html> Revista Zingu! - arquivo. Novo endereço: www.revistazingu.net

Dossiê Reynaldo Paes de Barros

Entrevista com Reynaldo Paes de Barros

Por Matheus Trunk

Consagrado cineasta e técnico, Reynaldo Paes de Barros, 71 anos, concedeu entrevista para a reportagem da Zingu! no segundo semestre de 2008. Bastante animado e bem humorado, Reynaldo foi pontual no encontro. Ele contou muitas histórias sobre os bastidores das dezenas de produções que participou.

Natural de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Reynaldo envolveu-se com cinema quando adolescente. Formou-se em cinema na UCLA na Califórnia e logo depois estava participando de “Menino de Engenho”, marco inaugural do Cinema Novo. Como realizador, continua tendo o drama “Pantanal de Sangue” como seu filme preferido. Porém, foi na Boca do Lixo, em São Paulo, que o realizador e técnico fez a maior parte de seus trabalhos como diretor de fotografia. É sobre todas essas “aventuras cinematográficas” que Reynaldo fala nessa entrevista.

Zingu! - Como o senhor começou a se interessar por cinema?

Reynaldo Paes de Barros - Isso começou quando eu estava fazendo o científico no Rio. Na verdade, eu sempre gostei de cinema, é uma coisa inexplicável. Me associei a alguns cineclubes lá e comecei a pegar gosto pela coisa. Eu já estava no ambiente do cinema, e no final do ano eu voltei pra casa dos meus pais que era em Campo Grande. Falei para eles: “Olha, eu vou estudar cinema nos Estados Unidos ou na Itália”. O meu pai concordou dando apoio, dinheiro. Eu sabia que no país dos americanos, a faculdade tinha um currículo universitário com uma grande formação. Na Europa não, eram centros mais de estudos para cinema. Como meu irmão já estava nos Estados Unidos, ele me arranjou toda a literatura a respeito do curso e eu me candidatei. Eles aceitaram os papeis e eu me mandei pra lá. Fiquei cinco anos, o curso tinha duração de quatro mas estrangeiros carregam um currículo mais pesado. Voltei em novembro de 63, era uma época de muita agitação política. Governo João Goulart, os planos socialistas, a esquerda festiva. Não deu outra, três meses depois explode a revolução inclusive com o apoio da classe média. Naquele tempo, a Guerra Fria estava muito quente.

Z- O senhor voltou com um diploma de cinema?

RPB- Sim, voltei diplomado. Uma grande vantagem que eu tinha frente aos meus concorrentes era que eu falava inglês fluentemente. Então, logo eu consegui emprego como assistente em produções americanas e européias que eram feitas no Rio.

Z- O senhor trabalhou no “Tarzan”?

RPB- Sim. Trabalhei nas duas versões do “Tarzan”. Também participei de uma série de outros filmes rodados no Rio. A cidade maravilhosa sempre trouxe muita gente pra rodar seqüências lá, porque é uma cidade praiana, cosmopolita. Em 1967, eu decidi fazer um filme no Sul, porque eu tinha uma noiva no Rio Grande. Decidi fazer uma fita em Blumenau, Santa Catarina. Realizei o longa, conheci o David Cardoso e ele pediu pra eu escrever e dirigir um filme com o Agnaldo Rayol como estrela. Depois eu acabei casando e fiquei em São Paulo.

Z- Qual faculdade de cinema o senhor fez nos Estados Unidos?

RPB- A UCLA. Era estatal e tem oito campus na Califórnia. Era uma das melhores escolas da época, com bastante proximidade com a indústria de cinema de Hollywood. Hoje, quase todos os estados norte-americanos tem uma faculdade de cinema.

Z- O senhor teve aula com algum técnico de Hollywood?

RPB- Sim, com um fotógrafo chamado Charles Clarke. Se você pesquisar as décadas de 40 e 50, vai perceber que muitos longas-metragens foram feitos por ele. Não era do primeiro time, mas era um bom artesão. Ele se aposentou e dava aulas pra gente. Tivemos muitas visitas e palestras com gente de Hollywood, porque a universidade mantinha um bom relacionamento com os estúdios. Lembro de ter palestras com personalidades como George Stevens e John Wayne.

Z- Tinha muitos estrangeiros estudando cinema lá?

RPB- Tinha, inclusive gente da Europa. Tinha italianos, franceses, suecos, alemães. Brasileiro eu era o único. Eu tive pouco relacionamento com outros alunos porque o campus era imenso. Mas foi bom porque eu pude aprender inglês.

Z- Quais filmes os alunos da faculdade onde o senhor estudava viam?

RPB- Na época, a Nouvelle Vague era muito forte. O cinema americano industrial estava de baixa estima...era mais Godard, Truffaut. Se comentava bastante também as películas italianas de realizadores como Antonioni, Fellini. Eu me lembro que o pessoal que fazia faculdade comigo existia inclusive um complexo de inferioridade em relação a boa produção americana ao cinema europeu. Eles achavam os filmes do Velho Continente melhor.

Z- Como era o relacionamento do senhor com o Cinema Novo brasileiro?

RPB- Quando eu voltei dos Estados Unidos, eu tive contato com os filmes do Ruy Guerra, do Glauber Rocha. Achei aquilo interessante, mas a produção era muito precária. Eu trouxe uma câmera arriflex da Alemanha e esse equipamento me colocou pra fazer alguns documentários pra embaixada americana.

Z- Como o senhor conheceu o Walter Lima Júnior?

