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Cantinho do Aguilar...

“Aprile” em Setembro

Por Eduardo Aguilar
Para Nina

“Quando me falam em arte, vou logo sacando meu talão de cheque”. (Frase dita pelo personagem de Jack Palance em “O Desprezo” de Jean-Luc Godard)

Do meu lado, quando penso em arte, me vem sempre a possibilidade de poder inquietar o outro e conseqüentemente, incitá-lo à transformação; não sob uma ótica arrogante, de quem se acha o dono da verdade, mas na expectativa da troca. Se existe a capacidade de admitir uma nova hipótese de leitura a respeito de determinado assunto/conceito, permitindo-se ‘colocar em crise’ a verdade sobre este ou aquele tema, a arte se justifica.

Enquanto cinéfilo, gostaria de destacar alguns filmes que foram capazes de me inquietar:

- Pão e Rosas – dir. Ken Loach

Foi a partir de Pão e Rosas que pude flexibilizar meu olhar sobre o ato de delação. Até então, minha posição era xiita: o delator é uma figura abjeta. O filme se justifica como um todo, mas destaco o belíssimo plano final que demonstra bem o por quê do efeito que me causou:

De dentro de um camburão, uma jovem é levada presa acusada por participar de uma ação grevista; do lado de fora do veículo, vista através do vidro traseiro coberto por grades, sua irmã mais velha corre em direção ao automóvel, é visível a dor que sente, pois foi quem denunciou a ação grevista.

Duas questões são postas: se por um lado o enquadramento nos faz crer que a delatora se sente “presa” (mesmo estando do lado externo), pois agiu conforme as regras, mas em desacordo com o que acredita; por outro, também revela a compreensão da irmã mais nova diante da atitude protetora da irmã mais velha.

-Nas Montanhas da Lua – dir. Bob Rafelson

Em relação a esta obra-prima de Bob Rafelson, repensei sobre a capacidade de se compreender a cultura alheia sem necessariamente concordar com esta:

O antropólogo vivido por Patrick Bergin está muito mais interessado em conhecer e entender outras culturas, do que propriamente, descobrir a nascente do rio Nilo, que é o objetivo central de sua empreitada na África. Ele acaba sendo “convidado” por um cacique a acompanhar uma cerimônia punitiva envolvendo um membro de uma determinada tribo.
Para o antropólogo, presenciar a agonizante cena de tortura e buscar entender a lógica cultural daquele procedimento, não é o suficiente para sufocar seus limites e isentar seu olhar humanista sobre a ação repressora; ele acaba arrancando a lança de um dos índios próximos de si, segue em direção ao torturado e desfere-lhe um só golpe, encerrando seu sofrimento.

-Aprile – dir. de Nanni Moretti

Neste filme, o diretor Nanni Moretti fala de suas aflições frente uma Itália incapaz de se afastar do fascismo, o que se torna inevitável e incompreensível (!?) nas duas eleições em que confirmaram a presença de Silvio Berlusconi no poder, inicio da década de ’90.

Interpelado por um repórter de uma revista francesa que considera absurda a eleição de alguém que detém os meios de comunicação, Nanni é intimado a fazer um documentário sobre esse paradoxo, e assume-se como protagonista de Aprile, narrando sua própria inércia diante dos fatos.

No entanto, em meio ao desalento pela incapacidade da esquerda italiana em reverter o quadro que se apresentava àquela época, o diretor contrapõe esse desanimo frente a possibilidade de um renascimento, sempre possível, e que surge no registro encenado do nascimento do seu primeiro filho.

Pungente é o mínimo que se pode dizer sobre a cena em que Nanni dá passos largos à margem de um rio próximo a maternidade em que seu filho nasceu. No momento em que assisti essa cena, tive a certeza de que queria ser pai! E agora, fato confirmado, sinto que tudo se torna único e pleno frente a figura de um filho, e o absurdo da existência passa a fazer sentido da mesma forma que fazer desenhos abstratos com as mãos enquanto se caminha a passos largos na beira de um rio, tal qual Nanni faz em seu filme.


Nina, 12/09/2008




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