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Dossiê José Mojica Marins

Delírios de um Anormal
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1978.

Por Sergio Andrade

Dr. Hamilton, um renomado psiquiatra, tem pesadelos recorrentes nos quais sua esposa Tânia é seduzida por Zé do Caixão, que diz ser ela a mulher superior que lhe dará o filho perfeito. Preocupados, seus amigos médicos entram em contato com o cineasta José Mojica Marins para que este faça Hamilton perceber que Zé do Caixão é apenas um personagem cinematográfico. Será mesmo?

Sempre perseguido pela censura, Mojica começou a pensar em realizar um filme utilizando as cenas que foi obrigado a cortar, para que a exibição fosse liberada, de várias de suas obras.

Inspirando-se num fato real, o caso da esposa de um psiquiatra de Campinas, interior de São Paulo, fascinada pela figura do Zé do Caixão, Mojica criou o enredo de Delírios de um Anormal, filmando as cenas do mundo real e, para os pesadelos, reunindo cenas de quatro filmes: Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver, Exorcismo Negro, O Estranho Mundo de Zé do Caixão e o então interditado Ritual dos Sádicos.

Em 85 minutos, temos o maior desfile que se tem notícia de cenas violentas, bizarrices, nojeiras, seres estranhos, bichos asquerosos de todos os tipos (corujas, ratos, aranhas, sapos, vermes, cobras e lagartos), torturas das mais variadas, necrofilia e canibalismo.

É claro que também existem momentos mais tranqüilos, como os que mostram o cineasta Mojica estudando o caso para tentar ajudar o psiquiatra. Mas o Mojica mostrado aqui também é uma ficção, pois se trata de um homem sofisticado, tomando whisky importado e morando numa mansão luxuosa com direito a uma enorme piscina. A mansão, na verdade, pertencia ao cartunista Jayme Cortes (que interpreta um dos psiquiatras), e a piscina era de um clube, já que Mojica, com tantos anos de cinema, nunca conseguiu ganhar dinheiro suficiente para tais luxos. Na maior parte do tempo, porém, o filme é um teste aos limites do espectador.

A montagem de Nilcemar Leyart é digna de todos os elogios, pois conseguiu dar unidade a materiais tão diversos. Na faixa de comentários do DVD, ela diz que o filme contém mais de 4700 cortes, quando a média para um longa-metragem é entre 1500 a 2000 cortes. Mojica comenta que a trilha sonora, encomendada ao músico Beto Strada, parecia de filme romântico. Ele e Nilcemar então montaram a trilha na moviola, colocando de trás para frente, em outra rotação e incluindo sons de gritos, o que explica o incômodo que ela provoca. Filmado em 3 dias, levou quatro meses para ser montado, o que, segundo Nilcemar, é um prazo bem curto para a complexidade do trabalho.

Exibido no XI Festival de Brasília, dentro da mostra Horror Nacional, o filme acabou ganhando uma placa de prata do júri oficial.

Para encerrar, quero narrar minha experiência pessoal em relação a esse filme.

Uma vez, quando trabalhava como office-boy, passei em frente a um cinema do centro de São Paulo onde haviam colocado uma vitrine, e o povo se aglomerava para olhar. Curioso, me aproximei e vi que dentro da vitrine estavam pessoas se fazendo passar por manequins. Fantasiados de homens e mulheres das cavernas, não mexiam um músculo. Não lembro se foi porque achei aquilo fascinante ou se foi devido à pressa de voltar ao trabalho, acabei me esquecendo de ver qual era o filme que estava passando. De tempos em tempos, esse fato voltava a minha memória. Pois agora fiquei sabendo que aquilo foi uma idéia do Mojica, denominada “Vitrine Humana”, para promover Delírios de um Anormal! Nunca poderia imaginar que, 30 anos depois, estaria escrevendo sobre o filme para esta edição especial da Zingu! dedicada ao grande Mestre José Mojica Marins.



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