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Dossiê José Mojica Marins

A 5ª Dimensão do Sexo
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1984.

Por Marcelo Carrard

Muitos mestres do horror cinematográfico, como Joe D’Amato, por exemplo, na fase final de suas carreiras, enveredaram definitivamente no mundo da pornografia cinematográfica. Extremo, marginal e genial, como D’Amato, é o brasileiro, José Mojica Marins, nosso eterno Zé do Caixão. Após uma carreira repleta de clássicos do horror como Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, Exorcismo Negro e O Despertar da Besta, entre outros, Mojica "jogou a toalha". Foram anos de perseguição violenta da censura do Regime Militar, golpes e falcatruas de inúmeros picaretas que sempre deixaram o nosso Mestre literalmente com uma mão na frente e outra atrás, além da inveja e da mediocridade de outros cineastas brasileiros que não aceitavam seu talento vulcânico e autodidata. Sem dinheiro e sem perspectivas, Mojica partiu para a produção pornográfica que estava começando a bombar na Boca do Lixo em São Paulo. Nessa época, início dos anos 80, clássicos como Viagem ao Céu da Boca e Coisas Eróticas faziam enorme sucesso e marcaram a pornografia brazuca da fase pré-vídeo. Nesse período, Mojica dirigiu os clássicos: 24 Horas de Sexo Explícito, de 1985, e 48 Horas de Sexo Alucinante, de 1987, obras-primas do grotesco cinematográfico. Em 1º de outubro de 1984, Mojica lança em São Paulo um clássico perdido de sua filmografia, o inusitado e surpreendente, A 5ª Dimensão do Sexo.

O filme tem roteiro e produção de Mário Lima para a Fotocena Filmes. O elenco é repleto de figuras conhecidas da Boca do Lixo como Zilda Mayo, além de Márcio Prado, João Francisco, Maristela Moreno, Michele Bertran, Débora Muniz, Albano Catozzi e a presença do próprio José Mojica Marins na seqüência final. A trama conta a história de dois amigos, estudantes de Química, Paulo e Norberto. Na seqüência de abertura, eles não conseguem transar com duas garotas em um motel, o que trará uma série de confusões para a dupla. Nessa abertura, Mojica abusa de uma de suas marcas, os close-ups de rostos e olhos, criando uma interessante tensão climática. Cenas de sexo explícito surgem, mostradas de forma criativa, em enquadramentos de forte efeito erótico. Os diálogos entre os "atores" têm pérolas do tipo: "Complete meu bem, complete..." ou "Eu quero gozar na sua língua, meu bem...". Atores especializados encenam todas as cenas hardcore presentes no filme e os protagonistas fazem cenas sempre de sexo simulado. Um dos absurdos dessa da abertura é quando um homem, segurando um gigantesco pênis artificial, penetra uma das mulheres, que abre sua vagina de maneira crua, um momento muito kinky e divertido. Como não conseguiram transar, os dois amigos decidem ir consultar um psiquiatra, aí então entram os créditos iniciais do filme.

O fato de terem falhado no motel vira fofoca na Universidade onde estudam, virando motivo de chacota de todos os colegas. Na divertida seqüência do fliperama, eles são espancados por dois machões que os chamam de "brochas" e gays, um dos agressores atende pela alcunha de "Belzebu". Então a dupla decide contratar duas prostitutas, que mais parecem dois travestis. Uma delas fala para os rapazes: "Que seja feita a vossa vontade". Essa frase extraída do Pai Nosso católico, reforça o ódio anticlerical de Mojica, uma de suas mais importantes marcas registradas. Mais uma vez, a dupla de rapazes não consegue transar com as duas mulheres. O isolamento em uma casa no campo e a fuga da Universidade surgem como soluções imediatas. Os planos de Paulo e Norberto, porém, são outros. Através de inúmeras experiências químicas envolvendo plantas, criam uma fórmula secreta que os tornará sexualmente potentes. Muito tempo antes do ecstasy e do Viagra, Mojica já mostrava em um filme, o uso de drogas sintéticas para a obtenção de prazer rápido e alucinante. O teste da droga é feito com uma mulher "seqüestrada" pela dupla durante a noite. Inicialmente desesperada, a mulher tenta fugir, mas após todos beberem da fórmula mágica, transformações ocorrem. A mulher, mostrada pela câmera baixa, surge grandiosa, se transformando, tirando suas botas, o enquadramento é fantástico, digno do grande esteta que Mojica sempre foi. A cena de sexo a três, mesmo simulada, tem um forte teor de erotismo, sem dever nada às cenas explícitas que costuram o filme. Após a noite de sexo, a mulher foge, mas encontra o trágico destino sendo atacada por uma cobra na mata próxima a casa dos seus "seqüestradores". A cena da mulher com a cobra nos remete aos clássicos de Mojica envolvendo mulheres e animais venenosos em cenas de horror.

As vítimas dessa droga sexual surgem, uma a uma, em cenas muito quentes e bem dirigidas. Num intervalo da ação de nossos heróis, uma cena explícita, com excelente trilha sonora Disco, mostra momentos de violência, com uma cinta, mesclados com ótimas cenas explícitas muito bem enquadradas pela câmera criativa do diretor. Os diálogos dessa seqüência são bizarros, a mulher solta pérolas do tipo: "Ai meu bem, esmaga meu seio..." e num momento em que ela vai fazer sexo oral diz "Vou debulhar essa espiga... quero ver a pipoca pular"?!?!?

Ao serem perseguidos como "maníacos sexuais", a dupla é citada em manchetes de jornais sensacionalistas que nos remetem ao saudoso Notícias Populares. Após longas jornadas sexuais, os dois homens se descobrem apaixonados, surgindo na tela um inusitado beijo na boca entre os dois, e a simulação, através de imagens abstratas, de uma relação sexual entre ambos. Muitas rupturas surgem nesse filme por causa dessa virada final do roteiro. A imagem do homossexual no cinema brasileiro até hoje é carnavalesca e caricata. Mojica mostra em A 5ª Dimensão do Sexo, dois homens, sem afetações, que se descobrem apaixonados um pelo outro. Tratados como assassinos e maníacos pela polícia, o agora casal, Paulo e Norberto fazem todo um discurso libertário sobre o amor e a subversão, meio ingênuo para muitos, mas pioneiro e corajoso para outros. Uma exceção completa na pornografia brasileira da época, a questão homossexual tem nesse filme sua mais inusitada representação, que por muito tempo ficou restrita aos apreciadores do cinema pornográfico e da fase mais obscura da filmografia de José Mojica Marins. No final, o próprio Mojica surge na curva da estrada, abençoando os anjos-gays em sua queda para o fogo e a redenção. "Jesus espera por vocês", grita a figura apocalíptica de unhas compridas representada por Mojica.

A 5ª Dimensão do Sexo é ao mesmo tempo um bom filme pornô, bem realizado e muito criativo, ao mesmo tempo é uma prova de que o cineasta José Mojica Marins, mesmo inserido na produção pornográfica, nunca deixou de lado seu estilo marcante e original. Como diz aquele velho ditado: "Quem é Rei nunca perde a Majestade". Em 2008 o Mestre retorna com a obra-prima: Encarnação do Demônio.



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