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Dossiê José Mojica Marins

Depoimentos

Por Nísio Teixeira

O Zé do Caixão é um personagem tão forte do cinema brasileiro que a primeira vez que eu tomei conhecimento dele foi fora do cinema. Na verdade, salvo melhor juízo, antes mesmo de freqüentar qualquer sala de cinema. Ainda criança, reclamava quando minha mãe me pedia para ficar quieto e aparar as unhas. Ante meu resmungo e teimosia, a até hoje encantadora mamãe usava uma excelente técnica de psicologia infantil - ela abria o olho e dizia em profunda e terrível entonação: "olha só, se você não cortar, vai ficar igual ao Zé do Caixão". E assim nascia a horripilante imagem: não era um Zé qualquer, mas um Zé que vinha de um caixão e tinha unhas grandes – e que assustava até a mãe! Um ser sinistro, provavelmente parente de outro terrível ser, o Vampiro - ah, maldição, havia assistido escondido a um filme B de terror durante a madrugada. O próprio Zé, pouco tempo depois, também apareceu nas minhas furtivas sessões noturnas na TV. Não lembro ao certo em que programa foi, lá pro final dos anos 1970, mas era verdade: o sujeito era sinistro, tinha uma capa igual ao Drácula e unhas enormes. Entrou definitivamente naquele medo insone que nos assola quando apagamos a luz do quarto e torcemos para, mesmo na penumbra, tentar enxergar as coisas e ver que está tudo bem. Ligar o radinho de pilha do lado do travesseiro era outra boa forma de exorcismo nessas horas. Tinha alguém ali com você e o Zé não podia aparecer e nem fazer nada. Damien, de A Profecia, fechou o ciclo – ou circo – de horrores da infância insone. O tempo passava e os horrores reais se monstravam (gostei desse ato falho de digitação e deixei) maiores que os imaginários – e, claro, a boemia bem mais interessante que a TV de madrugada. Eu mesmo, afinal, também havia me tornado uma criatura da noite. Ano passado, na Mostra Cine BH durante concorrida sessão realizada às 00:00, revi pela primeira vez, na tela, À Meia Noite Levarei Sua Alma e, pela primeira vez, encarei Zé do Caixão ao vivo – ele fora apresentar o filme e conversar depois com as pessoas "porque aqui mesmo no Cine Santa Tereza, nos anos 1980, eu dei um curso que durou um dia a mais do combinado". Foi então que conversamos e, claro, pedi que autografasse a caixa dos filmes dele. José Mojica Marins então se apresentou com toda a sua simpatia e humildade. A figura do Zé do Caixão transformou-se em parte de lembrança de uma infância terna e doce como aquele senhor que sorria e posava para fotos. E tudo isso pra dizer que o personagem de Mojica tem o mesmo peso, nível e patamar que outros seres imaginários horripilantes da história do cinema mundial, que assombram em algum lugar das profundezas dos nossos pesadelos e, no meu caso, também em um guarda-roupa transformado em guarda-filmes – ali entre uma caixa do Mario Bava e outra do cinema Expressionista – o qual sempre fica com as portas fechadas na hora que vou dormir.

Nísio Teixeira é jornalista e redator da Filmes Polvo



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