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Carta ao leitor.

A saída pro cinema nacional é o DVD pirata


Pequena Homenagem da Zingu!
aos 70 anos de Tony Vieira (1938-1990)

Amigos leitores, vamos botar o dedo na ferida: os filmes brasileiros estão medíocres no quesito bilheterias. Dados do Filme B dão conta que as películas nacionais têm domínio de somente 8% do nosso mercado. Caraca! Está parecendo o período do começo dos anos 90, quando o Collor assumiu e acabou com a nossa cinematografia. Naquela época, não tínhamos nada (quase como agora).

“Encarnação do Demônio” de José Mojica Marins tinha todos os ingredientes para ter um resultado expressivo de público. Não foi falta de marketing ou de mídia. O filme foi matéria em todos os jornais, revistas, o protagonista apareceu em vários programas de TV, etc. Mesmo assim, o número de ingressos vendidos foi bem abaixo do esperado. Eu mesmo fui à sessão no Espaço Unibanco e fiquei decepcionado: tinha poucas pessoas. Qual será afinal a maneira de fazer um filme nacional conseguir um grande público?

Na minha modesta opinião, não adianta não. Cinema brasileiro tem que ser feito para o povão. A burguesia sempre teve e sempre terá preconceito contra sua própria cinematografia. Desde os tempos das chanchadas qualquer estética nacional que consegue algum sucesso de público recebe ódio da crítica oficial e das pessoas de “alta cultura”. Agora mesmo, temos um novo ministro da cultura, o sociólogo (?) Juca Ferreira. Em entrevista ao “O Estado de São Paulo” de 29 de agosto, ele foi sincero: “Nós estamos criando agora uma nova geração de cineastas. Muitos bons (...) Não tenho conseguido ver muitos [filmes nacionais], mas as pessoas tem me recomendado filmes que tem visto”.

Ou seja: a situação é mais dramática ainda. Nem o próprio responsável pela cultura nacional assiste as películas nacionais. Com que autoridade ele conseguirá julgar nossos realizadores por meio de concursos? Se ele mesmo reconhece que não vê muitos filmes brasileiros, como ele vai incentivar os outros compatriotas a verem? Mas não se preocupem amigos leitores, muitas pessoas tem recomendado a ele ver o cinema nacional. Que pessoas são essas? Os outros ministros? O presidente da Ancine?

Pelo menos os políticos antigos sempre viram os filmes do Mazzaroppi. Quando os filmes do comediante estreavam no Art Palácio (será que o nosso brilhante ministro-sociólogo ouviu falar nessa sala?), muitas vezes o governador ia na sessão de estréia. O pior é que os políticos de hoje nem isso fazem.

Por isso, os jovens diretores que lêem este editorial, desistam de fazer filmes pra agradar políticos. Eles não estão nem aí pra vocês. Vocês têm que se preocupar em fazer fitas para o povão. Historicamente, está provado que somente eles gostam verdadeiramente do cinema brasileiro. Mas como fazer fitas populares para um público que não tem acesso as salas de cinema? Outro grave problema.

Todo mundo sabe que as salas que atingiam esse público já acabaram. Hoje tudo virou igreja neo-evangélica, estacionamento, autódromo de kart, entre outros. Antigamente, eram essas salas que passavam os filmes nacionais do Deny Cavalcanti, do Tony Vieira, Trapalhões, entre outros. Será que o brilhante ministro viu os filmes desses diretores ou não teve tempo também?

Eram essas salas que conseguiam atingir o verdadeiro público do cinema nacional: o cinéfilo popular, pobre, humilde. Esse nunca foi preconceituoso ou tratou a película nacional como algo menor. Hoje, o povo da periferia das grandes cidades ou do interior distante tem duas opções pra ver filmes: os shopping centers e o DVD pirata.

Neste último resulta o grande potencial para os nossos diretores. Estive recentemente em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Impressionante o leque de opções dos vendedores de DVD: eles têm filmes para todas as idades, desde infantis, desenhos, comédias, dramas, nacionais, eróticos, etc. E eles vão de bar em bar, às vezes de prédio em prédio, casa em casa oferecendo seus produtos.

Jovem cineasta brasileiro que me lê, pra que você vai fazer um roteiro e mandar pra concurso? Não, isso é bobagem. O correto é vocês darem um jeito de produzir seu trabalho, fazer um monte de cópias e montar algum esquema com os camelôs da sua cidade ou do seu bairro. Como vocês acham que eles transformaram o “Tropa de Elite” nesse retumbante sucesso? Ele começou a passar para a maioria do público como filme pirata.

O cinema nigeriano atualmente vive um momento de glória. É o chamado Nollywood. São filmes indígenas sobre a cultura afro do país feitas diretamente para o povão e vendidos somente por camelôs por um custo mínimo. É um retumbante sucesso de público e preocupa Hollywood. Não precisa de salas de cinema, concursos e muito menos de ministro-sociólogo.

Estou aqui na contramão da imprensa brasileira, falando de um cinema feito num país bem mais pobre que o Brasil, mas que, no entanto, é completamente independente. Nossos parabéns a eles. Essa é a melhor alternativa pra conseguir mais público: fazer filmes diretamente pros camelôs. Se deu certo na Nigéria, vai dar certo aqui, é só questão de tempo.

Tenho plena que consciência que uma cinematografia que produziu gente da qualidade autodidata de um Wilson Grey, de um Colé Santana ou de um Ronaldo Lupo irá conseguir ter sua cultura presente mais uma vez no cotidiano de seus compatriotas. Porque ninguém, ninguém deste setor (nem mesmo o clã da Academia Brasileira de Cinema) merece somente 8%.

Matheus Trunk
Editor-chefe da Zingu!



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