RPB- O Walter Lima soube de mim por um fotógrafo argentino que ele tinha chamado pra fazer “O Menino de Engenho”. Isso foi no final de 64, mais ou menos. Ele tinha acabado de casar e não queria ficar três meses no Nordeste. Eu tinha feito dois documentários com ele pra embaixada americana. Eu conheci o Walter, fizemos um teste com a Anecy e a Maria Lucia Dahl. Ele me falou que queria uma fotografia bastante naturalista, sem filtros, um negócio bem arte para mostrar o sol nordestino. Como diretor, o Walter é um cara bastante cuidadoso. Gosta de boa fotografia e eu acabei usando todos os filtros que ele tinha proibido (risos).

Z- Quando foram realizadas as filmagens?

RPB- A produção começou logo em seguida. Foi feito de janeiro a abril de 65, na Paraíba.

Z- Foi uma produção meio truncada?

RPB- Não. Era o estilo do diretor filmar. Nós tínhamos estadia paga pelo governo do estado. Filmamos uma parte em João Pessoa, na cidade e outra no engenho onde realmente o Zé Lins viveu. Tínhamos um carro cedido pela prefeitura de João Pessoa e a gente rodou aquilo num estilo bem sossegado. A gente tinha que ver pro copião, ia, voltava. O engenho ficava a uma hora e meia de João Pessoa. Até que não foi uma produção truncada. Geraldo del Rey, o Pitanga, Anecy todos ficaram um mês na nossa disposição.

Z- Nessa época, o Walter Lima já era casado com a Anecy?

RPB- Não, eles estavam namorando.

Z- O Glauber chegou a aparecer no set?

RPB- Não. Ele estava fazendo outras coisas, viajando. Na verdade, foi uma produção bem fácil. Foi quase tudo rodado no engenho, basicamente foi isso. Durante quase toda a produção, os técnicos e o elenco permaneceram reunidos em um mesmo local. Isso facilita bastante.

Z- Como era o Walter Lima como diretor?

RPB- Ele ainda era inexperiente. Tinha sido assistente do Glauber, mas não tinha experiência de rodagem. Os caras da produção não tinham muita noção de filmagem. Mas então, de cara eu fui fotografar. É algo curioso, mas eu nunca fui assistente na minha vida. Era preto e branco, um negócio sobre alguns aspectos até mais fácil. O material era bem precário no engenho, mas a gente deu um jeito.

Z- Aquele começo dos anos 60, era uma época bastante politizada. Naquele tempo, o senhor era um cara de esquerda?

RPB- Eu tinha vindo dos Estados Unidos, não podia ser um cara de esquerda. No tempo da Guerra Fria, era óbvio que eu preferia os Estados Unidos. Mas eu não era um cara contra a esquerda. No fundo, como eu tinha tido uma experiência internacional de cinco anos fora, tinha tido uma experiência na Europa. Apoiar o regime que eles tinham na Rússia contra as idéias do Ocidente de direitos, liberdade seria uma tolice sem tamanho. No fundo, eu achava os caras ingênuos. Faltava pra eles um pouco de vivência internacional, conhecer realmente o mundo, viajar, falar com as pessoas.

Z- Como era a direção dele de atores? O elenco era o Geraldo del Rey, a Anecy.

RPB- O Geraldo ele já conhecia do “Deus e o Diabo”. A Anecy, ele tinha um relacionamento. E os outros eram pessoas não muito conhecidas, o próprio Pitanga não era muito conhecido. Não teve muitos problemas na parte de direção de atores. Mas eu sentia que ele ainda não tinha sido muita experiência, era o primeiro filme dele. Tudo na vida você precisa de prática. Isso é natural. Mas você precisa de experiência pra dirigir e pra fotografar mais ainda.

Z- Quando o senhor começou, você pensava em dirigir ou ser fotógrafo?

RPB- Basicamente, eu queria chegar a direção. Como eu trouxe uma câmera arriflex, ela começou a me abrir as portas. Em todas as fitas em que eu dirigi, fui diretor de fotografia e câmera. Isso foi mais por necessidade, pra ter uma equipe pequena e tornar o filme mais barato. Na verdade, economia é sempre algo primordial no cinema brasileiro.

Z- Depois você fez o “Férias no Sul”. E você foi produtor do filme inclusive.

RPB- Sim, eu mesmo banquei. Entre a fita do Walter e o “Férias no Sul”, eu fiz um monte de seqüências de produções estrangeiras no Rio. Eram filmes espanhóis, alemães, italianos, austríacos. Foi muita coisa, porque era barato rodar no Rio. Inclusive teve um filme do “Fu Manchu” com o Cristopher Lee que eu participei como técnico. Fiz também uma produção sueca com a Bibi Anderson e gente que tinha trabalhado com o Bergman. O filme chamava “Palmeiras Negras”. Esse filme nunca veio pro Brasil. Eu sabia inglês e isso me abriu muitas portas e aprendi muito como assistente de alguém mais experiente. Você aprende a resolver problemas, a mise-en-scene, esse tipo de coisa.

Z- O senhor fez publicidade também nessa época?


RPB- Não, só quando eu fui pra São Paulo. Mas os filmes que eu trabalhava para a Embaixada Americana, eram de certa forma publicidade.

Z- Nessa época, quais fotógrafos o senhor admirava?

RPB- Olha, aqui no Brasil...eu me lembro quando eu vi “Os Cafajestes”, eu achei o Tony Rabatoni um grande iluminador. Eu gostei muito do trabalho dele. Na época, tinham técnicos interessantes que faziam películas com pouca iluminação, poucos recursos e pouco dinheiro.

Z- O Dib Lufti também?

RPB- O Dib era conhecido mais pelo tripé humano. Ele tinha uma capacidade de operar com a câmera na mão. Mas ele não era um grande iluminador, de iluminar set. O Cinema Novo era mais isso: uma luz geral e não ficava perdendo tempo.

Z- E o Icsey?

