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GRANDES FILMES PERDIDOS DA BOCA: realizadores de um filme único

Por Mathues Trunk

Para o pesquisador mais atencioso é fácil perceber que muitos filmes interessantes da Boca permanecem perdidos. Porém, a situação é mais dramática quando se percebe uma série de realizadores do período dirigiam um único filme. Alguns tiveram seus trabalhos lançados em VHS e são alvos de cinéfilos mais atenciosos. Mas diversos por não terem suas películas relançadas nunca são lembrados pela mídia oficial e permanecem ignorados até hoje. Zingu! com exclusividade rompe esse silêncio e revela os nomes e as trajetórias de alguns dos mais esquecidos diretores brasileiros.

5. Alucinada pelo Desejo (1979)

Direção: Sérgio Hingst

Sérgio Hingst (1924-2004) foi um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos. Após passar por alguns papéis na Vera Cruz, Hingst teve seu grande momento em “O Quarto” de Rubem Biáfora. Ator preferido do saudoso crítico, sua presença era constante nas películas feitas em São Paulo. Chegou a trabalhar com diretores bastante tarimbados como Walter Hugo Khouri, Rogério Sganzerla, Luis Sérgio Person e Roberto Santos.

Na Boca do Lixo, esteve sob as ordens dos mais representativos realizadores da época: Carlos Reichenbach, Fauzi Mansur, Alfredo Sternheim, José Mojica Marins, Osvaldo de Oliveira, Jean Garrett, Juan Bajon, entre outros. Com mais de 110 filmes no currículo, o ator paulista só perde para Wilson Grey em número de participações em películas nacionais. Tentou a direção em 1979, neste drama de tons claramente khourianos. O fracasso comercial da fita levaria Hingst a nunca mais tentar dirigir outro filme.

Depoimentos:
“O Sérgio foi um grande amigo meu. Eu era sócio dele no filme, que foi feito porque necessitávamos de caixa para o sindicato de atores. Fizemos “Alucinada” logo depois de “Independência ou Morte” e guardo do filme todas as melhores lembranças. Infelizmente, não tivemos como fazer um trabalho cinematográfico mais bem elaborado, dispondo de um elenco melhor. Além de um ótimo ator, o Sérgio era uma pessoa muito integra, por isso o Biáfora tinha uma paixão pela atuação dele. Fomos praticamente obrigados a fazer o filme que não se pagou, mal deu para cobrir as despesas. Foi a primeira direção cinematográfica dele. O Sérgio era um ator característico, fazia um cinema puro que dificilmente temos hoje. Ele era um cara muito dedicado, perfeccionista e tornou-se uma referência por tudo isso. Eu aprendi muito com ele.”
Carlos Miranda, ator e diretor de produção de em “Alucinada pelo Desejo”.

“O Hingst me chamou para montar o filme porque éramos amigos desde os tempos da Vera Cruz. Antes desse trabalho, ele sempre me perguntava a minha opinião sobre a montagem de um determinado filme que ele tinha visto no cinema. Quando o “Alucinada” foi feito, eu estava mais na área de publicidade e não tive muito tempo pra acompanhar todos os processos do longa como lançamento, exibição, essas coisas. Acho inclusive que acabei não vendo a cópia final. Acredito que não teve resultado esperado por ele e pelo outro produtor. Era um filme baratíssimo, se passava quase todo num quarto com apenas dois atores. Não era algo pornô, era na linha do cinema comercial da época, que era chamado de pornochanchada, pornodrama. Ele queria dirigir mais filme senti que o Sérgio queria ampliar sua parte na realização cinematográfica. Eu nunca tive dúvida que ele tinha talento pra isso, faltou segurança talvez. Ele acompanhou praticamente 90% da montagem do filme juntamente do Neves, o outro produtor da fita, aprovando e desaprovando as correções necessárias para o filme. Ele se esforçava pra fazer o “Alucinada” uma película que tivesse grande apelo, para vencer nas bilheterias. Fico bastante surpreso e contente por estar falando sobre esse filme e sobre o Sérgio Hingst.
Mauro Alice, montador de “Alucinada pelo Desejo”.

