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Carta ao leitor.

Carlos Coimbra: Um Homem Raro

Diferentemente das primeiras edições da Zingu!, venho, nas últimas edições, tornando este espaço um editorial verdadeiramente. Escrevo aqui minhas opiniões pessoais sobre temas que afligem a cinematografia de ontem, de hoje e do futuro. Não é mais simplesmente uma apresentação de cada edição, como foi em nossos primeiros números. É uma espécie de “cartas do cinema paulista”, no bom sentido.

Com muita garra e trabalho, chegamos ao número vinte e dois. Muitas idas e vindas acabaram nos levando a não ter tempo para realizar um dossiê sobre um gigante dos gigantes. Um homem que dedicou sua vida a nossa sétima arte de tal maneira, que sua própria trajetória pessoal se confunde com isso: Carlos Coimbra.

A biografia de Coimbra, publicada recentemente pela Coleção Aplauso apresenta ele de uma maneira correta: um homem raro. Para mim, a importância deste elegante e genial artesão para o cinema de São Paulo é igual a de Walter Hugo Khouri. Porém, enquanto um foi um grande autor, despachando todo o seu eu interior em suas películas, o outro fazia filmes de terceiros com um alto grau de beleza e grandeza. Continuo não entendendo porque ele continua sendo esquecido e quase nunca é citado por nossos intelectuais. Nossos brilhantes universitários sempre preferem os realizadores politizados, que sabem se auto-elogiar a todo o momento e que sabem fazer um alto trabalho de marketing.

Pega-se um diretor carioca que sempre dá grandes entrevistas mostrando seus conhecimentos sobre a vida e tal. Mas todos os seus filmes são completamente iguais, sem nexo nenhum mesmo algumas décadas depois. Ele continua filmando até hoje (inclusive com dinheiro público), e é tema de vários estudos. Inclusive é chamado de “autor”, mas sinceramente eu não faço a mínima idéia porque ele é tão valorizado.

Os meios de comunicação o preferiram a um homem raro, intuitivo e genial como Carlos Coimbra. Simples, tímido e modesto, este “artesão” nunca se encaixou no padrão desejado pela nossa esquerda festiva. Deu poucas entrevistas e o acusam de “entreguista” e de outras bobagens do gênero por Independência ou Morte. Mas se alguém com um maior empenho vir o filme de verdade, verá um Dom Pedro devasso e diferente dos recomendados pelos livros de escola. A fotografia é monumental. Há uma cena do baile em que a câmera parece ficar igual à cena do baile de O Leopardo, do Visconti. Fiquei extasiado quando a vi.

Apaixonadíssimo por cinema, Coimbra abandonava tudo pra realizar seus filmes, entrava de cabeça neles. Conheci alguns técnicos que trabalharam com ele. Nos filmes de cangaço, o realizador chegava a ficar meses sem fazer a barba, completamente integrado à película que estava rodando. Quando foi rodar Crepúsculo de Ódios, ele perdeu o nascimento da primeira filha. Em Independência ou Morte, que foi feito em uma velocidade espetacular, ele abandonou completamente a família para conseguir atender ao exigente produtor Massaini. Ele conta isso em sua biografia: “Dormia duas ou três horas apenas, e a data se aproximava. Não sei como não morri de esgotamento. Mas tive o meu castigo - quando voltei para casa, em São Paulo, minha mulher pediu o divórcio. Na minha cabeça, está tudo misturado”.

Não sei, poderia ficar aqui somando linhas e mais linhas sobre ele e outros personagens ignorados pela nossa crítica oficial. Pessoas que deram sua vida pelo cinema brasileiro e morreram verdadeiramente ignorados. Parece piada, mas em vida ele não ganhou nem um Retratos Brasileiros, do Canal Brasil. De coração, devo muito a homens simples e geniais como Carlos Coimbra, sem nunca ter conhecido ele pessoalmente. Aprendi a amar cinema através de pessoas como ele, destemidos e bravos guerreiros da nossa sétima arte.

Matheus Trunk
Editor-chefe da Zingu!

SIM
Ao excelente blog da amiga Andrea Ormond, que voltou com a corda toda aqui.

NÃO
A um certo crítico da Folha de S. Paulo, que encorajou seus pobres leitores a não verem Onde Andará Dulce Veiga?, de Guilherme de Almeida Prado. Eu não vi o filme, não posso falar sobre ele. Mas sem qualquer tipo de valor moral, esse cara parece estar fazendo uma campanha contra o cinema paulista. Meus parabéns! Ele deve estar feliz, soltando rojões de alegria. No próximo Festival de Gramado, não haverá nenhum longa-metragem de São Paulo. E lembrar que num passado próximo tínhamos em nossos jornais diários homens como Jairo Ferreira e Rubem Biáfora. Lamentável.



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