RPB- Chegamos a trabalhar juntos. Ele fotografou grande parte do “Agnaldo”. Já estava meio velhinho, cansado. Mas era um cara tradicional, a fotografia dele exigia muito tempo e iluminava com muito cuidado.

Z- O senhor chegou a trabalhar com o Fekete?

RPB- Não.

Z- E com o George Pfister?

RPB- Sim. Alguns comerciais pra Solima, ele já era um cara muito experiente. Eu fiz coisas pra Solima, pra Linx e varias outras produtoras. O Icsey era fixo da Solima. Então, eu dirigia alguns comerciais lá e o Icsey era o meu fotógrafo. Como eu fazia as duas funções, eles me mandavam muito pra reduzir a equipe. Fiz uns filmes pra Ford, um mês viajando por todo Brasil. Era uma cobertura jornalística e eu gostava disso porque você saia de São Paulo. Se você quer fazer fotografia acadêmica, tradicional você consegue fazer isso em longa-metragem. Em comercial, eu queria conhecer o país. Por isso, tive uma experiência avaliada de muita coisa.

Z- Por que o “Férias no Sul” é rodado em Blumenau?

RPB- Eu tinha uma noiva lá no Sul, e quando passei por Blumenau achei que a cidade tinha todas as características necessárias pra ser o local do filme. Bolei uma historinha de amor e tal, é algo bem feitinho. Em relação a produção média brasileira, ele é muito bem feito. É uma historinha bobinha, um filme de adolescente que se passa em Blumenau, Rio Grande do Sul, Canela. Convidei a Elizabeth Hartmann, ela faz um papel. E o David Cardoso faz um cara que está de férias com outro carioca e eles paqueram umas moças, esse tipo de coisa. Eu nunca tinha dirigido um longa-metragem, então eu considerei a película mais como um aprendizado. Foi um trabalho fácil de ser realizado. Eu já tinha feito curtas na universidade e tinha trabalhado com bastante gente como assistente. Isso te dá uma experiência muito grande na hora de fazer seu próprio filme.

Z- E o “Férias” foi bem de crítica?

RPB- De crítica, eu acho que não. Acharam a película muito sem importância, os caras que queriam mais conteúdo. Era uma fita de adolescente, você não podia comentar a situação. É algo basicamente sem importância de mostrar a situação brasileira da época. Não que eles malhassem, mas acharam um filme de consumo, comercial. De bilheteria, acabou se pagando.

Z- O senhor gostou do resultado final depois revendo?

RPB- Sim, gostei porque eu achei que tinha condições de dirigir um filme sem grandes problemas. Eu conseguia lidar com equipe e atores sem grandes problemas.

Z- O senhor já tinha pensado em fazer um filme mais sério depois?

RPB- Olha, eu fotografei um filme pra um cara do Rio que nunca foi exibido. Era uma película que comentava a situação política e tal, e não passou na Censura Federal. Isso foi depois do “Férias no Sul”. Então, eu cheguei a conclusão que eu ia gastar a minha grana, á toa. Eu nunca fiz filme patrocinado por ninguém e se eu fosse entrar num projeto desse o filme não iria ser exibido. Depois o David me convidou pra fazer o “Agnaldo”, fiquei por aqui e fui fazendo os filmes que apareciam

Z- Como foi o “Agnaldo”?

RPB- O “Agnaldo” também é um filme bem feito, mas é um veículo pessoal para o Agnaldo Rayol que na época era um cantor em evidência.

Z- Nesse trabalho, o senhor dirige um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos, o Milton Ribeiro. Como era dirigir ele?

RPB- Olha, ele tinha sido um homem importante na Vera Cruz. O papel dele no “O Cangaceiro” foi muito elogiado. Trabalhar com ele não era problema. Ele tinha um ego um pouco inflado, porque ele fazia parte da história do cinema brasileiro. Um cara dócil, legal, não tive o menor problema com ele. Depois ele fez o bandidão do “Pantanal de Sangue”.

Z- Onde foi filmado o “Agnaldo”?

RPB- Uma pequena parte foi feita no Paraná. Mas a maior parte foram em várias locações em São Paulo, Rio, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Argentina.

Z- Pros padrões da época era uma produção grande?


RPB- Olha, tinha três produtores, mas no geral não foi um filme caro. Eu escrevi, fotografei, então, a equipe era reduzida porque a gente tinha que se locomover muito. Mas não foi uma fita que se gastou nota com cenário, essas coisas. Mas se você incluir locações, e o Agnaldo aproveitava e dava shows nos lugares. logística, a gente aproveitava os locais. Mas vamos dizer que tinha mais recursos que 80% das produções paulistas da época (risos).

Z- E o Agnaldo como ator?

RPB- Há toda uma lenda contra ele, dizendo que como cantor tem um repertório cafona. Mas isso é uma grande bobagem. Ele é uma excelente pessoa, gente finíssima, um cara legal. Tivemos um problema porque ele teve um ataque depois de duas semanas, um problema de apêndice. Ele teve que ser operado e o filme ficou parado por quinze, vinte dias. Mas depois continuamos. Ele sabia se expressar, já tinha experiência em algumas novelas. Mesmo num filme do José Carlos Burle ele tinha participado. Ele conhecia câmera, cinema, gostava de cinema. Foi ótima essa experiência com ele.

Z- Ele era muito amigo do David na época.

RPB- Exato. O David teve pretensões de se tornar cantor com apoio do Agnaldo, mas acabou não dando certo. O David foi diretor de produção inclusive do filme.

Z- E ele soube fazer essa parte?

RPB- Como era um filme de estrada e ele fazia uma parte como ator, a coisa era meio truncada. Não era fácil conseguir as coisas apesar do nome do Agnaldo. Até o Candeias participou como gerente de produção. Isso aconteceu por conta de uma imposição da Fama Filmes porque já conheciam ele e queriam que ele cuidasse de algumas coisas.