4. As Meninas da Madame Laura (1981)
Direção: Ciro Carpentieri

Qualquer pessoa que mora em São Paulo com mais de quarenta anos conheceu ou ouviu falar no La Licorne. Casa noturna da dona Laura Garcia, ficava localizada na rua Major Sertório, tendo como seus clientes gente como o então craque do Palmeiras César Maluco e o cantor Noite Ilustrada.

Em mais um dos grandes golpes publicitários da Rua do Triunfo, o mineiro Ciro Carpentieri (1941-) realizou este filme tentando simular uma versão cinematográfica da boate paulistana. Até então, Ciro tinha se dedicado mais a parte de produção, sendo dono de filmes que foram bem aceitos pela crítica como a comédia O Quarto da Viúva (Sebastião de Souza) e a aventura Chão Bruto (Dionísio Azevedo). Fundador da produtora Master Filmes, antes de dirigir seu primeiro e único longa-metragem, ele fez um curta baseado num poema do escritor Hernani Donato. O tempo passou, o La Licorne fechou e nunca mais se ouviu falar de Ciro e desse “As Meninas da Madame Laura”.

Depoimentos:
“Pelo menos na época, eu achava que tinha a ver o filme com o La Licorne. Dizem até que o longa teve problema na censura por causa desse título. Na época, era meio clima de madame Laura, de La Licorne. Não sei se era uma jogada a mais, comercial, porque o filme em si não tinha nada a ver com a personagem, mas a jogada era. O título As Meninas de Madame Laura era uma brincadeira com La Licorne, com certeza. Pelo menos eu sempre achei que era”.
Guilherme de Almeida Prado, cineasta que foi assistente de direção em “As Meninas da Madame Laura”.

3. Um Intruso no Paraíso (1973)
Direção: Heron D´Ávila

Parceiro de todas as horas de Walter Hugo Khouri, Heron D´Ávila (1925-1999) permanece inexplicavelmente esquecido. Braço direito do amigo mais famoso, Heron foi assistente de direção em quatro longas-metragens de Khouri (Convite ao Prazer; Eros, o Deus do Amor; Amor, Estranho Amor e Amor Voraz). Também trabalhou como diretor de produção de películas de outros realizadores como Rodolfo Nanni (Cordélia, Cordélia) e John Doo (Ninfas Diabólicas).

Sua única incursão na direção foi em “Um Intruso no Paraíso”. Este drama psicológico contava com um grande elenco feminino (Lílian Lemmertz, Helena Ignez). A fotografia era de Antônio Meliande e a montagem de Silvio Renoldi.

Depoimentos:
“Não posso dizer que fui amigo do Heron. Ele era um cara meio fechado, mas muito educado. Ele era muito amigo do Khouri e eram grandes parceiros. O Heron uma vez me disse que tinha sido militar, o que eu achei muito estranho. Eu me lembro que esse filme que ele dirigiu foi um grande fracasso.”
Alfredo Sternheim, cineasta e crítico.

“O Heron foi indicado pra mim pelo Walter. Naquela época, eu estava filmando o Cordélia, Cordélia nos estúdios da Vera Cruz que eram dos irmãos Khouri. Ele fez um trabalho bastante profissional, nunca tive qualquer tipo de desentendimento com ele. Eu nem sabia que ele tinha morrido, como você está me falando agora. Que pena, gostaria de ter revisto ele. Nem sabia que ele tinha dirigido um longa-metragem. Ele resolveu muitos problemas do meu filme. Por exemplo, eu precisava de uma explosão de um carro e ele arrumou tudo no desmanche, com bombeiros para apagar o incêndio.”
Rodolfo Nanni, cineasta que teve Heron D´Ávila como seu diretor de produção de “Cordélia, Cordélia” (1971).

