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Dossiê John Wayne

Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

El Dorado
Direção: Howard Hawks
Idem, EUA, 1966.

El Dorado é um filme que fala de falências. A falência do homem, da arma, da coragem, e a falência do gênero. No final dos anos 60, o western voltara à sua decadência. O espírito da Guerra Fria, da Guerra do Vietnã e dos conflitos nucleares fez com que a conquista do oeste, a memória dos tempos vitoriosos, ficasse para trás. O mundo não era da esperança, como nos 40 e 50. El Dorado é a reflexão do gênero por Howard Hawks, assim como O Homem que Matou o Facínora foi para John Ford. O western iria morrer, como de fato ocorreu alguns anos depois. O western americano pelo menos, de raízes americanas, não aquele seguido por Don Siegel e por Clint Eastwood, cujas raízes estão no western spaghetti.

Cole Thornton é um renomado pistoleiro e é chamado para defender um aristocrata. Ao chegar à cidade de El Dorado, descobre pelo velho amigo, o xerife J. P. Harrah, que não é bem assim. O aristocrata quer o direito da água do território vizinho. Quando um outro grande pistoleiro entra na jogada, Cole volta a El Dorado.

Cole é interpretado por John Wayne, talvez o maior mito dos faroestes. Ele está velho, mesmo que a idade não o faça menos ágil ou competente. Cole é, acima de tudo, a voz da sabedoria. Principalmente quando o colocam ao lado de Mississipi, a personagem do jovem James Caan, um vingador errante. Enquanto cavalgam lado a lado, e Mississipi cantarola fábulas de El Dorado, Cole funciona como seu mentor, seu instrutor. Ele não sabe usar uma arma de fogo, só uma pequena faca; usa um chapéu ridículo com valor sentimental e não impõe medo em ninguém. Ele é o anti-herói do western. Cabe a Cole, com toda sua supremacia, ensinar os macetes do ramo. Assim como Cole, cabe a John Wayne ensinar Caan a se portar num filme western, a ter mesma paixão. O futuro do gênero estava fadado, as futuras gerações, sejam dentro das telas, com um inexperiente e pouco apto Mississipi, seja com o papel efêmero de Caan. Em um momento, Cole fala a Mississipi “você não tem futuro nisso”: a mensagem não poderia ser mais explícita.

Cole também não está em sua melhor forma, sente dores, e um tiro que quase chega na coluna por uma mulher, faz com que sinta pontadas doloridas, que paralisam um lado de seu corpo. O mito não é mais cem por cento. Ele precisa dar espaço ao jovem Mississipi, mesmo que seja para dar-lhe cobertura. Precisa, porque pode ficar fora de combate.

O xerife P. J. Harrah, respeitado nome da lei e grande pistoleiro, está em pior condição: virou alcoólatra. Novamente, a causa é mulher. Assim como Cole pode morrer por um tiro disparado por uma mulher, Harrah, ao ser abandonado por outra, vê seu destino na bebida. Ele precisa de mais de um ajudante, as pessoas riem de sua cara. Ninguém o leva mais a sério. É a falência do homem e da sua coragem.

O inimigo também passou a ser o homem branco. Índios e mexicanos são passado, já foram domados. A guerra é pela ganância, pela terra de ninguém. Como dizia Hobbes: “o homem é o lobo do homem”. A trama se desenrola na tentativa de parar um homem pela conquista de propriedade alheia. A terra que antes significava esperança, ouro e desbravamento, agora tem dono, não é mais no man’s land. O velho oeste é como qualquer outra região dos EUA, porém os poderosos se acham ainda mais poderosos. No embate, surgem os mitos, os heróis, agora decadentes.

John Wayne, o homem por trás do gênero, está velho, e degenerando. Está cansado também, quer se assentar. Enquanto John Ford discutirá a imagem, a imagem do real e do ilusório, de quem realmente são os heróis, em seu O Homem que Matou o Facínora, Howard Hawks discute como essa imprecisão é apenas uma conseqüência da decadência da luta entre homens brancos, da luta pelo poder e pela terra. O homem se corrompe primeiro, para depois corromper o outro. Enquanto Ford se prende à questão do mito e se pergunta se os faroestes ainda têm razão de existir, Hawks responde que sim, só que agora, só há pó. Os mitos existem, mas estão mortos.




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