Z- Tem uma crítica do Jairo Ferreira elogiando bastante o “Agnaldo”. O senhor chegou a ler a crítica?


RPB- Olha, se você ver a fita hoje você vai gostar, vai perceber que ela tem princípio, meio e fim. Isso foi uma coisa que eu trouxe dos Estados Unidos, contando uma história em termos de cinema. Como linguagem cinematográfica é um filme certinho sem mancadas que são comuns na maioria das produções nacionais. É um filme com ritmo, é uma correria. O Agnaldo não queria fazer um filme de cantor e sim uma aventura.

Z- Nesse início seu Reynaldo, o senhor trabalhou mais em filmes cariocas. Depois, o senhor vem pra São Paulo e trabalha em produções mais comerciais.

RPB- A produção carioca sempre foi ligada ao financiamento oficial. Havia os produtores independentes, mas sempre havia uma ajuda do governo na história. Veja a Embrafilme e o tantos de filmes que ela produziu no Rio e quantos foram feitos em São Paulo. A maioria da produção paulista eram de pessoas independentes, da Boca. Era algo comercial, pra faturar e partir pro próximo.

Z- Seu Reynaldo, o senhor acha que se o senhor tivesse permanecido no Rio teria trabalhado em filmes melhores?

RPB- Olha, você diz trabalhar em filmes de maior de conteúdo? Seja lá o que isso queira dizer, talvez. Mas eu talvez tivesse trabalhado muito menos também. O Rio não tinha as condições econômicas que São Paulo tinha. O número de comerciais rodados lá é muito menor.

Z- Hoje em dia fotógrafos que trabalharam no Rio como Dib, Mário Carneiro, entre outros tem muito mais reconhecimento do que caras que ficaram em São Paulo como o Carcaça e o Portioli. Na minha opinião, isso é algo injusto. O que o senhor pensa disso?


RPB- De uma certa maneira, é algo injusto sim. Os filmes feitos no Rio eram mais bem cuidados, você tinha mais tempo pra fazer. Normalmente, eram fitas urbanas com mais condições de produção. Em São Paulo, era bem diferente. O “Agnaldo” foi feito em cinco estados mais a Argentina. O “Férias no Sul” foi filmado dois estados. Depois outro foi feito no Mato Grosso, no Pantanal. São fitas mais difíceis e você está sempre limitado. Poxa, eu iluminava, fotografava e operava câmera. Você tem que correr um pouco, não pode caprichar muito. As fitas que eu pude mais caprichar foram as com o Jean Garrett, porque ele queria algo mais bem cuidado e dava mais tempo pro técnico trabalhar.

Z- De todas as funções o que é mais difícil: dirigir, fotografar, produzir?

RPB- Dirigir é mais difícil. Porque você está lidando com toda equipe, você toma as decisões. Você lida com a parte técnica e também com os atores. Hoje em dia, outro problema que você tem é que eles fazem teatro, televisão e tem que conciliar. É necessário uma boa produção, pra qualquer filme pra conseguir filmar sem grandes interrupções ou problemas. A direção não depende somente de você. Na parte de fotografia, depende mais do tempo que o diretor de dá e do equipamento que você tem. Esse problema eu nunca tive porque eu sempre tive o meu próprio equipamento. Muitas vezes o material de luz era deficiente e você tinha que se virar. Isso era comum.

Z- Dos filmes que o senhor tem algum preferido?

RPB- Como realizador, o “Pantanal de Sangue” foi o filme que me deu mais satisfação.

Z- Como surgiu a idéia de fazer um filme sobre a terra do senhor?

RPB- Meu pai era fazendeiro no Pantanal. Passei minha infância em fazenda, ouvindo histórias de lá. Eu já tinha vontade de fazer uma produção cinematográfica sobre lá. Aquela foi uma região colonizada, tendo uma série de conflitos de terra. Eu adaptei uma história e o argumento se passa sobre isso.

Z- Como foram as filmagens?

RPB- Duraram 26 dias. Foi uma fita realizada durante uma estação chuvosa e foi difícil porque tinha de locomover equipe e elenco dentro da fazenda. Eu fiz um curso de piloto quando eu morava no Rio, pra escapar do serviço militar. Então, eu tinha um avião e levava toda semana o copião pra Rondonópolis. Foi uma produção meio épica nesse sentido.

Z- Como foi trabalhar com o Francisco di Franco? Como o senhor chegou nele?

RPB- Na época, o Chico estava participando de um monte de produções. Ele estava em evidência, tinha feito uma porção de fitas pra vários diretores. Como ator, ele tinha um tipo másculo, viril que combinava com o perfil do principal personagem do filme. Ele montava cavalo, um cara legal, que não criava problemas. Um cara bem simples, de origem relativamente humilde.

Z- Ele não tinha uma formação como ator?

RPB- Não. Que eu saiba, não. Mas o Chico aprendeu fazendo comerciais e tinha um bom tipo físico. Que eu me lembre, eu nunca tive problemas com atores mesmo. O Karan também foi um cara tranqüilo de trabalhar. Nessa fita, eu levei uma menina que era muito jovem e eu não encontrei ninguém para o papel...

Z- Que era a Elsa de Castro.

RPB- Isso, a Elsa. Ela tinha vinte e poucos anos...não combinava com o personagem fisicamente. Mas eu tive que levar porque não encontrei ninguém mais. Mas foi tranqüilo fazer a produção com ela.

Z- Ela tinha feito aquele filme com o Anselmo.

