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Carta ao leitor.

Dublê é coisa de americano

Fazer cinema no Brasil é um desafio que atormenta aos velhos e aos novos realizadores. Algo que atormenta diversas gerações de apaixonados pela sétima arte. Quero aqui nesse espaço falar de alguns que se dedicaram a um tipo de realização cinematográfica que é completamente ignorada: o cinema brasileiro de gênero.

A crítica e os meios de comunicação sempre fecharam suas portas para os autodidatas de real talento, que sempre foram tratados como ignorantes, aproveitadores e/ou picaretas. Tenho como exemplo José Mojica Marins, que recebeu o reconhecimento internacional e mesmo assim permaneceu duas longas décadas sem poder fazer um longa-metragem. Durante esse meio tempo, ele fez de tudo um pouco. Chegou até a cortar as unhas em programa de televisão, animar bingo em periferia, entre outras coisas.

Mas e os outros? Sim, porque ao contrário do que esses acadêmicos sem vergonhas pensam, existem muitos cineastas nacionais que se dedicaram ao cinema de gênero. Na verdade, a crítica e as grandes redes de comunicação (que sempre trataram esses homens como cães sarnentos) preferem abrir espaço para pessoas como Antonio Brazza. Nada contra. Brazza era um homem de origem humilde, que trabalhava como bombeiro do Distrito Federal e realizava fitas VHS de ação com a ajuda dos amigos, que muitas vezes também encabeçavam o elenco dos filmes. Deixava-se ser humilhado e tratado como ignorante em programas de televisão para conseguir ter seu trabalho falado e comentado. Para saber mais, basta procurar uma entrevista que ele deu ao comediante (e também cineasta) Jô Soares, que está no site You Tube.

Conheço um homem que fez cinema durante décadas. Um verdadeiro autodidata que nunca aceitou ser tratado como Brazza foi Rubens da Silva Prado. O único realizador brasileiro que sempre se dedicou a um único gênero cinematográfico: faroeste. Preciosidades como “Gregório 38” e “A Vingança de Chico Mineiro” foram completamente desprezados pela crítica especializada em seus lançamentos. Eu, Remier Lion, Rodrigo Pereira e mais alguns que tivemos a oportunidade de ver os filmes de Rubão, nos tornamos fãs de carteirinha dele.

O incansável Rubens da Silva Prado, 63 anos, continua filmando. Terminou um filme policial baseado em fatos reais (“O Maníaco do Parque”), que nunca conseguiu lançar comercialmente. “Quero fazer algo grande com ele. Quero lançar no Marabá, como era na época em que o cinema era pro povão”, afirma.

Indagado sobre porque seus filmes saíram de circulação, Alex é taxativo. “O show do Roberto Carlos não é exibido na TV uma vez por ano? E sempre lota, certo? Então, com os meus filmes acontece algo bastante semelhante. Passam poucas vezes, mas quem vê sempre gosta”, ressalta ele.

Bastante bem humorado, o realizador tem grande orgulho de seus filmes, mesmo tendo sido muitas vezes tratado como um diretor sem importância. “Só não gosto quando chamam meus filmes de trash. Eu não sou trash, lixo, essas coisas todas. Fiz cinema popular para um público popular”, explica.

Fiquei atordoado quando vi “Gregório 38”. Há uma cena em que o protagonista (feito pelo diretor e produtor) arrasta um bandido com uma corda no pescoço durante vários quilômetros. Indaguei Rubão se ele teria usado um dublê ou algum efeito. Ele deu várias risadas. “Dublê meu? Isso é coisa pra americano, que tem dinheiro pra isso. Foi um amigo meu que fazia o personagem, o Grandini que eu arrestei durante todo tempo. Coitado dele, quase o enforquei”.

Durante toda essa trajetória de dois anos de pesquisa sobre o cinema da Boca do Lixo, pude conhecer poucos realizadores com o talento e com a marca de um Rubens da Silva Prado. Na minha sincera opinião, trata-se de um dos maiores realizadores vivos do Brasil, homem e personagem sem qualquer formação formal, mas que sabe tudo de cinema. Debaixo de uma câmera, ele se torna um leão incendiário. Rubão conseguia fazer westerns que não deviam em nada o mesmo gênero produzido na Europa, sem nenhum recurso e sem apoio da crítica especializada. Em compensação, seus filmes eram grandes sucessos de bilheteria.

Creio que a imprensa em geral e os pesquisadores de cinema brasileiro precisam conhecer melhor a trajetória desses gigantes, e não tratá-los como coitadinhos ou bobos.

Matheus Trunk
Editor-chefe da Zingu!

BOM: Nossos parabéns ao diretor Thiago Mendonça que recebeu o prêmio de melhor direção no Festival de Brasília pelo curta “Minami em Close Up”, sobre a Boca paulista.

RUIM: aos que defendem o fim da meia entrada. Por que então não cobra 100 reais e se coloca bonecos na sala de cinema? Somente assim elas não vão ficar vazias.



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