html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Dossiê José Mojica Marins

A virgem e o machão
Direção: José Mojica Marins, como J. Avelar
Brasil, 1974.

Por Filipe Chamy

Possivelmente, todo cinema de relativa expressão possui seus “códigos internos”, aquele tipo de mecanismo acessível a apenas uma determinada porção de seu público. Por exemplo, os italianos, que à parte sua gloriosa filmografia, produziram por muito tempo um subgênero ainda em fase de revisão crítica, o western spaghetti, conhecido aqui como bangue-bangue à italiana. É uma arte geralmente artesanal e feita em massa, mas que só pode ser apreciada por pessoas que possuem certos requisitos ou gostos. É, portanto, algo mais restrito do que a produção cinematográfica em geral. O Brasil possui algo mais ou menos nesse sentido, que são as chanchadas, que angariavam grandes bilheterias décadas atrás. É difícil para alguém que não é brasileiro entender o espírito dessas obras, a técnica tosca (no sentido mesmo de “rude”), as atuações e textos mal ajambrados, o aspecto improvisado das farsas. E a verdade é que ainda hoje é difícil para os próprios brasileiros entenderem o que tanto entusiasmava as platéias nessas fitas. Não tanto nas chanchadas, que revelaram alguns grandes talentos (como Anselmo Duarte, Grande Otelo, Oscarito), mas numa de suas divisões: a pornochanchada. São geralmente comédias rasas, de cunho erótico. Contextualizando-se, é possível pensar que a graça da coisa estava nas privações tão comuns em épocas de ditaduras. Hoje, as pornochanchadas já estão extintas, mas o mercado de filmes eróticos ou pornográficos cresce a todo instante. É algo a ser analisado, mas parece que os espectadores migraram de área — ou, pelo menos, os que procuravam aquilo que tão vulgarmente era oferecido aos montes nesse tipo de filmes: o sexo, sexo descomprometido e aleatório. E abundante.

Muitos diretores brasileiros do período dirigiam com gosto fitas escandalosamente provocantes ou explícitas. José Mojica Marins, não. Um nome atrelado a uma certa tradição de narrativa - a de terror -, Mojica, por falta de opção, dinheiro, estímulo (ou talvez tudo junto) dirigiu algumas fitas de qualidade duvidosa, como esta. Talvez por diversão, provavelmente por vergonha, Mojica assina este A virgem e o machão com o nome de J. Avelar. O fato que salta aos olhos é que Mojica não está em seu terreno - e não é pela troca de hábito; que ninguém se preste a exigir de um cineasta uma regularidade de tema e estilo, como se John Ford só fosse genial quando trata de caubóis e desertos. Não, o que aqui se investiga é a vontade de Mojica de contar a história do médico, o tal machão, que tem mais mulheres que pacientes no currículo.

Alguma coisa passa por mal aproveitada, como a surreal história da prostituta que só se deita com os clientes após eles darem a ela um picolé (!). Apesar das costumeiras piadas de duplo sentido — todas sem graça —, o absurdo da situação nos remete a um tipo de elemento que poderia ser muito bem conduzido por um Buñuel, ou até pelo próprio Mojica, se tivesse incentivo, motivação e condições. Resta o esqueleto de algo que poderia ser o que não foi, e é o que não deveria ser. O que se aproveita em A virgem e o machão? Virtualmente nada, exceto algumas belas atrizes desfilando de calcinha. O que é bem pouco, mas certamente era o mote da publicidade do filme na época de sua passagem pelos cinemas.

Com um pouco de boa vontade, dá para aproveitar uma tímida crônica dos costumes da média burguesia do país na década de 1970. Uma deliberada ação de subverter os estereótipos sexuais e sociais que imperavam então. A maneira de concretizar tão nobre intenção, porém, se perde na própria caricatura, e vira refém da própria precariedade construtiva. Deve-se dizer que A virgem e o machão não difere muito do que era feito no Brasil durante aqueles anos, só que isso não só não justifica seus fracassos como os agrava.



<< Capa