RPB- Isso, isso. Quem me apresentou ela foi o Chico, na Boca. É a tal história: se você for fazer um filme fora de São Paulo, muita gente não vai topar. Não é como nos Estados Unidos que você contrata um ator e ele está com você integralmente. Eu fiz produções pra outras pessoas como o “Chão Bruto”, que é baseado numa obra do Hernani Donato. Era uma produção relativamente grande. Nós tínhamos mil problemas com atores porque eles só nós podiam dar certos dias. O Dionísio Azevedo, diretor da fita, teve que matar o personagem do Tony Tornado antes da hora pra terminar o filme. O Tony não aparecia na filmagem, estava atrasando a produção. Um dia o Dionísio decidiu: “Mata o cara” (risos).

Z- O “Pantanal” é o seu trabalho mais autoral?

RPB- Sim, provavelmente. “A Noite dos Imorais” que eu fiz pro Ciro Carpentieri, o roteiro é dele e de outro cara. O “Agnaldo”, o roteiro é meu também mas foi feito sobre encomenda. Eu acredito que o “Pantanal” seja o meu filme mais autoral...eram somente cinco pessoas na equipe técnica. Era eu, Salvador do Amaral eletricista e maquinista, Toninho Meliande assistente de câmera, o Rosalvo Caçador que fazia a produção e catava as coisas. O Jeremias Moreira Filho também ajudou na produção. Mas era só esses caras.

Z- Que coisa...todos depois vingaram no cinema.


RPB- Sim.

Z- Nesse filme, o Antônio Meliande é assistente de câmera seu. O senhor esperava que ele se tornaria um fotógrafo de nome?

RPB- Sim. Logo depois ele fotografou uma fita pro Alfredinho.

Z- O Salvador também fotografou bastante. Principalmente em filmes do Francisco Cavalcanti.

RPB- Ele fez um monte de fitinhas na Boca. Foi também meu assistente de fotografia na “Noite dos Imorais”.

Z- A montagem do “Pantanal” é do Mauro Alice. Como foi isso?

RPB- O Mauro já era um cara super experiente. Eu não acredito muito, mas tem muito diretor que monta a própria fita. Quando você roda, você já roda de uma maneira sabendo a hora do filme. Sabendo na cabeça como eu vou montar. Mas tem várias seqüências que você roda colhendo material para depois dar um significado na sala de montagem. Quando você trabalha com um cara como o Mauro Alice, ele te ajuda. Um cara como ele acha significados que você nunca viu. Isso colabora e auxilia bastante pra conclusão do filme.

Z- Tem uma cena bastante forte, em que um peão da fazenda mata um boi. O senhor mostra isso sem nenhum corte.

RPB- Sim, exato. Naquela fazenda, eles matavam um boi a cada dez dias. Então, eu pedi que o cara desse um tiro na testa da vaca. Depois, fiz a cena do Salvador do Amaral dando tiro. Foi gozado que há pouco tempo eu estive no Festival de Cuiabá e os caras se lembraram disso. A vaca morre de verdade, ela recebe um tiro na testa e sai como saco de batatas. Não é uma morte de ator encenada, que o cara faz mil caretas. Eu acho que isso chocou um pouco as pessoas. Acho que a morte real da vaca contribuí para dar o clima de violência da fita.

Z- O filme foi bem de crítica?


RPB- Foi. Na minha opinião, ele foi bem porque é uma película razoavelmente bem-feita. Mas tem deficiências de produção, como todos os filmes. Por exemplo, tem uma caçada de onças que você não vê a onça morrendo. Isso não aparecer podia na época por causa desses órgãos de defesa dos animais, Ibama, essa coisa toda. De certa forma, é um filme muito autêntico porque foi rodado no local onde ele se passa. Não é um filme de turista.

Z- E o senhor conhecia muito aquela região.

RPB- Conhecia bastante. Eu vivi na fazenda que aparece no filme, passei minha infância lá.

Z- O senhor acha que foram feitos poucos filmes sobre a questão de terra no Brasil?

RPB- Na verdade, a disputa de terras acontece até hoje no Brasil. Isso aparece quase todo dia nos meios de comunicação, jornais, revistas. Grilagem, apropriação indébita de terras, esse é um problema que vai continuar durante mais séculos no Brasil.

Z- O “Pantanal” tinha alguma coisa de western?

RPB- Sim, mas a paisagem é totalmente diferente. O Pantanal é verde, cheio de água. As cidades americanas onde os filmes do western se passam são desertos.

Z- O senhor não acha que parece um pouco os filmes do Carlos Coimbra?

RPB- O Coimbra fazia mais filmes sobre a região Nordeste. Quem começou a fazer o estilo dele foi o Lima Barreto com “O Cangaceiro”. Depois, todo mundo passou a usar aquele chapelão, a guiaca tira-colo, falar com sotaque nordestino. Mas a maioria das produções eram filmadas em Itu, interior de São Paulo. Mas o “Pantanal” foi rodado inteiramente na região, não tinha nenhuma estilização de Nordeste. Eles se vestem como é até hoje com bota, calça normal.

Z- O senhor tinha influência do Lima Barreto? Gostava dele?

RPB- Quando eu vi “O Cangaceiro” quando garoto, eu achei um filme sensacional. Mas não era o meu meio, porque eu sempre vivi no pantanal. As películas sobre o Nordeste representam a região da caatinga. Na verdade, são uma imitação da caatinga, porque a maioria das películas eram feitas no estado de São Paulo. Poucos eram rodados no Nordeste. O “Pantanal” não tem essa estilização, porque é região Centro-Oeste. Se você pensar numa região dependente de pecuária, você vai ver que o filme é autenticamente fiel a região. Tem muito gado. Muitas vezes você vê um filme sobre o Nordeste e não aparece nem um bode. Nesses filmes, os temas tratados são mais os conflitos dos coronéis naquelas vilarocas. O Nordeste não é uma região de pecuária como o Centro-Oeste.

