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Dossiê José Mojica Marins

Extras da Coleção Zé do Caixão

Por Aílton Monteiro, especialmente para a Zingu!

Poucas vezes uma coleção de DVDs de filmes nacionais foi tão bem cuidada quanto a Coleção Zé do Caixão, lançada pela Cinemagia. São tantos os extras que teve gente que chegou até a reclamar que havia extras demais. O que é quase a mesma coisa do que reclamar que tem dinheiro demais em nossa conta-corrente. Claro que nem todo mundo se liga em extras de DVDs, preferindo ver apenas o filme, mas para quem quer entender de maneira mais aprofundada o trabalho do artista é recomendado dar uma fuçada nos documentários e no material extra dos discos, aproveitando ao máximo o disponível. Por isso, rever cada filme da coleção com o comentário em áudio de José Mojica Marins é um prazer que deve ser experimentado e valorizado. Além de divertido, Mojica não é desses diretores chatos que cansam o ouvinte, como é muito comum de ver em áudio de comentário de filmes americanos.

Ele conta detalhes curiosos e engraçados sobre os bastidores das produções, como quando, numa cena de À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), ele fala do modo como puxaram o rabo de um gato para que ele gritasse, acabaram exagerando na força, e arrancando o rabo do pobre bichano; ou quando ele falou do quanto ficou abalado com a morte de um de seus assistentes durante as filmagens de Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver (1967). Segundo Mojica, o sujeito havia comentado com ele que até o momento ninguém havia morrido ainda nas filmagens, e Mojica, meio que brincando, meio que irritado, falou que o próximo a morrer seria ele. E o cara acabou morrendo mesmo. São coisas como essa – além de outras observações importantes sobre a censura ou sobre o modo como ele fez determinadas cenas - que valem a audição. Claro que já existe uma lenda de que Mojica às vezes inventa histórias, portanto, é possível que ele tenha inventado algumas para tornar a realidade mais interessante.

Apesar de os comentários em áudio já serem em si uma justificativa para conferir os DVDs, eu diria que o melhor dos extras são os documentários ou curtas-metragens incluídos. Assim, é possível ver, ao longo da coleção, curiosas seqüências de A Sina do Aventureiro (1958) e Meu Destino em Tuas Mãos (1963), dois trabalhos do Mojica pré-Zé do Caixão; o documentário O Universo de José Mojica Marins (1978), de Ivan Cardoso; o segmento "Pesadelo Macabro", um dos três curtas do trabalho coletivo Trilogia do Terror; o documentário Fogo-Fátuo (1980), de Goffredo Telles Neto; o documentário autobiográfico Demônios e Maravilhas (1976-1987), em que Mojica fala de sua vida particular, de seu infarto e dos caminhos tortuosos que ele trilhou para continuar o seu trabalho; trechos dos filmes 5ª Dimensão, de Mário Lima, e Dama de Paus, de Mário Vaz Filho; Horror Palace Hotel (ou o Gênio Total) (1978), documentário de Jairo Ferreira com qualidade sofrível, mas de valor documental indiscutível; além de trechos de filmes mais apelativos da fase decadente do diretor: Perversão/Estupro!, 24 Horas de Sexo Explícito/Ardente e 48 Horas de Sexo Alucinante. Esse último, inclusive, destaca uma cena impagável: uma mulher entrando numa vaca de mentira para realizar o sonho de ser comida por um touro. O próprio Mojica aparece dirigindo o filme dentro do filme.

No diversificado material extra, há ainda diversas entrevistas, mini-documentários relacionados ao trabalho de Mojica; Cid Vale, do site Carcasse.com, falando sobre o filme em questão; uma seleção de algumas estórias de horror que Mojica narrou por um tempo para a 89 FM; vários trailers originais; a enquete de rua "Quem tem medo do Zé?", histórias em quadrinhos e roteiros difíceis de visualizar pela televisão; artigos diversos, making of da trilha de comentário; easter eggs, isto é, extras escondidos, com trechos de workshops e premiações de Mojica, e muito mais. É um vasto material para ser degustado aos poucos, por isso é preferível adquirir o DVD e não apenas locá-lo.

Além disso, há vários entrevistados que passaram pela coleção, destacando-se nomes como os de Carlos Reichenbach, Ivan Cardoso, R.F. Luccheti (que aparece em todos os DVDs), Paulo Sacramento, Dennison Ramalho, Paulo Duarte, Carlos Primati, Mário Lima, Marina Person, Ozualdo Candeias, Eugênio Puppo, Rubens Ewald Filho, Igor Cavalera, Branco Mello, Jairo Ferreira, Satã (produtor, ator e guarda-costas do homem), familiares do diretor e muitos outros.

Cada um tem algo de interessante para contar sobre sua relação com Mojica. Os depoimentos mais memoráveis são os de Carlos Reichenbach, que fala das circunstâncias de seu primeiro contato com À Meia-Noite Levarei Sua Alma, quando estava fugindo da polícia em tempo de rebeldes versus ditadura; de Paulo Sacramento, que chega a mostrar uma versão encadernada do roteiro de Encarnação do Demônio; de Rubens Ewald Filho, que confessa não ter lembranças da infância a não ser pelos filmes e de sempre ter sido um apreciador do trabalho de Mojica, especialmente dos primeiros, mais artesanais; de Carlos Primati, que faz comparações do cinema de Mojica com outros cineastas estrangeiros, especializados no gênero horror.

Ailton Monteiro é cinéfilo de carteirinha e editor do blog Diário de Um Cinéfilo, premiado com o Quepe do Comodoro de melhor blog em 2004.



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