html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net
Coluna CINEMA Extremo
ONDE O CINEMA PODE SER VIOLENTO...

Por Marcelo Carrard

O Diabo na Carne de Miss Jones
Direção: Gerard Damiano
The Devil in Miss Jones, EUA, 1973.

Creio que já comentei por aqui que a década de 70 foi a mais transgressora e extrema da História do Cinema, com uma lista de clássicos absolutos até hoje: de O IMPÉRIO DOS SENTIDOS, passando por SALÓ-OS 120 DIAS DE SODOMA, sem esquecer de EMANUELLE IN AMERICA e CANNIBAL HOLOCAUST que fechou a década com Chave de Ouro e Diamantes !!! Muitos são os clássicos surgidos dos libertários últimos anos da década de 60 e suas rupturas estético-narrativas, entre elas os clássicos da produção pornográfica norte-americana, cujo primeiro grande marco foi o polêmico GARGANTA PROFUNDA aka DEEP THROAT, dirigido por GERARD DAMIANO. Alguns críticos mais caretas, além do senhor Pedro Cardoso, podem querer me crucificar, mas na minha opinião, Gerard Damiano é um dos autores mais importantes do Cinema em todos os tempos, por sua coragem de enfrentar a censura vigente e criar um estilo muito próprio onde elementos do horror e da abjeção permeiam suas obras de maneira muito singular.

Depois do sucesso comercial de Garganta Profunda e de sua interferência cultural e mercadológica nos EUA e no resto do mundo, Damiano criou sua Obra mais perturbadora e particular: O DIABO NA CARNE DE MISS JONES aka THE DEVIL IN MISS JONES, estrelado pela "Mitológica" GEORGINA SPELVIN, em grande atuação nessa trama que oferece uma grande possibilidade de leituras. Na abertura do filme vemos a solitária Justine Jones, personagem de Spelvin, cortar os pulsos na banheira. Os momentos seguintes mostrarão a mulher de trinta e poucos anos percorrendo uma espécie de limbo, de purgatório onde irá exercitar vários tipos de experimentos eróticos, em cenários abstratos e escuros em alguns momentos. Masturbação, sexo grupal e lesbianismo surgem encenados com a crueza característica dos filmes do diretor que coloca em cena uma serpente viva como símbolo universal do pecado e ao mesmo tempo cria uma das seqüências mais hipnóticas de todo o filme. O percurso de Justine nesse Purgatório é apenas um teste para seu destino final onde o autor concebe seu Inferno particular, a mais perversa danação eterna.

Leituras religiosas e filosóficas já foram feitas sobre esse filme genial. Quase anti-erótico, ainda mais para as novas gerações de onanistas acostumados com a produção da Brasileirinhas, O DIABO NA CARNE DE MISS JONES filma a vertigem e a pulsão dos corpos, a incansável busca pela consumação do desejo, do orgasmo como alimento de uma mulher faminta que teve esse desejo reprimido pela opressão de uma cultura castradora que sufoca a sexualidade e incentiva a violência como é a cultura norte-americana. A cena do desespero de Justine diante de seu objeto do desejo que não consuma o ato sexual mesmo diante de sua súplica configurada no ato da masturbação é absolutamente cruel e perturbadora. Um filme de muitos extremos com uma atmosfera única e feito por um grande Diretor que merece ser redescoberto. Me recordo do impacto que foi para mim assistir a O DIABO NA CARNE DE MISS JONES no cinema, no início dos anos 80, quando finalmente esses filmes chegaram no Brasil. Fiquei dias perturbado com as imagens do filme, que até hoje vez por outra assombram meus sonhos...




<< Capa