Z- O “Pantanal” se pagou?

RPB- Sim, porque foi uma fita relativamente barata.

Z- Mas não teve um público muito grande?


RPB- Não, porque ela foi lançada no mês de novembro. A Cinedistri cuidou da distribuição. Foi um bom lançamento, inclusive no Marabá. Passou umas duas semanas e depois foi para um outro circuito que não era legal. Era um filme de apelo mais interiorano, não tinha como conseguir grandes resultados de bilheteria nas grandes cidades.

Z- O que deu mais trabalho no “Pantanal”?

RPB- Basicamente era conseguir as coisas na fazenda. Eu perdi muito tempo pra iniciar as filmagens. O Chico de Franco chegou com uma semana de atraso e eu tive de rodar em cinco semanas.

Z- Dos seus filmes como diretor, o “Pantanal” foi o que mais teve dificuldade de rodar?

RPB- Foi. O “Agnaldo” também teve bastante dificuldade, porque tivemos inclusive que ir pra fora do país. Quando envolve muita viagem, sempre traz problemas pra produção. E o Agnaldo na época também tinha vários compromissos na agenda, e ele estava praticamente na fita toda.

Z- Como o senhor entrou na Boca?

RPB- Eu vim pra São Paulo pra fazer o “Agnaldo”. Eu freqüentei Boca como técnico. Nos reuníamos fazer as filmagens, lá ficavam todas as produtoras da época. Fatalmente eu dependia da Boca como local de trabalho. De 1968 até o início da década de 80, eu ia quase diariamente lá.

Z- Seu Reynaldo, o que o senhor pensa da Boca hoje?

RPB- Olha, não foi algo com importância se você pensar em termos da qualidade dos filmes. Porém, os filmes eram feitos de maneira independente, pouquíssimos tinham auxílio estatal. Tudo isso propiciou a vários técnicos prática, experiência. Sob esse aspecto, ela foi muito importante.

Z- Como foi fazer “Uma Nega Chamada Tereza” do Fernando Cony Campos com o Jorge Ben?

RPB- Foi uma fita que tivemos bastante problema de produção. Falta de dinheiro, falta de tempo do Jorge Ben. Tivemos uma viagem pro Rio, mas não filmamos porque tinha pouco negativo...

Z- E o Fernando Cony Campos como diretor?

RPB- O Fernando era um cara com boa formação intelectual. Parece que era poeta, escreveu poesia. Intelectualmente ele foi um dos realizadores mais bem preparados com que eu trabalhei.

Z- Depois o senhor fez um trabalho com o Freund.

RPB- Sim. Eu fiz com vários diretores, alguns inclusive eu nem me lembro. Muita coisa passou e a gente não se lembra mais. A grande maioria eram fitas puramente comerciais, sem grandes pretensões de cinema. Mas o Freund era um cara experiente, conhecia cinema. Eu só fotografei e fiz câmera pra ele.

Z- Ele entendia de fotografia?

RPB- Sim, ele tinha fotografado bastante coisas. Eu também fiz muitas coisas pra Brasecran do Ary Fernandes.

Z- Com o Ary, o senhor fez vários trabalhos.

RPB- Fiz uma fita em Santos e Guarujá, chamava...“O Supermanso” com o Mário Benvenutti. Eu sempre fotografando. E o Ary era um cara que tinha bastante experiência. Tinha trabalhado desde a época da Maristela e sabia o que queria. Muitos falam que ele chega a ser uma pessoa rígida com os técnicos. Mas isso não existe, é um boato. Ele queria uma boa fotografia e sabia exatamente o que queria. Tinham alguns que não tinha idéia do que queriam e davam palpites bobos. O Ary era um diretor que conhecia cinema, entendia a linguagem e sabia usá-la em seus trabalhos.

Z- Teve diretores que o senhor trabalhou que não sabia o que filmava?

RPB- Vários. O próprio Dionísio não tinha experiência de cinema. Ele era ator e sabia muito bem dirigir atores, cuidar da interpretação. Mas ele não se preocupava muito com posição de câmera, essas coisas. Ele me disse no início do filme: “Vê essa coisa de ângulo, que eu vou me preocupar mais com o elenco. Eu não vou dar tanta importância a linearidade da fita, mas sim com as idéias”.

Z- E como foi fazer “O Anjo Loiro” do Alfredo?

RPB- Alfredinho foi outra pessoa que eu trabalhei pouco. Ele tem um nível intelectual acima do pessoal da Boca. O “Anjo Loiro” tinha produção do Ary Fernandes também. No início, como o Alfredo tinha sido assistente do Khouri, ele cuidava da interpretação das mulheres, com bastante cuidado. Acabei fazendo uns dois filmes pornôs com ele e também com o Bajon. Mesmo nas fitas pornôs, ele conversava bastante com os atores, especialmente as atrizes. Foi uma época em que a produção estava reduzida a zero, Eu só fotografei. Não costumo nem mencionar isso, porque usei pseudônimo. Mas de qualquer jeito, eu prefiro excluir isso da minha filmografia oficial.

Z- Fala um pouco dessa parceria com o Jean, que você fez três filmes com ele.

RPB- Eu conheci o Jean Garret pelo David. Ele conhecia o meu trabalho e quando ele partiu pro segundo trabalho ele me convidou: “Eu quero uma fotografia caprichada. Sei que você sabe trabalhar interiores”. Por sinal, uma fitinha bem fotografada, bem fotografada.

Z- O David faz um serial killer no filme.


RPB- Isso, isso. Depois fizemos o “Possuídas Pelo Pecado” e finalmente o “Noite Em Chamas”. Depois ele me chamou pra fazermos outro trabalho, mas eu já estava ocupado com uma fita minha. Sempre foi um diretor bastante caprichoso, acima dos demais da época.