2. Chapéu de Couro (1978)
Direção: Salo Felzen

Se dizendo amigo e colaborador de Stanley Kubrick, Salo Felzen apareceu na Boca do Lixo no final dos anos 70. Não se sabe como, mas alguns produtores acabaram acreditando na historia e confiaram nele. O resultado de toda esta pequena grande confusão é “Chapéu de Couro”, semi-documentário sobre forró e música sertaneja de raiz. Com grande orçamento, a fita tinha participações de gente como o radialista Eli Correa, do grupo Quinteto Violado e do rei do Baião Luiz Gonzaga. O lançamento da fita ocorreu no badalado Cine Art Palácio, no centro de São Paulo. Com expressivo resultado nas bilheterias, “Chapéu de Couro” tornou-se uma referência entre os musicais sertanejos da Rua do Triunfo. Infelizmente, ninguém sabe o que aconteceu com a cópia do filme.

Depoimentos:
“O filme não foi como eu queria. O Salo não obedeceu o roteiro feito pelo Walter Negrão, hoje novelista consagrado da Rede Globo. Mas mesmo assim muita gente gostou do filme e ganhou mais uma semana de reprise em todos os principais cinemas em seu lançamento.”
Jorge Paulo, cantor, radialista, apresentador de televisão e protagonista de “Chapéu de Couro”.

“Esse Salo Felzen era um metido, não entendia nada de cinema. Ele disse que tinha sido assistente do Kubrick no “Laranja Mecânica”. Nessa fita, da Boca fui eu, o Moreras e o Miro Reis. A gente fez filmagens aqui em São Paulo e depois fomos pro Nordeste filmar apenas uns dez segundos, vinte segundos de um show do Luiz Gonzaga. Eu achei um absurdo porque quando você tem um cantor de nome como esse você não filma só esse tempo, filma muito mais. Uma parte também fizemos na fazendo do político Abreu Sodré, veja só. Embora fosse um cara bem relacionado, o Salo não entendia nada de cinema. Depois ele sumiu, você vê que ele não ficou na praça.”
Francisco Ravagnoli, o Padre, assistente de câmera em “Chapéu de Couro”.

1. A Luta Pelo Sexo (1984)
Direção: Nobert Novotny


Em 1983, a Boca do Lixo estava entrando em sua última onda: o filme de sexo explícito. Poucos previam mas aquele era um caminho sem volta para toda a indústria cinematográfica da época. Mesmo assim, alguns diretores viram nesse período sua única chance de realizar seu trabalho cinematográfico. Um desses foi o austríaco Norbert Franz Novotny. Natural de Viena, ele chegou no Brasil no final dos anos 50. Após fazer alguns trabalhos em películas do cinema industrial paulista da época, embarcou para os Estados Unidos onde trabalhou durante vários anos no Museu de Memória da Ficção Científica de Washington. De volta ao Brasil, Novotny seria roteirista de um dos últimos programas de televisão de José Mojica Marins (Um Show de Outro Mundo na Record em 1981). Mas o sonho desse europeu radicado no nosso país era a direção cinematográfica. Ele somente conseguiu concretizar esse sonho em 1984, num drama psicológico de um consagrado boxeador em franca decadência. O título e o filme tiveram de apelar para conseguirem ser realizados. “A Luta Pelo Sexo” foi incluído na mostra “Nocaute: o Mundo do Boxe” da Cinemateca Brasileira, porém, na última hora a película foi retirada da mostra pela cópia estar em péssimas condições.

Depoimentos:
“Faz muitos anos que eu não vejo o Novotny. Inclusive eu não sei se ele está vivo, se está morto. A última fez que o vi foi em 1985. Nos conhecemos fazendo produção de fotonovelas eróticas. Ele era fotógrafo. Como havia na época o negócio da pornochanchada que fazia sucesso, nós tentamos entrar nesse barco. Tentamos fazer uma coisa mais leve, mais depois tivemos que enxertar cenas explícitas pro filme ser lançado. Fomos pra Cannes, e conseguimos vender o filme pro Egito e pras Filipinas. Isso acabou cobrindo todos os gastos no filme, que não teve o retorno que esperávamos. A idéia inicial era de um boxeador que tem a auto-estima afetada, não conseguindo ser vencedor em dois campos da vida pessoal dele.
Emerson Bueno de Camargo, roteirista e assistente de direção de “A Luta do Sexo”.




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