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TINTO BRASS: O MESTRE DO SOFTCORE
Por Ailton Monteiro, especialmente para a Zingu!

Meu primeiro contato com Tinto Brass foi através de um texto publicado nos bons tempos da revista SET, quando um correspondente da revista foi cobrir em Paris a estréia de CAPRICCIO (1987), que, se não me engano, nem chegou a ser exibido nos cinemas brasileiros. Consegui ver o filme anos depois, numa exibição no canal a cabo MGM. A revista, além da matéria sobre o filme em si, trazia algumas fotos bem ousadas de cenas de outros filmes seus, como A CHAVE (1983) e MIRANDA (1985). Nem é preciso dizer o quanto eu fiquei animado para ver seus filmes. O primeiro que vi foi MIRANDA, ainda na festa da compra do meu primeiro videocassete Naquela época, ainda tinha o hábito de ver os filmes com os amigos. Acontece que ver Tinto Brass na sala de estar, com o entra e sai de parentes e vizinhos não é exatamente a melhor maneira de ver um filme do velho tarado. Tinha que ficar apertando o stop nas cenas mais calientes. E foi dessa maneira incômoda, que vi o primeiro Tinto Brass. Apesar de tudo, a imagem de Serena Grandi, com a bunda arrebitada no muro esperando para ser enrabada pelo namorado, não saiu de minha memória.

Antes de se tornar famoso como o velho tarado dos filmes eróticos de prestígio, Tinto Brass trabalhou na Cinemateca Francesa com Truffaut e Godard, foi colaborador de Roberto Rossellini e se aventurou por outros gêneros, como o western spaghetti (YANKEE, 1966), o giallo (COL CURORE IN GOLLA, 1967) e o filme de protesto experimental (L`URLO, 1970). Sobre essa carreira pregressa de Brass, não tenho muito a dizer por não ter visto os referidos filmes. Dos mais antigos, recentemente tive a oportunidade de ver um de seus trabalhos mais importantes: SALÃO KITTY (1976), uma superprodução sobre os abusos de natureza sexual que os nazistas praticavam. O filme contou com Helmut Berger como protagonista, ator que trabalhou com Luchino Visconti em dois filmes: OS DEUSES VENCIDOS e LUDWIG. Inclusive, nos extras do DVD americano de SALÃO KITTY, Brass conta que convenceu Berger a aparecer nú em seu filme depois de tê-lo convencido de que o seu pênis apareceria maior depois que os seus pêlos pubianos fossem raspados. O desenhista de produção do flme, Ken Adam, é o mesmo de BARRY LYNDON, de Stanley Kubrick, cineasta que quase o deixou à beira da loucura com suas exigências. Trabalhar com Tinto foi para ele um alívio. Mas eu diria que a melhor coisa de SALÃO KITTY é mesmo a beleza e a graça da jovem inglesinha Teresa Ann Savoy, que também estaria em CALÍGULA (1979).

O relativo sucesso comercial de SALÃO KITTY levou Brass a ser o homem a dirigir CALÍGULA, a mais cara produção pornográfica de todos os tempos, produzida por Bob Guccione, o chefão da Penthouse, que antes de escalar Brass chegou a negociar com John Huston e Lina Wertmüller. Tinto Brass não se entendeu muito bem com o produtor, que fez questão de enxertar cenas de sexo explícito num filme que Brass preferia que fosse softcore. Importante esclarecer que nenhum dos atores de renome presentes no elenco de CALÍGULA (Malcolm McDowell, John Gielguld, Peter O`Toole e Helen Mirren) participariam dessas cenas de sexo explícito. Depois de CALÍGULA, Brass passou a trabalhar em produções mais modestas, tendo uma maior liberdade de criação e fazendo o que ele sabe fazer melhor, que é mostrar mulheres fogosas e voluptuosas em momentos de intimidade e erotismo.

Assim, foi nos anos 80 que Tinto Brass se firmou como o grande mestre do erotismo softcore. A CHAVE e MIRANDA são desse período, dois filmes que contam com a grande beleza de musas como Stefania Sandrelli e Serena Grandi. Uma das características desse cinema mais libertário de Tinto Brass é que o sexo é mostrado não como algo seco e “pasteurizado”. Tanto a urina como as secreções dos órgãos sexuais se fazem presentes nos filmes. Em A CHAVE, Stefania Sandrelli pára para fazer xixi na rua; em CAPRICCIO, o protagonista usa sua urina como água para o radiador do carro parado, enquanto sua amante aprecia a cena.

Nos anos 90, Tinto Brass faria filmes mais modestos, com a estória toda centrada em cima do sexo, o que pra mim pareceu bem mais atraente. Em PAPRIKA (1991), vemos uma jovem que resolve trabalhar em um bordel para ajudar o pobre namorado que queria montar o seu próprio negócio. Claro que ela acaba curtindo a vida no prostíbulo. O tema recorrente a partir de TODAS AS MULHERES FAZEM (1992) e o do posterior O VOYEUR (1994) seria o da mulher mal comida pelo marido e que resolve ir à forra e dar as suas escapulidas. Com esses filmes, Brass atinge o auge do quesito “voltagem erótica”. Ver esses filmes é muito mais excitante do que ver qualquer filme pornô. Claro que não se pode ver um filme do diretor como um pornô convencional, usado apenas para se “aliviar”. Seus filmes, apesar de cada vez mais tangenciarem a linha do hardcore, continuam sendo filmes autorais, mesmo com os altos e baixos dos trabalhos seguintes.

O último filme de Tinto a passar nos cinemas brasileiros foi MONELLA, A TRAVESSA (1998), em que o diretor começou a explorar o tema das meninas que gostam de andar sem calcinha. O mesmo pode ser visto em seus trabalhos seguintes, como A PERVERTIDA (2000) e no mais recente MONAMOUR (2005). Entre um e outro, Brass realizou LUXÚRIA (2002), um filme que tenta retomar o romance de época de seus trabalhos da década de 70, sem muito sucesso, e o filme em segmentos, FAÇA ISTO! (2003), que tem os seus momentos, embora seja talvez o mais irregular de seus trabalhos, até pela própria estrutura tender a isso.

Uma das principais marcas dos filmes do diretor são os espelhos. Em praticamente todos os seus trabalhos os amantes podem ser vistos em seus momentos de intimidade pelas lentes de espelhos, às vezes, muitos espelhos, o que acaba por enlouquecer muito diretor de fotografia. Mas um dos elementos principais para o sucesso dos filmes de Tinto Brass são as musas que ele escolhe a dedo (sem ou com trocadilhos, você decide). Elas podem não ser grandes atrizes, mas servem perfeitamente para o propósito de seus filmes.



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