Z- O senhor também fotografou “O Sexualista” do Egydio Eccio.

RPB- Esse eu não agüentei, abandonei as filmagens no meio. Fotografei cinco dias e não agüentei o cara. Enfim...mas o filme é bem feito. O elenco está muito bem.

Z- O Egídio era bastante famoso na época.

RPB- Dizem que ele fez umas produções horríveis no começo. Mas depois ele ganhou um certo nome. Ele tinha o ego meio inflado, e nós tivemos um bate boca por algum motivo. De vez em quando, eu também sou temperamental. Tenho ótimo relacionamento com todo mundo, mas quando o diretor parte pra uma atitude temperamental complica.

Z- E como foi o “Chão Bruto” do Dionísio Azevedo?

RPB- Foi um trabalho que teve muitos problemas de produção. Foi realizado em Itu, faltou gente mais experiente na produção. Ao mesmo tempo que ele estava dirigindo o filme, fazia uma peça com a Regina Duarte que também era atriz da fita. Muitos atores tinham compromissos profissionais em São Paulo ao mesmo tempo, então era uma dificuldade muito grande conciliar toda a equipe. Todo mundo ficava cansado. O próprio Dionísio, afinal ele já tinha uma certa idade. Foi uma seqüência de uma luta no final, numa pedreira que eu fiz tudo praticamente sozinho. Eu fiz cento e dezesseis takes num dia só, eu com o Nicanor de Oliveira que era meu assistente. Você acredita nisso? Quando o filme estava na montagem, teve um incêndio e acabou queimando parte dele. Estava praticamente montado, mas teve que fazer tudo outra vez.

Z- De todos os filmes que o senhor trabalhou, foi o com a produção mais complicada?

RPB- Sim, com certeza. O Dionísio se queixava de coisas, o produtor de outras. O próprio Dionísio já tinha feita uma versão do “Chão Bruto”, antes dessa. Tivemos alguns problemas com cavalo. Locomover com os bichos pra outro lugar tem que arrumar um caminhão apropriado pra levar, falar com o dono da fazenda. Teve um dia que a figuração não apareceu...problema pra burro. Eu não tive esse tipo de coisa no “Pantanal”.

Z- O senhor chegou a trabalhar com o Kopezky. Ele também era um cara intelectual?

RPB- Eu diria que ele era um cara intelectualizado. Escrevia os roteiros dele. Depois viu que a realidade da Boca era outra e tentou fazer as coisas sem prática. Ele já morreu?

Z- Sim, em 2003.

RPB- Que coisa...ele era uma boa pessoa.

Z- Dizem que na hora de dirigir, ele não sabia fazer. Uma pessoa meio ingênua.

RPB- Ele não era muito ligado na parte técnica. Não tinha experiência como realizador. Isso pro técnico, acaba dificultando na hora de rodar um longa-metragem.

Z- Como foi “A Noite dos Imorais”? Era uma produção do Ciro Carpentieri.


RPB- O Ciro era um cara metido a produtor, mas não tinha a grana de um produtor típico da Boca como o Galante ou o Cervantes. Me lembro que o Ciro mexia com mercado de capitais e tinha uma forte ambição de ser diretor. Gostava de teatro e acabou dirigindo uma fita dele. Quando saiu “A Noite dos Imorais”, ele passou a ocultar relatórios de exibição. Então, nós brigamos. Eu tinha 10% da fita, eu dei som direto de graça, não cobrei aluguel, fotografei, dirigi. Foi uma coisa de pai pra filho, e ele passou a ocultar borderôs do longa. Quando eu descobri isso, nós acabamos brigando. Mas isso era típico da Boca, o cara não pagava, esses problemas todos. Comigo ele não foi legal, mas acabou pagando depois. Nem sei se ele está vivo. Depois eu precisei de uma cópia do filme. Entramos em contato telefônico, mas ele só prometeu porque não mandou até hoje.

Z- Era um filme pretensioso?


RPB- Sim. Inclusive tecnicamente. Porque tinha som direto, equipamento melhor, atores profissionais.

Z- Nesse filme o senhor lança o Herson Capri.

RPB- Não sei se posso dizer que eu lancei ele. Ele faz uma ponta boa, que deu algum destaque na carreira cinematográfica dele. A história girava em torno de uma arma que vai passando por diferentes mãos e vão acontecendo coisas, tragédias.

Z- Tinha um erotismo também?

RPB- Sim, todas essas fitas tinham que ter isso. Já estava previsto isso. Cenas de nudez, seqüências de sexo, etc.

Z- Incomodava o senhor todo filme ter uma parte erótica?

RPB- Não. Passou a incomodar mais quando virou o sexo explícito. Tem um ditado popular que diz que doce de coco é bom demais que enjoa. Isso se aplica ao filme pornô. O que é ele hoje nas grandes capitais do mundo? Nova York tinha uma rua só de cinema de sexo explícito, mas tudo acabou. No fundo, as pessoas querem algo com história, mais qualidade, alguma expressão artística. As pessoas querem ver a condição humana retrata na literatura, teatro, cinema, etc.

Z- Havia uma concorrência entre o senhor e os outros fotógrafos da época?

RPB- Não, eu pelo menos nunca olhei aquilo daquela maneira. Havia um mercado, todos trabalhavam. Que eu me lembre, eu nunca tive inimigo fotógrafo, colega de profissão.

Z- O senhor trabalhou bastante com publicidade?


