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Coluna do Biáfora

AJURICABA

Por Rubem Biáfora, artigo selecionado por Sergio Andrade
“Segundo longa-metragem (o primeiro foi “Passe Livre”, aliás rodado em 16 mm.) de Oswaldo Caldeira e um dos muitos delírios nacionalísticos da crítica engajada nacional, aliás muito mais “engajada” em si própria do que no real exame das mazelas que existem ao seu redor. Em todo o caso, um filme que recebeu muitos elogios e tem a intenção deliberada de lutar pelo que essa mesma intelectualidade e apaniguados apregoam ser o interesse nacional. O que não se entende é como o brasileiro comum pode se desvincular quase in totum de suas raízes portuguesas e continuar sendo brasileiro, sobretudo se reporta aos inícios do século XVII, quando teria vivido o herói índio Ajuricaba. Se a intenção é ficar mesmo no heroísmo individual de um ser extraordinário e que há três séculos teria a mentalidade afinada com as atuais concepções políticas, interesses, praxes e moldes de comportamento do novo tipo de “jeunesse dorée” que domina o literário, o artístico e o empregatício, o recalque e o hedonístico nacionais, ainda assim não cremos que ninguém possa realmente saber a quantas vamos, nem onde, nem para que estamos. Em todo o caso, de “O Cangaceiro” a “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de “Sinhá Moça” a “Rio, 40 Graus”, de “A Morte Comanda o Cangaço” a “Vidas Secas”, de “Tico-Tico no Fubá” a “Todas as Mulheres do Mundo”, de “Carnaval no Fogo” e “O Ébrio” a “Xica da Silva” ou “D. Flor”, o êxito e o entusiasmo linchador por qualquer tipo de êxito ou de conveniência é que costuma dar cartas no cinema nacional e o resultado é sempre genial na hora e fatal depois. Outro tipo de visão e de comportamento se fazem urgentes, mas quer, sabe ou pode ter nada com eles. E a vida continua. E quando os artistas (ou os “artistas”) se vêem na necessidade ou na “puissance politique” de desencavar ou criar mitos, é que já estamos afundados em pleno “mito”.”

*Publicado originalmente no “O Estado de S. Paulo” de 19/02/78.



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