Otis Redding percebeu que era hora de mudar o rumo de sua música. A inspiração para tanto veio depois de uma aclamada performance para uma platéia predominantemente branca no Monterey International Pop Music Festival: Redding descansava em um barco - atracado em Sausalito, Califórnia – e teve a idéia para a música que daria nome ao álbum, (Sittin' On) The Dock of the Bay.

A canção reflete as pressões que Otis já sofria da indústria musical. Como sentia não poder atendê-las, queria "descansar os ossos", sentado no cais da baía, vendo o tempo passar. Musicalmente, a canção é diferente de tudo o que Redding havia gravado: um conjunto de metais modesto e interpretação sem grandes efeitos vocais, deixando a harmonia, por si só, conferir, tranqüilidade.

O assovio do final de (Sittin’ On) The Dock of the Bay era a idéia que Redding tinha para o último verso. A intenção dele e de Steve Cropper, co-autor da música, era de voltarem ao estúdio para finalizar a canção. No entanto, antes que tivessem oportunidade para isso, algo inesperado aconteceu. Em 10 de dezembro, Otis e sua banda de apoio, os Mar-Keys, enquanto viajavam para realizar mais um show, enfrentaram uma tempestade, que fez com que seu avião se espatifasse próximo a Madison, Winsconsin.

Para a gravadora Stax, que tinha no músico de 26 anos sua maior estrela, a perda do "rei do soul", do compositor de Respect (que ficou famosa na voz de Aretha Franklin), foi significativa. Com o profundo conhecimento de Cropper acerca do então falecido artista - além de compor canções com Redding, também era membro de sua banda de apoio -, o álbum pode ser finalizado.

Por conhecer bem o músico, Steve soube fazer boas escolhas entre as canções que Redding havia gravado nos últimos anos para completar as faixas do álbum. I love you more than words can say, composição de Eddie Floyd e Booker T. Jones, por exemplo, foi um grande achado. A música era ainda inédita, apesar de não ter sido gravada especialmente para compor o álbum. Sua letra fala de um amor dependente, que faz com que o eu-lírico chegue a querer acabar com sua vida, consegue ficar ainda mais triste na interpretação lamuriosa de Redding.

Já a canção Tramp, que já havia sido gravada no álbum King and Queen, traz um clima diferente ao álbum: mais falando do que cantando, Redding e Carla Thomas protagonizam uma briga de casal durante os 3 minutos de música. A dupla faz tudo parecer improvisado, como se Carla pudesse pular no pescoço de Redding a qualquer momento. O groove da banda (destaque para os metais, sempre importantes nas versões de Redding) não permite que a canção fique caótica, como até seria natural.

Let me come on home, também inédita, é um curioso híbrido de gêneros: o groove da banda de Redding está presente, mas em meio aos metais, percebe-se uma pegada roqueira – destaque para o solo, quando metais e guitarra podem ser ouvidos trabalhando em conjunto -, atípica no trabalho de Otis, mas que é um forte indício de seu flerte com o mercado musical branco.

Ole man trouble, décima primeira faixa, fecha o álbum em clima de blues. Há quem veja nessa composição, cuja letra e música de Otis tentam exorcizar todos problemas e temores, uma aproximação sonora com a música country. Um exagero, creio eu, mas se ela realmente houvesse, não seria de se espantar, não em The dock of the bay.

O resultado final do álbum, como era de se esperar, não traz uma coesão entre as canções ou mesmo uma tendência musical. O que não o desmerece de forma alguma, pois é justamente esse ecletismo e esse flerte com diferentes gêneros - sem nunca tirar o pé da soul music - que encantam no disco. No entanto, apesar de idealizado para ser um álbum revolucionário, The dock of the bay acabou sendo um retrato do que Redding foi, e daquilo que poderia ter sido.



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