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Carta ao leitor.

A memória cultural do brasileiro

O Brasil é um país bastante engraçado. Ao mesmo tempo que possui personagens únicos em todos os meios culturais (música, cinema, artes plásticas) nossos intelectuais tem mania de idolatrar os artistas estrangeiros. Sim, esses mesmos que enchem os bancos das nossas universidades, públicas ou privadas são os grandes responsáveis pelo imobilismo cultural do nosso país. Os fantásticos “marxistas de galinheiro” que Nelson Rodrigues definiu várias vezes.

Um caso recente é o show da cantora Madonna. Nada contra, cada um tem seu gosto musical. Mas só vou usar ela como um exemplo, como eu poderia utilizar qualquer outro artista estrangeiro que vem ao Brasil. Todos os jornais cobriram o evento. Foi capa de várias revistas, tema de diversos programas de televisão. Recebeu um tratamento exemplar de todos os meios de comunicação, como a “rainha do pop”, “a diva das gerações”, “profetiza do apocalipse”, etc.

Ao mesmo tempo, inúmeros cantores nacionais que tiveram grande sucesso e de talento reconhecido permanecem esquecidos ou ignorados. Faz muito tempo esses mesmos órgãos de imprensa feitos por gente “tapada” não abre espaços para falar sobre as trajetórias de artistas consagrados nacionalmente como Ataulfo Alves, Nelson Gonçalves, Moreira da Silva, Cyro Monteiro, Gilberto Alves, Noite Ilustrada, entre outros. Mesmo intérpretes que ainda estão vivos e ativos como Dóris Monteiro, Tinoco, Cláudia Barroso, Germano Mathias, Riachão e Roberto Silva são poucas vezes abordados.

A mesma coisa acontece no meio cinematográfico. Qualquer realizador ou ator que vem de fora é tratado como um extraterrestre. Recebe champagne, caviar, fica nos melhores hotéis, etc. Para os artistas nacionais, não dão praticamente nada. Não sou dono da verdade, nem coisa parecida. Mas posso dizer que conheço de perto a situação econômica que inúmeros cineastas e técnicos veteranos do cinema brasileiro se encontram hoje. E é engraçado: os mesmos que tiram fotos e beijam as mãos de qualquer gringo que vem aqui fecham as portas para os artistas nacionais na primeira oportunidade.

Recentemente eu e o diretor de fotografia Virgílio Roveda (o Gaúcho) tivemos a idéia de realizar um encontro dos técnicos do Mazzaropi. Ligamos para todos diretores, assistentes de direção, fotógrafos, assistentes de câmera, eletricistas, montadores, atores, maquiadores que estavam vivos e que tinham trabalhado com o comediante. Liguei para a Cinemateca Brasileira, na esperança de alguém se interessar pelo evento. A pessoa (que conheço muito bem, mas prefiro não botar o nome) me falou que ia pensar no caso. Roveda ligou para o Canal Brasil, julgando que eles também iriam cobrir o evento.

Pois eles também não nos procuraram. A festa aconteceu. Reunimos cerca de 20 pessoas, num bar no centro de São Paulo. Alguns vieram de muito longe, mas foi emocionante ver amigos que não se viam há décadas se abraçando e relembrando diversas histórias. Era notável ver homens de cabelo branco, com mais de 60 anos nas costas bastante emocionados. Alguns, se tornaram reconhecidos, outros não. Mas todos estavam lá, prestigiando o evento e agradecendo a mim e ao Gaúcho por termos feito a “festinha”.

Ao término de tudo, chegou a conta. Vocês amigos leitores querem saber quem pagou? Ah, sim. Não, não foi o Ministério da Cultura, essa brilhante instituição que zela pela memória cinematográfica do nosso país. Aliás, deixo aqui um abraço ao tio Juca Ferreira, que já declarou publicamente que não gosta muito de cinema nacional. Nem mesmo a Cinemateca Brasileira. Muito menos o Canal Brasil, que também não apareceu. Fui eu e o Gaúcho, que rachamos a conta final.

Será que o cinema brasileiro é realmente importante para os nossos órgãos oficiais? E para a nossa grande e soberana imprensa? A verdade é uma só: a memória cinematográfica nacional sobrevive graças a seus fãs. Se não fossem esses chatos, nosso cinema seria mais esquecido do que já é.

Matheus Trunk
Editor-chefe da Zingu!

BOM: Ao lançamento do livro de poemas do amigo e grande colaborador da Zingu!, Diniz Gonçalves Júnior. “Decalques” reúne várias poesias deste novo nome da poesia paulistana. Excelente. Esperamos novos trabalhos do poeta oficial desta publicação. Os exemplares podem ser adquiridos pelo e-mail dinizjunior71_4@hotmail.com

RUIM: A tal “reforma ortográfica”. Isso me lembra um caso curioso. Quando o atacante Dadá Maravilha foi jogar no Sport Club do Recife, a imprensa local perguntou para o craque o que ele faria pela equipe, que estava atravessando uma fase sem títulos. Dadá foi taxativo: “Fiquem calmos. Para toda problemática, existe uma solucionática”. Os mesmos professores que agora se reuniram para discutir essa “reforma ortográfica” se sentaram e discutiram se a palavra “solucionática” poderia ser inserida na língua portuguesa. Parece piada, né?



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