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Clássicos de Prestígio

Por Gabriel Carneiro

A Dama das Camélias
Direção: George Cukor
Camille, EUA, 1936.

George Cukor não é um grande narrador. Suas histórias desenvolvem-se numa linha corriqueira e natural, quase sem interferência do autor para nos mostrar. Há elos fracos e tendências ao mais do mesmo. Porém, tudo isso é muito bem mascarado pela mise-en-scène: fotografia impressionista, direção de arte arrojada, figurino elegante – uma combinação que permite uma fácil movimentação pela tela. Isso tudo para seu grande trunfo: a direção de atores. Hoje em dia, Cukor, se tivesse tido problemas em encontrar filmes para dirigir, teria essa profissão dos dias de hoje, a de preparador de elenco.

Muito se diz sobre a fama de George com as mulheres – mesmo, e talvez por ser homossexual assumido, numa época de intransigências -, mas Cukor ia além. Ele mostrava a contemplação das mulheres como ninguém. Em A Dama das Camélias, Marguerite é uma camponesa que vai a Paris e faz a desforra. Enriquece e passa a namorar homens ricos, e à custa deles viver. Ela é uma cética, não acredita no romance, só no prazer – principalmente naquele provindo da compra de futilidades, a mais famosa, a que dá título à obra: as camélias. Porém, isso ocorre em mão dupla, os homens também só a querem pela sua estonteante beleza. Da futilidade nasce a futilidade. Se um homem se interessa por uma mulher apenas pela sua aparência – como o uso decorativo de camélias -, não se pode esperar que ela busque algo mais na relação do que gastar dinheiro em camélias.

Quando já estamos para mais da metade do filme, é que percebemos o quanto significa o sorriso de um jovem no teatro no começo do filme, que a olha com paixão, e gasta tempo e dinheiro para presentear a garota com marrom-glacês – talvez, por isso, ser um mau narrador, ou seria um charme? Os personagens de Cukor são todos planos. Temos a Marguerite, que é a típica garota mimada que aprende a amar; o Armand Duval, que é o típico Romântico; o Barão, que só tem interesse no físico e Prudence, a típica interesseira. Daí, que a trama é fácil de imaginar. Marguerite, entre o dinheiro do Barão e o amor de Armand, transita. Quando lhe é mostrado que sua relação com o amor, destruiria o amado, dele se afasta. Ela aprende a amar então.

Cria-se a tragédia nesse momento. George Cukor se sente muito à vontade assim. Ele gosta de filmar mulheres fragilizadas, romantizadas. Ao menos em seu começo de carreira, na era de ouro da Hollywood clássica. Não só A Dama das Camélias, mas outras duas adaptações de famosos livros mostram mulheres sofredoras e fragilizadas: Quatro Irmãs (Little Women, 1933) e Romeu e Julieta (1936). É por esse meandro que ele atinge a beleza, a mais pura abstração estética. O último plano de A Dama das Camélias, que mostra uma Greta Garbo fatigada, é a prova disso. Garbo nunca foi tão linda. A impressão que fica é que Cukor, ao extrair a beleza de seus rostos, suga a energia também, e as fragiliza.

Quanto ao homem contemplativo é simples: suas mulheres existem em função de um homem apaixonado, de um homem disposto a mostrá-las como amar, e como sofrer por esse amor. O olhar de Armand Duval é o olhar do espectador, fissurado pela aparência, mas que, ainda assim, vê por debaixo da superfície. Cukor faz mulheres maiores em seus filmes, porque seus atores são submissos a um sentimento, que exige eterna contemplação. Querendo ou não, eles servem ao propósito de criar a divindade feminina, de retratar uma mulher moderna dos anos 30. Sim, porque mesmo que A Dama das Camélias se passe em 1847, Marguerite é uma mulher de 1936, que voltou a passado, justamente para o mal do século literário, para encontrar a si mesma.

Disso, surge o romance, e por mais que possa parecer um tanto exagerado – afinal, a era clássica é a era do Romantismo cinematográfico -, o imediatismo, a paixão pela mera existência de uma pessoa, cria a imagética do lúdico, e no lúdico nós acreditamos.




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