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Dossiê José Mojica Marins

Inferno Carnal
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1976.

Por Gabriel Carneiro

Em 1976, Mojica só fazia filmes por encomenda e qualquer coisa que lhe desse dinheiro, fazia para sobreviver. Não tinha um tostão no bolso, e, antes de encontrar Alfredo Cohen, estava desesperado atrás de um produtor. Tão oportunista era que, mesmo durante sua internação no hospital devido a um ataque cardíaco, fazia propaganda do filme. Tudo isso para ver se emplacava nas bilheterias. Paralelamente a esse projeto - talvez o que mais se aproxime de seu ideal de cinema -, estavam A Mulher que Põe a Pomba no Ar, A Estranha Hospedaria dos Prazeres, A Deusa de Mármore, entre outros. É estranho pensar então como um filme que poderia se sobressair em sua carreira, como Inferno Carnal, seja algo tão inócuo e desnecessário.

O roteiro foi reaproveitado (e adaptado) de um episódio do programa O Estranho Mundo de Zé do Caixão (TV Tupi, 1969) chamado A Lei do Talião. Escrito por Rubens Francisco Lucchetti, principal roteirista da longa carreira do cineasta, o filme segue o modelo de fazer quadrinhos do roteirista. Suas ótimas histórias de terror tinham uma espécie de fórmula. Apresentava o caso, jogava o conflito, desenvolvia, para arrebatar no fim, de modo surpreendente. O clímax era sempre reservado ao final, para deixar o leitor boquiaberto. A estrutura do roteiro de Inferno Carnal é deveras similar. Temos a apresentação do caso (um cientista milionário é traído pela esposa que negligencia), o desenvolvimento do conflito (os amantes decidem se livrar do marido e ficar com a fortuna, mas ele sobrevive) e a conclusão surpreendente.

Um dos problemas é que o final é, na realidade, bem previsível. Ainda mais porque essa fórmula funciona com histórias rápidas. O fato de prolongar demais o clímax para o final, ou ter apenas um, faz com que isso seja esperado. Isso acarreta numa maior expectativa: a conclusão precisa ser muito boa. Em Inferno Carnal isso não acontece. Todos os elementos caminham para isso – o contínuo amor de George, o marido, e as constantes “traições” de seu amante -, de maneira que toda proposta vai por água abaixo.

Há cenas muito boas que referendam o cinema autoral de Mojica, como quando Raquel (a esposa) joga o ácido extremamente corrosivo que George vinha desenvolvendo – e mantinha aberto num pote de maionese, numa estante acima da mesa em que trabalha -, e o cientista tem sua pele queimada, tudo feito com muita maquiagem – um tanto tosca. Ou mesmo a cirurgia nos olhos de George, que possuem um caráter documental impressionante. Fora essas duas cenas, o filme se perde entre uma engraçada comédia erótica – todas as cenas em que a linda Helena Ramos aparece, e ao fundo um pianinho romantizado – e um suspense descabido e não fundamentado. Neste, tudo é recorrente e repetitivo, e logo a história de Raquel e seu amante se desgastam – só valendo pelas beldades nuas que pululam na tela.

Nos 82 minutos de filme, o que mais vemos é uma direção cansada. Mojica tinha diversos projetos acontecendo, e Inferno Carnal era só mais um. A necessidade de dinheiro fez o filme ser rodado mais rapidamente que o normal, e transformou o que poderia ser uma vantagem na película numa seqüência de nudez sem propósitos e de enfretamentos repetitivos. Se o roteiro de Lucchetti não se sustenta como longa-metragem, a direção de Mojica, no completo piloto automático, só torna o filme mais desnecessário.

Dizem que é um filme desapaixonado, feito sem vontade e unicamente para faturar uma verba extra. Mojica tanto diz que sua religião é o cinema e que quer filmar, porque essa é sua vida, mas nos idos anos 70, quando o cinema comercial da Boca do Lixo bancava o ator-diretor, pouco fez para inventar e reinventar. Havia potencial, porém o diretor não era o mesmo. O álcool, a vida pessoal e falta de financiamentos em projetos atuais do diretor fizeram com que o cinema fosse mais um elemento a se lidar. Era só trabalho, por isso estava cansado e desapaixonado.

O problema é justamente esse. Toda a inventividade e criatividade de Mojica foram deixadas de lado. Não há brasilidade em Inferno Carnal, não há cenas poderosas e imorais, não devaneios, não há nada que destaque o filme. A história é boa, há cenas boas, os atores são bons, só foi tudo muito mal aproveitado. Demérito de José Mojica Marins.



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