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Esses fatores irrisórios ou Quando começamos a aceitar a subjetividade
Por Filipe Chamy

Há certas características que forçosamente fazem um filme ser superior a outro. Com base nisso é impossível não reconhecer que Cidadão Kane é superior a O ladrão do arco-íris, ou que São Paulo S. A. é muito “mais filme” que Fuk-fuk à brasileira. Não falo de teoria ou linguagem cinematográfica (apesar de isso pesar sim nesses casos), mas de coisas quase instintivas, reconhecer por impulso, pelo bom senso etc. Só que isso nem sempre isso é algo tão inquestionável — ou pelo menos tão aceito pela maioria.

Canso de ver histórias de pessoas que tiveram experiências diferentes das minhas ao ver algum filme. Que acharam maçante algum filme que admiro muito, que adoram de verdade filmes que tenho na conta de medíocre. E não é gente entrevistada pelo Domingo Legal, mas seres que conheço e que sei que têm bom gosto, argumentam bem, discutem de maneira racional. Então por que o julgamento é tão diferente em certos casos?

Eu adoro os filmes de Eric Rohmer. É um dos meus cineastas favoritos, sem dúvida. Matheus Trunk, meu colega editor da Zingu!, os abomina. E gosta dos filmes de Sady Baby, que considero simplesmente uma tosca ode ao retardamento mental. Minha mãe não gosta de Os incompreendidos, meu filme favorito. Gosto muito de John Cassavetes e Jean-Luc Godard, detestado por muitos amigos cinéfilos que possuo. Por que isso?

Há algum tempo eu passei a entender melhor a questão da subjetividade na apreciação de um filme. Entendi, por exemplo, que se gosto tanto de filmes franceses isso tem a ver também com o fato de que amo a sonoridade da língua francesa, e que isso diz respeito a raízes anteriores (para mim), de absorção musical, e que por isso eu nunca fui tão fanático por cinema oriental. Adoro inúmeros cineastas e filmes da Ásia, mas acho terrível a sonoridade dos idiomas asiáticos. Sempre tenho preguiça de ouvir aqueles gritos todos, e estou plenamente convencido que isso muda, ao menos em parte a minha assimilação de um filme. Essa é uma provável explicação da preferência dos italianos por filmes dublados, ainda hoje, mesmo com o grosso da população tendo um nível de instrução suficiente para acompanhar legendas e ouvir as obras em seu áudio original. Mas eles gostam da língua! Dos sons, a sonoridade italiana. Eu me apaixonei por Isabelle Adjani quando a ouvi cantar, e certamente gostaria menos dela se de sua boca saísse uma voz grossa cantando música sacra japonesa.

Falando na moça, outro fator que geralmente é ignorado mas que faz uma diferença brutal na forma de se receber um filme é o elenco. Se A história de Adèle H. fosse estrelado por Juliana Paes, não teria quase nada de sua força e fascínio. Porém, como já dito, nem sempre isso é regra: Kim Novak é fraquíssima também em Um corpo que cai, e isso até ajuda o filme, em certo sentido.

Outra coisa: as experiências pessoais. Talvez me incluísse no rol dos amantes de Sociedade dos poetas mortos se não considerasse ridículo o sistema educacional e tudo que a ele se relaciona, se não odiasse professores expansivos e alunos participativos, enfim, se não tivesse pessoalmente experimentado sensações que me fazem ter vergonha e raiva daquilo que foi retratado no longa de Peter Weir.

A música. Se John Williams não me torrasse a paciência com suas músicas-tema e seus rompantes de grandiloqüência, Spielberg poderia subir no meu conceito. E quando amo um filme, a música vai ao coração, por tabela. O mesmo com os silêncios.

O que me faz aclamar O último metrô, sempre citado como exemplo de chatice cinematográfica, e virar os olhos durante o queridíssimo Um sonho de liberdade? A resposta é simples: um amontoado desses fatores “irrisórios”.



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