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GRANDES FILMES PERDIDOS DA BOCA: os dez melhores diretores da Trimpho

Por Matheus Trunk

** Artigo dedicado in memorian ao diretor de fotografia e câmera Eliseu Fernandes (1932-2007), o cara que ensinou Ozualdo Candeias a fotografar.

Como toda indústria cinematográfica que se preze, a Boca do Lixo possuía uma hierarquia de diretores. Existiam divisões e divisões de realizadores. Tinha os mais cuidadosos, que utilizavam bons roteiros, atores com uma melhor formação e técnicos mais talentosos. Esses formam a chamada “série A” de cineastas da Triumpho e algumas vezes conseguiam até ter seus filmes elogiados pela crítica oficial.

Muitos dos filmes desses homens não passaram no Canal Brasil e sequer foram lançados em vídeo. Reuni aqui os dez melhores diretores da Boca e seus respectivos trabalhos esquecidos. Clery Cunha e David Cardoso não foram incluídos na lista porque todos os filmes deles estão disponíveis.

Luiz Castellini (1944-)

“Instinto Devasso” é uma das fitas favoritas do colega Eduardo Aguilar. Lançado quando o pornô estava começando a invadir as salas, o filme teve pouco público e saiu logo de cartaz. Dos sete longas-metragens dirigidos por Castellini, somente dois podem ser encontrados facilmente. O que torna ainda mais difícil a avaliação da obra deste paulista de Barretos. Sua maior ocupação no período da pornochanchada foi de roteirista, trabalhando com cobras criadas como Tony Vieira, Jean Garrett e Ody Fraga. Seus filmes tinham como musa Patrícia Scalvi, atriz com a qual foi casado durante muito tempo. Sempre brigou com os produtores tentando desenvolver fitas do gênero terror com alguns traços de erotismo. Foi um dos sócios da Embrapi e hoje trabalha como tradutor.

Filmes perdidos: “Presídio de Mulheres Violentadas”; “As Amantes Latinas”; “Orgia das Taras”; “Ousadia” (episódio A Peça); “Elite Devassa”; “Instinto Devasso”.


Cláudio Cunha (1946-)

Cláudio Cunha foi um menino prodígio da Triumpho. Começou como ator secundário em fitas de Roberto Mauro e Tony Vieira para se tornar um bem-sucedido diretor/produtor. Seus trabalhos como diretor eram variados, mas sempre mantendo um extremo bom nível. Cunha sabia fazer boas comédias (como “Snuff, Vítimas do Prazer” e “Sábado Alucinante”) e mesmo grandes dramas eróticos (“O Gosto do Pecado”; “Amada Amante”). Até seu único explícito (“Oh Rebuceteio”) é acima da média. Seu segundo filme, “O Dia Em Que o Santo Pecou” foi feito por encomenda para o produtor Benedito Ruy Barbosa e por isso não ganhou um relançamento.

Filme perdido: “O Dia Em Que o Santo Pecou”

Ody Fraga (1927 - 1987)

O Cinema Novo teve Glauber Rocha como seu ideólogo e profeta. O Cinema Marginal teve Rogério Sganzerla como seu líder. A pornochanchada teve em um gênio chamado Ody Fraga como seu mais representativo nome. Este catarinense de nascimento trocou sua carreira no jornalismo e na televisão pela comédia erótica paulista. Era excelente roteirista e tinha prestígio com os produtores mais importantes da Boca. Dirigiu vinte e quatro longas-metragens, alguns péssimos, outros médios e alguns extraordinários. Sua criatividade vinha da grande formação intelectual, mas sempre respeitando o público popular do Cine Marabá a quem destinava seus filmes. Entre seus trabalhos indisponíveis estão um episódio da produtora independente Embrapi e o filme “O Sexo Nosso de Cada Dia”. Este reunia três mulheres burguesas insatisfeitas sexualmente (Neide Ribeiro, Sandra Graffi e Elys Cardoso) que decidem tornar-se prostitutas.