RPB- Sim. A gente fazia porque sempre te pagam bem, sem problemas. Quando você tem uma boa produtora, o resultado costuma ser excelente. Fiz muitos documentários aqui, ali. Viajava pra diversos lugares, dentro e fora do estado de São Paulo. Gostava de filmar em lugares distantes como Bahia, Pernambuco, Goiás. Muitas vezes eu tinha inclusive liberdade pra trazer o material. O produtor agendava tudo e eu tinha liberdade de filmar tudo sem a presença dele. Eu adorava sair de São Paulo e graças a isso conheci o Brasil todo. Até hoje, os únicos estados que eu não estive foram em Roraima e Amapá. Uma ocasião pra Ford fiquei um mês viajando por todo Brasil, fazendo todas as capitais, reportagens sobre os carros da marca. Isso foi em 73, era um negócio que entrava nas ufanias da época de integração nacional, essas coisas. Eram três veículos que iam com a gente: um Corcel, uma Belina e um Maverick. Fizemos o Brasil inteiro, foi sensacional.

Z- Quais são seus projetos atuais?

RPB- Quero fazer um filme sobre o Mato Grosso atual. Como as fazendas lá são muito distantes, no período das chuva, o acesso é aéreo. Muitos pilotos faziam linha área sobre as fazendas. De certa forma, isso ainda acontece na região Centro-Oeste do Brasil. A história é basicamente sobre esses caras. Mas envolve grana, precisa ter grana, ter um ator que esteja com você o tempo todo. Preciso de alguém que saiba dirigir avião. É difícil.

Z- O senhor quer dirigir?

RPB- Eu tenho a história praticamente pronta. Mas preciso de mais tempo. Eu fiquei muito tempo fora do Brasil. Fiz dois documentários em vídeo. Talvez eu possa fazer o filme em HD, que dá a possibilidade de rodar em VHS e fazer o transfer para negativo de 35. Tem boa qualidade. Pra jovens cineastas, gente que está começando, é ótimo. Você pode fazer um vídeo de alta definição hoje. Hollywood está fazendo muito isso.

Z- É bem mais econômico.


RPB- Sim. Você não gasta negativo, tem facilidades de edição.

Z- Recentemente o senhor foi homenageado no Festival de Cuiabá. Como o senhor se sentiu?

RPB- Foi muito legal. Revi muita gente e também conheci muita gente nova. Eles queriam que eu exibisse o “Pantanal”. Os negativos estão na Cinemateca e quando eles foram fazer uma cópia, descobriram que o som precisa de restauração. Partes do som precisam ser restaurados. Então, não pude levar uma cópia mas eu levei dois curtas sobre a região. São dois filminhos legais de dez minutos.

Z- Desses filmes como fotógrafo no cinema da Boca tem algum trabalho que senhor tenha preferência?

RPB- Os que eu tive maior liberdade para trabalhar foi o “Amadas e Violentadas”...O próprio “Possuídas pelo Pecado”, as fitas que eu fiz com o Jean. Em estúdio, eu podia fazer um trabalho mais caprichado. Foram trabalhos que eu pude caprichar mais nos detalhes.

Z- E como foi feito “O Quarto de Viúva” com o Sebastião de Souza?

RPB- Putz...me lembro que esse filme foi feito em Campinas. Num clube da cidade. Foi feito correndo, no tapa mesmo. Infelizmente, o Sebastião não tinha muita experiência como diretor.

Z- O senhor dirigiu a Meire Vieira. Como era trabalhar com ela?


RPB- Ela era uma mulher muito acessível. Inclusive ela fez um papel no “Noite dos Imorais”. Embora ela fosse uma atriz bastante acostumada com cinema, mas ela teve dificuldades em decorar os diálogos. Você acredita? Ator de cinema se acostuma com a fragmentação e acaba tendo dificuldade em memorizar diálogos muito longos. Então, quando você tem alguma fala extensa, acaba tendo problemas. Mas ela era uma excelente pessoa.

Z- Dos seus filmes, existe algum que o senhor não viu mais?

RPB- O “Férias no Sul”. As cópias desse filme não existem mais. A Líder extraviou os negativos. O “Agnaldo” eu vi recentemente no Canal Brasil. Eu tenho uma cópia em 16 mm do “Pantanal”, que não está muito legal, mas pelo menos tenho um registro. A fita que eu fiz pro Ciro eu não vejo de 1978.

Z- Nossa, trinta anos sem ver a fita...mas o senhor gostou do resultado final ?

RPB- Eu acho que o resultado é bom.

Z- Foi bem de crítica?

RPB- Sim. Pelo menos na maioria das vezes, eles falaram bem.

Z- Como diretor, o senhor se considera um artesão?

RPB- Eu me considero um bom artesão. Se eu tiver um bom roteiro, eu consigo dar uma grande contribuição a ele. Mas não me considero um diretor engajado, de maneira nenhuma.

Z- Seu Reynaldo, pra gente encerrar: o que você considera que fica do senhor pra posteridade?

RPB- Os filmes que eu fiz se você considerar a média da produção, são produtos comerciais bem feitos. Você pode vê-los e comparar eles com a produção normal da época. Como eu não sou um diretor engajado, eu acho que a minha contribuição foi essa. Ser um bom artesão pra fazer filmes comerciais bons na época em que eles foram feitos. Com todas as dificuldades de produção, se você ver hoje, você vai ter essa conclusão. Isso os filmes que eu dirigi. Os filmes que eu fotografei, sempre fiz o que era possível. Muitas vezes a qualidade do material que eu filmava complicava bastante. A iluminação disponível e do que o diretor te fornece. Você depende muito da equipe. Eu sou uma pessoa que nunca tive medo de correr pro refletor desde que eu tivesse condição física. Há pouco tempo atrás, fiz um comercial em Juan Pedro Caballero com Ponta Porã e além de cuidar da fotografia, eu também fui eletricista. O cara não tinha a menor idéia do que fazer com o refletor. Então, eu tive de operar a câmera e lidar com os refletores ao mesmo tempo.




<< Capa