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Dossiê José Mojica Marins

48 Horas de Sexo Alucinante
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1987.

Por Yúri Koch, especialmente para Zingu!

Para entender 48 Horas de Sexo Alucinante, é necessário analisar o contexto histórico e político que o Brasil atravessava na década de 80, a chamada “fase perdida“.

Na onda da intensa produção pornográfica que assolou as sessões de cinemas no Brasil, José Mojica Marins não ficou para trás. Amparados por mandados judiciais, que tinham como fundamento a abertura do mercado exibidor às obras de forte apelo sexual, como O Império dos Sentidos (1976) e Calígula (1979), as produtoras da Boca do Lixo romperam, paulatinamente e na medida do possível, a censura. Censura esta que até então impunha rigorosos limites estéticos e ideológicos à produção cinematográfica brasileira.

Em 1981, o diretor ítalo-brasileiro Rafaelle Rossi, precursor da chamada “primeira fase do pornô nacional”, exibia, no clássico Coisas Eróticas, o que viria a ser a premissa do cenário hardcore brasileiro, ao mostrar Óasis Minitti masturbando- se em um chuveiro. Daí para frente, o ápice da pornografia eclodiria em pouco tempo. Na esteira do filme de Rossi, passariam mais de 500 títulos destinados para adultos, exibidos nos cinemas e nas chamadas “salas especiais“. Autores renomados como Fauzi Mansur, Ody Fraga, Antonio Meliande e Alfredo Sternheim não resistiriam e entrariam na então recente produção explícita nacional – assim como José Mojica Marins.

Com dinheiro na mão, conseguido graças ao sucesso de 24 Horas de Sexo Explícito, o produtor Mário Lima chamou novamente o seu fiel escudeiro e parceiro de todas as horas José Mojica Marins, para mais uma empreitada no mundo pornô. Mais uma vez pela produtora Foto-Cena Filmes. Ao contrário do obscuro - e bizarro - elenco de 24 Horas de Sexo Explícito, os integrantes de 48 Horas de Sexo Alucinante são uma verdadeira seleção do que havia de melhor na produção hardcore paulistana. Nomes de prestígio tal qual Oswaldo Cirillo, Silvio Junior, Andreá Pucci, Antônio Rodi e o casal 69 da Boca do Lixo, Walter e Eliane Gabarron, contracenavam em picantes cenas de safadeza, sem falsos moralismos ou frescuras tediosas.

À primeira vista, percebe-se a grande diferença de qualidade entre os elencos dos dois filmes pornôs do José Mojica Marins. Na época de lançamento de 24 Horas de Sexo Explícito, Mojica teve a incrível façanha de contratar as piores barangas da Boca do Lixo. Isto proposital, porque avesso à pornografia, almejava afastar de vez o público brasileiro da avalanche pornô que contaminava o Brasil. E, para isso, uma fórmula quase certeira: só mostrar mocréias na tela do cinema. Mas o feitiço virou contra o feiticeiro, e o filme foi um sucesso de público, ocasionando filas e mais filas nas entradas das sessões. Apesar do lucro avassalador, Zé do Caixão, ou melhor, José Mojica Marins, sempre levando a pior e comendo o pão que o diabo amassou, mal viu a cor da grana. Azarado como sempre, recebeu apenas o seu salário de diretor, uma vez que Mário Lima bancou o projeto e recebeu as benesses do mesmo.

Com o enorme e inesperado sucesso de público, o diretor noticiou na época a sua perplexidade e espanto. Botou culpa do seu sucesso pelo fato do povo brasileiro ser, numa palavra direta e objetiva, “tarado”. Se a preocupação estética de 24 Horas de Sexo Explícito deixa a desejar, com suas mulheres teratológicas abundando a telona, as dondocas de 48 Horas de Sexo Alucinante agradam ao espectador. O enredo, por sua vez, é apenas um tecido mal-costurado para mostrar cenas improvisadas de rala-e-rola entre os atores. Como o próprio nome diz, há “interação sexual” entre os farristas durantes dois dias ininterruptos. No filme, Mojia Marins - no seu contumaz papel metalingüístico de Zé do Caixão (há sempre a confusão entre criatura e criador) - junto com Mário Lima (o produtor e também ator no filme) são procurados por uma sexóloga de meia-idade (Andréa Pucci). A estudiosa do sexo explica aos dois o seu anseio de produzir um novo filme pornô, para fins “científicos”, em que estudará os estranhos comportamentos sexuais do povo brasileiro.

Sempre com um pensamento a frente do seu tempo, e desprendido dos costumes conservadores e retrógrados da sua época, José Mojica Marins é capaz de elaborar cenas de sexo nunca vistas antes nos cinemas brasileiros. Não da forma ousada e indigesta como foram mostradas. Se Helena Ramos teve os seios lambidos por um cavalo, no filme Mulher, Mulher, do diretor Jean Garret, Mojica inovou filmando a primeira seqüência zoofilica tupiniquim, entre a atriz Vânia Bournier e Jack, o pastor-alemão.

Tal excentricidade ocorreu no filme predecessor. Se as pessoas achavam, no final dos anos 80, que tudo em relação a sexo já fora filmado, Mojica mais uma vez causa estardalhaço e superou expectativas. Em 48 Horas de Sexo Alucinante foi além: filmou a célebre cena onde a coroa Andréa Pucci, no meio de uma fazenda, se coloca dentro de uma vaca mecânica de madeira, onde é penetrada por um homem vestido de bumba-meu-boi. Surreal e inacreditável, metafórica e lisérgico. Cena esta obrigatória de constar em discussões sobre as maiores loucuras sexuais já captadas por uma câmera. Algo que nem mesmo mentes doentias como Sady Baby, Juan Bajon, Alex de Renzi, Gregory Dark ou Shaun Costello poderiam imaginar.

Visionário, José Mojica Marins (ou, para quem prefere, Zé do Caixão) marcou época na Boca do Lixo. Tanto pela genialidade das clássicas obras de horror dos anos 60, como À Meia-Noite Levarei a Sua Alma e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, quanto pela bizarrice e picaretagem que insuflavam nos seus filmes explícitos durante a inusitada e escalafobética década de 80.

Yúri Koch é pesquisador e editor do blog Necrofilmes.



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