Filmes perdidos: “O Sexo Nosso de Cada Dia”; “Gatas, Mulheres de Aluguel”.

Fauzi Mansur (1941-)

O prestígio e o nome de Fauzi Mansur ultrapassam os limites da Rua do Triumpho. Sua carreira cinematográfica teve diversas fases. Em sua fase de mais prestígio realizou filmes que pareciam ser feitos pela Embrafilme (como no drama khouriano “Noite do Desejo” ou no romance “Sedução”). Depois, passou a fazer boas comédias eróticas, sempre com grande apelo e bons roteiros (como “Me Deixa de Quatro”, “O Inseto do Amor”, “Sexo ás Avessas”). Mesmo nos filmes explícitos, fica intacto o talento de Mansur em saber contar uma história, sempre de forma direta e sem precisar apelar para jeitos intelectualóides. Sempre quieto e recatado, é um dos grandes personagens de toda a história do cinema da Boca.

Filmes perdidos: “Deu a Louca no Cangaço”; “2.000 Anos de Confusão”; “Sedução”; “O Guarani”; “Incesto, Desejo Proibido”; “Me Deixa de Quatro”; “Sexo ás Avessas”; “Sadismo, Aberrações Sexuais”; “Promiscuidade, os Pivetes de Kátia”; “As Rainhas da Pornografia”; “Karma-Enigma do Medo”; “Boca Quente- Quando a Boca Engole Tudo”; “Ritual Macabro”; “As Aventuras Eróticas de Dick Traça”.

José Miziara (1935-)

José Miziara era um dos poucos cineastas especializados em comédias eróticas. Normalmente, seus filmes eram pornochanchadas rasgadas, mas de grande apelo (como “O Bem Dotado- Homem de Itu” e “Embalos Alucinantes”). Mas sempre tinham bons roteiros e técnicos apurados como o diretor de fotografia Osvaldo de Oliveira. Normalmente, trabalhava sob as ordens do importante produtor Aníbal Massaini Neto. No único drama que realizou (“As Intimidades de Analu e Fernanda”) saiu-se muito bem, sendo talvez o melhor filme de toda a carreira da musa Helena Ramos. Qual cinéfilo que se preze não ama “Pecado Horizontal”? Digno do melhor de Fellini, Monicelli e Scola. Muitas de suas fitas são bastante parecidas com filmes italianos do período, reiterando seu inegável talento para a comédia popular. Muitos de suas películas encontram-se indisponíveis como um rodado inteiramente na região do porto de Santos (“Mulheres do Cais”), um dos raros dramas do diretor (“As Amantes de Um Homem Proibido”) e a única pornochanchada produzida pelos Estúdios Sílvio Santos (“Ninguém Segura Essas Mulheres”).

Filmes perdidos: “Ninguém Segura Essas Mulheres”, “Mulheres do Cais”, “Como Faturar A Mulher do Próximo”, “As Amantes de Um Homem Proibido”, “Deliciosas Sacanagens”, “Sem Vaselina”, “Rabo I”, “A Quebra-Galho Sexual”.

Jean Garrett (1947-1996)

Com o surgimento do Canal Brasil, muitos cinéfilos vem reconhecendo em Jean Garrett como um dos mais talentosos diretores nacionais. Esse português do arquipélago dos Açores sempre conseguia fazer filmes inusitados, diferentes da maioria dos cineastas da época. Alguns eram autênticas aulas de cinema (“Amadas e Violentadas”; “Excitação”, “Mulher, Mulher”) e outros tinham um caráter pessoal e psicológico bastante forte (como na obra-prima “O Fotógrafo”). Se o Brasil fosse um país que valorizasse seus talentos, com toda certeza Jean Garrett seria um nome citado a toda hora nas faculdades e cursos de comunicação. Este poeta da Boca e do Lixo morreu bastante cedo para conseguir um maior reconhecimento. Muitos de seus trabalhos mais representativos encontram-se esquecidos e jogados de lado. Inclusive sua elogiada estréia (“A Ilha do Desejo”), passando por algumas fitas de sua melhor fase (“A Força dos Sentidos” e “A Noite do Amor Eterno”) e mesmo um filme de encomenda para Deni Cavalcanti (“Meu Homem, Meu Amante”). Entre os realizadores desta relação, Jean Garrett é o meu preferido. E pensar que ele viveu somente 49 anos e fez inúmeros filmes genais.

