Dossiê José Mojica Marins
Reino Sangrento
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1950.
Por Sergio Andrade
Parece sintomático que a primeira cena do curta-metragem mais antigo de José Mojica Marins a chegar até nós, Reino Sangrento, seja a de um homem sendo chicoteado.
Filmado em 1948, mas divulgado apenas em 1952, é o quarto filme dele realizado na década de 40. A cópia esteve perdida por mais de 20 anos, tendo sido encontrada na Cinemateca Brasileira em 2000 e então recuperada.
Na trama, dois amigos estão na Amazônia quando encontram um palácio habitado por sultões e odaliscas (!?).
Eles são presos, torturados e depois levados para dentro do palácio e deixados no harém, junto com as odaliscas (isso é um castigo ou um prêmio?).
Enquanto uma delas faz a dança do ventre, o sultão (interpretado por Mojica, que já preferia os papéis de vilão) e seus comparsas matam os guardas e se apoderam do palácio.
A odalisca é levada até a presença do sultão, que desmaia de bêbado. Ela aproveita o descuido para voltar ao palácio e soltar os amigos que estavam amarrados. Os dois enfrentam e matam os revoltosos, com ajuda de soldados do bem.
Finalmente, um dos amigos enfrenta o sultão numa luta de espadas, e o atinge. Ferido mortalmente, o sultão rola pela escadaria externa do palácio. Após o triunfo, os amigos acordam e descobrem que tudo não passou de um sonho.
Mojica conta que, para escalar o elenco, ele colocou anúncio no jornal de domingo e na segunda havia mais de 100 candidatos. Como segunda não tem feira livre, conseguiu com os feirantes 4 caminhões para transportar o elenco e a equipe até a locação. O palácio na verdade era uma fábrica de cigarros. Os figurinos foram doados pela loja de fantasias de um amigo. As filmagens começaram às 13h e terminaram às 17h do mesmo dia (um recorde mundial?).
O cachê da equipe foram ingressos grátis por uma semana no cinema que o pai dele administrava. Ninguém reclamou, pois todos ficaram felizes por terem suas imagens eternizadas na película.
A câmera utilizada era movida a corda, de 16mm, com capacidade para filmar na velocidade de 18 quadros por segundo. O filme é mudo e o material não foi montado.
Mojica corria as cidades do interior narrando o filme em clubes, cinemas fechados, etc. Nessas ocasiões sempre levava uma atriz para entreter a platéia com a dança do ventre.
A cena do sultão rolando pelas escadas foi feita pelo próprio Mojica, sem auxílio de dublês ou equipamento de proteção. Sua mãe, que assistia a filmagem, chegou a desmaiar. Ele estava pouco se preocupando com o risco de se machucar, queria apenas que a cena ficasse perfeita. Creio que não existe maior prova de amor de um cineasta por sua arte do que essa.
Direção: José Mojica Marins
Brasil, 1950.
Por Sergio Andrade
Parece sintomático que a primeira cena do curta-metragem mais antigo de José Mojica Marins a chegar até nós, Reino Sangrento, seja a de um homem sendo chicoteado.
Filmado em 1948, mas divulgado apenas em 1952, é o quarto filme dele realizado na década de 40. A cópia esteve perdida por mais de 20 anos, tendo sido encontrada na Cinemateca Brasileira em 2000 e então recuperada.
Na trama, dois amigos estão na Amazônia quando encontram um palácio habitado por sultões e odaliscas (!?).
Eles são presos, torturados e depois levados para dentro do palácio e deixados no harém, junto com as odaliscas (isso é um castigo ou um prêmio?).
Enquanto uma delas faz a dança do ventre, o sultão (interpretado por Mojica, que já preferia os papéis de vilão) e seus comparsas matam os guardas e se apoderam do palácio.
A odalisca é levada até a presença do sultão, que desmaia de bêbado. Ela aproveita o descuido para voltar ao palácio e soltar os amigos que estavam amarrados. Os dois enfrentam e matam os revoltosos, com ajuda de soldados do bem.
Finalmente, um dos amigos enfrenta o sultão numa luta de espadas, e o atinge. Ferido mortalmente, o sultão rola pela escadaria externa do palácio. Após o triunfo, os amigos acordam e descobrem que tudo não passou de um sonho.
Mojica conta que, para escalar o elenco, ele colocou anúncio no jornal de domingo e na segunda havia mais de 100 candidatos. Como segunda não tem feira livre, conseguiu com os feirantes 4 caminhões para transportar o elenco e a equipe até a locação. O palácio na verdade era uma fábrica de cigarros. Os figurinos foram doados pela loja de fantasias de um amigo. As filmagens começaram às 13h e terminaram às 17h do mesmo dia (um recorde mundial?).
O cachê da equipe foram ingressos grátis por uma semana no cinema que o pai dele administrava. Ninguém reclamou, pois todos ficaram felizes por terem suas imagens eternizadas na película.
A câmera utilizada era movida a corda, de 16mm, com capacidade para filmar na velocidade de 18 quadros por segundo. O filme é mudo e o material não foi montado.
Mojica corria as cidades do interior narrando o filme em clubes, cinemas fechados, etc. Nessas ocasiões sempre levava uma atriz para entreter a platéia com a dança do ventre.
A cena do sultão rolando pelas escadas foi feita pelo próprio Mojica, sem auxílio de dublês ou equipamento de proteção. Sua mãe, que assistia a filmagem, chegou a desmaiar. Ele estava pouco se preocupando com o risco de se machucar, queria apenas que a cena ficasse perfeita. Creio que não existe maior prova de amor de um cineasta por sua arte do que essa.