Dossiê John Wayne
Rastros de Ódio
Direção: John Ford
The Searchers, EUA, 1956.
Direção: John Ford
The Searchers, EUA, 1956.
Por Filipe Chamy
Os “contadores de história” do cinema devem muito a John Ford. Talvez o diretor americano que mais pensou a função narrativa do enquadramento e da estética em geral na estruturação não só do visual como do psicológico das cenas e dos personagens. Rastros de ódio é possivelmente o ápice dessa competência fordiana, e é também um mini-glossário do faroeste: tudo está lá, dos índios aos desertos, passando por cavalgadas, ataques perigosos e até mesmo tempestades de neve.
O “Homero do Oeste” aqui traz a história de Ethan Edwards (John Wayne, em sua atuação mais precisa e visceral), homem dividido entre a moral e o instinto, ou entre a família e a honra, ou, pior, entre as instituições e a liberdade. É um homem amargurado e pisado pela vida, extremamente cruel à sua maneira, trata índios com desumanidade porque acredita que os indígenas destruíram sua felicidade. Mas a vida continua, mesmo que para ele isso signifique apenas recuperar (ou antes tomar dos inimigos) a sobrinha raptada anos antes. Se a sobrinha é Natalie Wood, isso não faz diferença. O que importa é que aos olhos dele a menina, por conformismo, contaminou-se com os vícios vermelhos e agora também deve ser exterminada. Quem o ajuda na busca nem imagina suas reais intenções. Reais?
Os “contadores de história” do cinema devem muito a John Ford. Talvez o diretor americano que mais pensou a função narrativa do enquadramento e da estética em geral na estruturação não só do visual como do psicológico das cenas e dos personagens. Rastros de ódio é possivelmente o ápice dessa competência fordiana, e é também um mini-glossário do faroeste: tudo está lá, dos índios aos desertos, passando por cavalgadas, ataques perigosos e até mesmo tempestades de neve.
O “Homero do Oeste” aqui traz a história de Ethan Edwards (John Wayne, em sua atuação mais precisa e visceral), homem dividido entre a moral e o instinto, ou entre a família e a honra, ou, pior, entre as instituições e a liberdade. É um homem amargurado e pisado pela vida, extremamente cruel à sua maneira, trata índios com desumanidade porque acredita que os indígenas destruíram sua felicidade. Mas a vida continua, mesmo que para ele isso signifique apenas recuperar (ou antes tomar dos inimigos) a sobrinha raptada anos antes. Se a sobrinha é Natalie Wood, isso não faz diferença. O que importa é que aos olhos dele a menina, por conformismo, contaminou-se com os vícios vermelhos e agora também deve ser exterminada. Quem o ajuda na busca nem imagina suas reais intenções. Reais?
John Wayne vive o dilema que tortura os pensamentos do personagem de maneira tão atroz que nenhum obstáculo pode impedir sua missão. O sol abrasador de uma paisagem desértica o cauteriza e a neve constante de uma região desolada o fortifica. É quase religiosa a devoção do homem ao objetivo. Ele se atém ao planejado como se guardasse a vingança intacta todos esses anos. Como pode-se ver no ato final, as coisas não são assim tão simples.
Mas mais que um faroeste clássico, em forma, trata-se de uma luta interna, de auto-destruição, o homem contra ele mesmo. Ethan sabe que será aniquilado quando cumprir sua jornada, que seu tempo já foi, que ele é, em pessoa, um anacronismo. E que quando sua sobrinha retornar à casa, seu deslocamento sairá do aparente para configurar-se como um fato incontornável e terrível, e Ethan terá de ir embora, agora sem qualquer rumo.
A violência que John Wayne passa ao personagem é decorrência de uma profunda compreensão do que se representa. Ethan, a bem dizer, não é uma pessoa má, nem mesmo é um anti-herói. É um homem embrutecido e duro, melancólico mas com certo senso de justiça, e que apesar de negar é regido pelos sentimentos, não pela razão. Todos os contrastes que esse ser carrega são desnudados ao longo da epopéia, pois é um caminho de desnudamento que visa ao próprio conhecimento. Ethan termina nu e desprotegido, mas muito mais sábio e realista. Entende seus limites. É um homem acabado, mas agora tem consciência disso. O plano final de Rastros de ódio está com certeza entre os mais tristes e expressivamente simbólicos já feitos.
Se John Ford cansou da selvageria ingênua que garantia a diversão de seus primeiros faroestes, se John Wayne estava amadurecido o suficiente para uma atuação tão complexa (do chamado pelos gringos character of a lifetime), tudo isso junto e mais um excepcional senso de cores, posicionamento de câmeras e descrença nos valores absolutos das tramas de western fazem Rastros de ódio reluzir e sempre brilhar mais a cada revisão. É possível assistir ao filme inúmeras vezes e sempre descobrir algo novo, e isso não é um clichê, mas uma simples constatação da realidade: assim como ocorreu com Ethan, pistas novas aparecem a cada trilha, e sempre podemos, a exemplo também de Ethan, mudar nossa visão. A ironia de tudo é que o filme foi dirigido um homem que na época já estava quase perdendo um olho, mas que via muito mais do que todos nós.
Mas mais que um faroeste clássico, em forma, trata-se de uma luta interna, de auto-destruição, o homem contra ele mesmo. Ethan sabe que será aniquilado quando cumprir sua jornada, que seu tempo já foi, que ele é, em pessoa, um anacronismo. E que quando sua sobrinha retornar à casa, seu deslocamento sairá do aparente para configurar-se como um fato incontornável e terrível, e Ethan terá de ir embora, agora sem qualquer rumo.
A violência que John Wayne passa ao personagem é decorrência de uma profunda compreensão do que se representa. Ethan, a bem dizer, não é uma pessoa má, nem mesmo é um anti-herói. É um homem embrutecido e duro, melancólico mas com certo senso de justiça, e que apesar de negar é regido pelos sentimentos, não pela razão. Todos os contrastes que esse ser carrega são desnudados ao longo da epopéia, pois é um caminho de desnudamento que visa ao próprio conhecimento. Ethan termina nu e desprotegido, mas muito mais sábio e realista. Entende seus limites. É um homem acabado, mas agora tem consciência disso. O plano final de Rastros de ódio está com certeza entre os mais tristes e expressivamente simbólicos já feitos.
Se John Ford cansou da selvageria ingênua que garantia a diversão de seus primeiros faroestes, se John Wayne estava amadurecido o suficiente para uma atuação tão complexa (do chamado pelos gringos character of a lifetime), tudo isso junto e mais um excepcional senso de cores, posicionamento de câmeras e descrença nos valores absolutos das tramas de western fazem Rastros de ódio reluzir e sempre brilhar mais a cada revisão. É possível assistir ao filme inúmeras vezes e sempre descobrir algo novo, e isso não é um clichê, mas uma simples constatação da realidade: assim como ocorreu com Ethan, pistas novas aparecem a cada trilha, e sempre podemos, a exemplo também de Ethan, mudar nossa visão. A ironia de tudo é que o filme foi dirigido um homem que na época já estava quase perdendo um olho, mas que via muito mais do que todos nós.