Filmes perdidos: “A Ilha do Desejo”; “A Força dos Sentidos”; “A Noite do Amor Eterno”; “Meu Homem, Meu Amante”; “Laser- Excitação de Mulher”.

Rubens da Silva Prado (1945-)

Dos diretores dessa lista, com toda certeza Rubens da Silva Prado, o Alex Prado é o mais subestimado e esquecido. De origem bastante humilde, esse animal cinematográfico começou sua trajetória na carreira artística como faxineiro do cinema de seu bairro, São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo. Com muito trabalho, conseguiu conhecer Primo Carbonari, seu pai no cinema. Com renda própria, nas horas vagas e nos finais de semana iniciou a realização de um filme que teve uma produção bastante difícil. Esta fita seria “Gregório 38”, uma obra-prima do faroeste paulista que faria um gigantesco sucesso de público. Naquele momento, Alex Prado, se tornou uma verdadeira lenda da nossa cinematografia. Seus filmes eram normalmente lançados no Cine Ouro, um pequeno cinema do centro de São Paulo e corriam todo interior do Brasil. Nos lugares mais afastados do Norte e Nordeste, Alex Prado era um ídolo. Ele seguiu sempre fazendo faroestes (como “Sangue em Santa Maria”; “Febre do Sexo”). Mas seu melhor trabalho talvez seja mesmo “A Vingança de Chico Mineiro”, tornando-o comparável ao melhor de Sérgio Leone e outros diretores do período. Infelizmente, praticamente todos seus filmes estão indisponíveis (pérolas como “Gregório Volta Para Matar”, “Sadismo de Um Matador”, entre outros). Um dos meus maiores orgulhos profissionais foi ter conhecido e entrevistado Rubens da Silva Prado. Um homem bastante simples, determinado e talentoso que contribuiu de maneira gigantesca pelo cinema de São Paulo.

Filmes perdidos: “Gregório 38”, “Sangue Em Santa Maria”, “Sadismo de Um Matador”, “Gregório Volta Para Matar”, “Fuga das Mulheres Desesperadas”, “A Vingança de Chico Mineiro”, “A Pistola Que Elas Gostam”, “Febre do Sexo”, “Pic-Nic do Sexo”, “Carnaval Erótico do Ano 2000”, “As Meninas do Sexo Selvagem”, “Sexo Sem Limite”, “Sem Malícia”, “Marina, a Desejada” e “Gata da Noite”.

Carlos Reichenbach (1945-)

Carlão Reichenbach é o único dos cineastas desta lista que consegui atravessar os turbulentos anos 90 e continua filmando até hoje. Se mantém atualizado e ativo na arte cinematográfica, diferentemente de muitos de seus contemporâneos. Bastante inteligente e intuitivo, estreou muito bem em uma engraçada comédia sobre carros de corrida (“Corrida em Busca do Amor”. Seguiu um excelente filme godardiano (“Liliam M- Relatório Confidencial”). Depois, esteve sobre as ordens do produtor Antônio Pólo Galante sempre fazendo trabalhos bastante pessoais. Alguns eram realmente inspirados e dignos de reconhecimento (como “Império do Desejo”). Curou seus fantasmas com “Filme Demência” e realizou as obras-primas “Anjos do Arrabalde” e “Alma Corsária”. Comparado a outros realizadores desta relação, seus filmes encontram-se constantemente em exibição em mostras mas nem todos os cinéfilos puderam assisti-los.

Filmes perdidos: “Corrida Em Busca do Amor”; “Liliam M- Relatório Confidencial”, “Sede de Amar- Capuzes Negros”, “O Paraíso Proibido”, “Amor, Palavra Prostituta”, “Extremos do Prazer”;

Alfredo Sternheim (1942-)

Um diretor detalhista e com grandes preocupações formais em suas obras. Alfredinho Sternheim é desse tipo de realizadores. Tendo sido assistente de Walter Hugo Khouri, aprendeu com seu mestre a retirar o melhor das atrizes que dirigiu. Foi acusado algumas vezes de ser um realizador excessivamente clássico, mas sabia fazer um filme com início, meio e fim como poucos. Ás vezes embarcava em projetos de terceiros que resultava em más fitas (como “A Herança dos Devassos”). Suas melhores películas tratam de amores impossíveis e fracassados (como “Anjo Loiro, “Mulher Desejada”, “Corpo Devasso”, “Tensão e Desejo”). Mas sua obra-prima continua sendo “Pureza Proibida”, um dos melhores filmes já realizados no Brasil. Mesmo no período explícito continuou fazendo fitas acima da média e com histórias muito engraçadas (vide o economista Max Din falando sobre inflação dentro de uma geladeira em “Borboletas e Garanhões”). Com toda certeza, esse paulistano merece estar nessa relação de grandes diretores do período. Infelizmente não temos hoje como assistir obras como “Anjo Loiro”, “Corpo Devasso” (feita para David Cardoso) e o engraçado “As Prostitutas do Doutor Alberto”, com produção de Antônio Pólo Galante.

Filmes perdidos: “Anjo Loiro”; “Corpo Devasso”; “Sacanagem”; “As Prostitutas do Doutor Alberto”.

Tony Vieira (1938-1990)

Se Mauri de Oliveira Queiróz tivesse nascido nos Estados Unidos, com certeza ele teria ganho diversas biografias e documentários. Mas o destino quis que ele nascesse no Brasil e mesmo depois de ter feito coisas inacreditáveis, esse ator/diretor/produtor permanece praticamente esquecido. Com o pseudônimo de Tony Vieira, este mineiro de Dores do Indaiá, foi uma das maiores estrelas da história do cinema tupiniquim. Sua produtora MQ (Marca e Qualidade), vivia cheia de pessoas dia e noite. Suas fitas eram faroestes e policias de grande sucesso. Sempre fazia par romântico com a musa Claudette Joubert e com o genial humorista Heitor Gaiotti. Seus filmes fizeram rios de dinheiro, mas Tony gastou a maioria do capital em um time de futebol amador, que ele tanto gostava. Talvez seu melhor trabalho seja mesmo “As Amantes de Um Canalha”, filmado em Santos e São Vicente. Quase sempre seus trabalhos seguiam os mesmos esquemas e geralmente seus técnicos eram sempre os mesmos. Durante o período explícito, assinou as fitas como Mauri de Queiroz, deixando o pseudônimo somente para os gêneros cinematográficos que verdadeiramente amava. No total, quinze de seus trabalhos estão perdidos, esperando uma mostra á altura deste monstro sagrado da sétima arte. Alguns são fitas policiais (como “Sob Domínio do Sexo” e “O Exorcista de Mulheres”) e outros filmes de aventura (“Desejo Proibido”).

Filmes perdidos: Sob o Domínio do Sexo; O Exorcista de Mulheres; Os Pilantras da Noite; Traídas Pelo Desejo; Os Violentadores; O Matador Sexual; Suzy...Sexo Ardente; Desejos Sexuais de Elza; Corrupção de Menores; Prostitutas Pelo Vício; As Meninas da B...Doce; Garotas da Boca Quente; Eu Adoro Essa Cobra; Julie...Sexo Á Vontade; Scandalous das Libertinas.




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